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Entrevista com Susana Balbo e Pedro Marchevsky
Vinícola Dominio del Plata
Paixão e vinho, vinho e paixão

Sem querer entrar na área sentimental, preciso contar a vocês a história de amor e de vinhos deste casal de argentinos que transborda amabilidade, inteligência e simpatia.

Susana Balbo conheceu seu marido Pedro Marchevsky, da vinícola Catena Zapata, entre vinhos e vinhedos, e a paixão foi fulminante... Em continuação, nascia a vinícola Dominio del Plata e uma série de rótulos que tem tudo a ver com o amor.

Amor de mãe, como pode ser visto na mão que protege o "Crios", amor de filho como na videira do Benmarco, e amor pelo vinho, que levou essa enóloga a ser a presidenta da Wines of Argentina, que divulga o vinho do seu país no exterior.

O engenheiro-agrônomo e enólogo Pedro Marchevsky não fica atrás... é considerado como o técnico que mais entende de manejo de vinhedos no seu país e desenvolveu o conceito de "Viticultura de precisão".

Com vocês, Susana Balbo e Pedro Marchevsky, da vinícola familiar Dominio del Plata!

Agradeço a Susana Balbo e Pedro Marchevsky pela entrevista concedida e a Jackie Barroso e Thiago Dal Pizzol, da importadora Cantu, pela gentil recepção no restaurante Mr. Lam.

Enoabraços

Mike
Mike Taylor Susana e Pedro
Como você vê o gourmet da Argentina e do Brasil? Susana: Em ambos os países temos um crescimento acelerado da gