A simpatia é um dom que pessoas como Fernanda Teixeira, cultivam todos os dias. Ela - excelente anfitriã - alimenta meu encanto pela "paulicéia desvairada". E quando digo alimenta, faço jus ao termo, pois com muito carinho ela desvenda pra mim casas singulares, restaurantes autênticos, ótimos!
Uma dessas casas é o restaurante Obá, do mexicano Hugo Antares, e outros simpáticos sócios. A casa tem um ar de Coyoacán, do filme "Como água para chocolate", é clássica, porém moderna, é folclórica, porém delicada. Nada de arestas, tudo aprazível. Tudo integrado.
O nosso entrevistado de hoje é um "paulisteca", mistura de paulista com asteca. Jovem, viajado, empreendedor, criativo, de fala mansa. Afável e diplomático, sabe administrar sorrisos assim como controlar os ingredientes, cores, temperatura e sabores que chegam à mesa. Como todo "green-go" - pois mexicano também e gringo - apaixonado pelas bandas tupiniquins, defende não só os vinhos brasileiros, assim como o cinema deste pais, herança de Glauber Rocha.
Com vocês, Hugo Antares : uma panela na mão, e uma idéia na cabeça!
Mike Taylor
Mike Taylor
Hugo Antares
Onde e quando nasceu a sua paixão pela gastronomia?
Aqui poderíamos ter um daqueles debates de genética, criação tão em voga para tantos assuntos... Nós mexicanos de algum jeito já nascemos com um gene voltado para a comida. Milênios de cultura gastronômica contínua, uma terra fértil com ingredientes únicos, mãos artesãs que produzem uma cozinha detalhista, famílias e grupos numerosos em torno de lindas mesas, e um desdém pela pressa para comer, só podem resultar numa população que adora a gastronomia.
A comida tem um lugar muito especial na cultura mexicana, e isto acontece há tantos séculos que as pimentas, o chocolate, os moles, já entraram em nossas veias e ficaram registrados no DNA.
Além de ser mexicano, tive a sorte de nascer numa família que adora cozinhar e comer. Meu pai estudou hotelaria na escola de Lausanne, na Suíça, e por isso aprendeu a apreciar e a cozinhar comida da escola européia. Minhas duas avós são mestres de comida mexicana, e meus tios e tias têm suas especialidades que vão desde churrascos à mexicana - maravilhosos! - feijão com pimenta e queijo delirante, a sobremesas muito especiais.
Até depois do divórcio de meus pais parece que sempre acabamos nos relacionando com pessoas do fogão. Meu pai casou de novo, desta vez com uma belga muito talentosa na cozinha, e a minha mãe com um americano viúvo de uma doceira suíça que passou as suas receitas para a filha, hoje minha "irmã". Tenho um primo formado em culinária nos Estados Unidos, minha irmã é cozinheira de um buffet no Arizona... e eu, que acabei deixando a minha carreira de executivo financeiro para tocar o meu restaurante. Não sei quando nasceu minha paixão pela gastronomia... acho que isso foi há várias reencarnações.
Algum prato da sua infância, inesquecível?
Vários... eu morava ao lado da casa de minha avó, e no fogão dela sempre tinha uma panela de "frijoles refritos" (feijão feito com um jeitinho mexicano muito especial), e todos os dias faziam"tortillas" de farinha de trigo fresquinhas. Quando chegava em casa da escola, ia correndo na casa de minha vovó e elas faziam um burrito de frijoles direto do fogão. Minha mãe fazia muitas delícias... É engraçado que ela nunca fez muitos doces e fala que não é boa para isso.. mas o que estou lembrando agora são as empanaditas (pasteis), de doce de goiaba que ela fazia de uma massa feita com cerveja e adocicadas com chuva de açúcar peneirado por cima... delícias quentinhas do forno!
A sua formação?
Eu estudei até a nona série no México, e fiz colegial e universidade nos Estados Unidos. Minha universidade é Dartmouth College e sou formado em Estudos Asiáticos (com foco na China Popular), Relações Internacionais e Economia Internacional. Também fiz cursos na Universidade Normal de Beijing, na Universidade de Economia e Negócios Internacionais de Beijing, na Escola de Economia de Londres e até um pouquinho de francês na Sorbonne de Paris.
Como foi chegar no Brasil através de uma empresa multinacional e sair para abrir um restaurante?
Eu trabalhei 11 anos no departamento de finanças voltado para marketing da Procter & Gamble. Foram 11 anos incríveis que me deram a oportunidade de começar no México, morar quatro anos na China e finalizar minha carreira aqui no Brasil. O trabalho era muito interessante, intenso e me abriu muitas portas. Mas eu sabia que esse tipo de trabalho e ritmo não era a minha praia.
Fiquei apaixonado pelo Brasil desde o primeiro dia... sobretudo por São Paulo. Eu já vinha pensando no projeto de mudar para a área de gastronomia há muito tempo. Achei São Paulo uma cidade vibrante, pessoas muito queridas e um mercado de gastronomia que cresce aceleradamente.... e decidi pular ! E não me arrependo.
Trabalho mais, ganho menos, mas estou muito mais contente. Este trabalho não é só glamour e é tão estressante como o trabalho anterior, mas é minha empresa, meus problemas, minhas soluções e minhas alegrias... antes, eu tinha que brigar por vender mais sabão em pó e por incrementar a lucratividade de absorventes. (Risos)
Por que São Paulo?
Já morei na Cidade do México, Londres, Paris, Buenos Aires, Beijing, Hong Kong, Cantão, e passei muito tempo em outras grandes cidades dos Estados Unidos e do mundo... e para mim São Paulo é a megalópole mais vivível do mundo. Tem todo o agito e dinamismo das outras grandes cidades, mas no cotidiano e na rua as pessoas são gentis, alegres, te olham no olho, falam "oi", te dão abraços fortes quando te cumprimentam.... e como é uma cidade muito diversa poucos têm cara de gringo... você se mistura rapidamente. Na China não dava para ter cara de local.
Aqui até eu abrir da boca (não da para eliminar o sotaque), todo mundo acha que sou brasileiro. (Risos)
Onde estudou gastronomia?
Na minha casa, na minha cozinha, nos meus livros, nas minhas viagens, no meu restaurante... em trocas muito ricas com as cozinheiras que tenho convidado para festivais no meu restaurante. Até fiz um curso no Cordon Bleu, mas para mim isso vale muito pouco. Achei o curso meio reacionário e careta... cozinhar se aprende cozinhando, e não nas escolas. Elas são uma ótima base, mas se você cozinha há 20 anos e você fez um curso de semanas, meses ou um par de anos, você rapidamente se dá conta que não foi no curso onde você aprendeu a cozinhar de verdade.
O nome Obá, a etimologia e sentido?
Obá com acento no "a". Obá é uma orixá que entre muitas coisas, cozinha para seduzir.
Em que se parecem o México e o Brasil?
Primeiro na paixão mútua... os Mexicanos adoram o Brasil, e os Brasileiros também gostam muito do México. Um gosto herdado que só se acentua quando os Mexicanos visitam Brasil e vice-versa. Somos povos festeiros e alegres. São Paulo é muito parecido à Cidade do México.
O seu restaurante é como um quadro de muitas cores, tendo pratos da culinária thai, mexicana, italiana e brasileira... não é um caos administrar culturas tão diferentes?
Não... porque trabalho no meu restaurante como na minha própria casa. Minha casa em termos de decoração e cozinha é uma mistura muito real de minha vida e dos lugares onde morei, viajei... os cantinhos do mundo que amo. Na minha casa faço comida mexicana, francesa, italiana, thai, chinesa... pra mim não é complicado viver com tudo isso. Mas no Obá a gente se focou em quatro paises que têm ingredientes em comum. O tomate pode ser o ingrediente essencial na culinária italiana, mas os italianos não tinham tomate até que um europeu colocou o pé no México. O manjericão também é típico da comida italiana mas na Tailândia se cozinha maravilhosamente com manjericão. Pimenta utiliza-se nos quatro países... arroz também... o milho aparece na polenta italiana, nas pamonhas brasileiras e nas "tortillas" mexicanas.
Não é complicado... adoro mostrar para as pessoas as semelhanças que unem estas quatro culinárias e os toques e segredos que as fazem ao mesmo tempo tão únicas.
Qual foi a situação mais bizarra que aconteceu com você no comando do fogão?
Estava na minha casa na China assando pimentas que minha mãe tinha trazido de contrabando. Este é um procedimento muito normal na cozinha mexicana, assar "chiles" (pimentas), diretamente no fogo. Cinco minutos antes dos convidados chegarem me deu a vontade de ir ao banheiro para fazer o número um.... e não me lembrei que estava com pimenta nas minhas mãos ! E sem ter que contar mais detalhes... quando minha mãe estava recebendo os convidados, eu estava com meu "you-know" embaixo do chuveiro de água fria para tentar controlar a dor... essa não foi só a situação mais bizarra mas definitivamente também a mais picante!!! (Risos)
E a mais satisfatória?
Uma amiga na China não sabia nada de cozinha mexicana. Ela achava que só a cozinha chinesa era milenar. Então a gente entrou em um desafio. Decidimos que os dois faríamos banquetes de nossas respectivas culinárias para as mesmas 10 pessoas. Tudo valeria na competição. Desde o convite, a história do menu, a decoração, a comida, a música, etc.
Foi um grande desafio considerando que ela tinha todos os recursos da China e eu tinha que me virar do outro lado do mundo para fazer um banquete mexicano. Os dois jantares foram inesquecíveis e obviamente que nossos convidados declararam diplomaticamente um empate no final. Para mim foi um triunfo pessoal, um grande desafio e uma homenagem que eu fiz para minha própria pátria.
Poderia nos indicar uma harmonização de vinho e comida para os seguintes pratos:
Dos vinhos de minha carta recomendaria:
Arroz de pato com lychia: Amayna Pinot Noir. Garcés Silva, Valle de San Antonio-Leyda, Chile
Enchiladas suíças: esta é a combinação mais difícil. Por um lado, com todo aquele molho de pimenta e tomate e o queijo gratinado dá vontade de beber um tinto, mas por outro lado o franguinho tão delicado dentro das "tortillas" pode sumir baixo o efeito do molho e de um tinto. Então falando com Fernanda Teixeira, a gente pensou que nosso Riesling Albert Mann da Alsace na França pode ser uma ótima pedida.
Risotto (você escolhe o ingrediente principal): para nosso risotto de bacalhau.. Prosecco Brut Dino Nardi, Veneto Itália.
Moqueca: Vinho Verde Alvarinho Deu la Deu 2006, Adega de Monção, Monção Portugal.
Um vinho brasileiro que você gosta e por quê?
Em geral gosto dos vinhos da Lídio Carraro. Cada um na sua faixa de preço. Acho que são vinhos adequados. Eu já servi aqui no restaurante o Assemblage, o Merlot e agora estamos com o Reserva da Serra. São vinhos muito corretos que mostram o avanço na indústria nacional com os tintos.
Sempre falamos muito de espumantes nacionais... mas acho que temos que apoiar também os tintos. Infelizmente poucos brasileiros pedem os vinhos nacionais no Obá. As pessoas mais interessadas sempre são os estrangeiros e até hoje só ouvi elogios dos vinhos que servi da Lídio Carraro.
Por favor, defina o gourmet que freqüenta a sua casa.
Para mim, gourmet é uma palavra que ficou meio desvirtuada aqui no Brasil. Algumas pessoas acham que para serem gourmet devem saber sobre cozinha francesa, sobre vinhos, sobre espumas... sabem mais sobre patê de foie, do que sobre tacacá, têm um desdém por comida nacional (e por cinema nacional!), e estão mais interessados na técnica de espuma dos restaurantes catalães do que sobre como se faz um barreado saboroso e suculento.
Eu acho que as pessoas que mais gostam do Obá são as pessoas que amam o que eu chamo de "boa mesa". Para essas pessoas o importante não é só o que está no prato, na moda ou no currículo. Contam o entorno, os amigos, os detalhes, as histórias de quem cozinha e das próprias receitas. São pessoas que apreciam uma cozinha artesanal que fala de culturas e povos mais que de um chef estrela.
São as pessoas que se levantaram da mesa no Obá para aplaudir uma cozinheira baiana que tem um pequeno restaurante numa ilha... as pessoas que escreveram no nosso livro de comentários que vão "roubar" a cozinheira mexicana que convidei esta semana, e as que me agradecem por ainda fritar os "frijoles" mexicanos na banha como se faz no México nas cozinhas caseiras.
Para mim ser gourmet é ter um olhar e uma sensibilidade interna muito honesta para descobrir e respeitarmos nossos próprios gostos, desejos, vaidades, e taras, através dos maravilhosos estímulos externos da gastronomia e ter um olhar externo, curioso, aventureiro, brincalhão, generoso, para descobrir, provar e apreciar tudo o que a gastronomia nos oferece.
Planos para abrir uma casa no Rio de Janeiro?
Adoraria...! Mas primeiro quero me estabelecer bem em São Paulo... descobrir se algum dia o restaurante vai me dar sossego, para depois pular para novas aventuras.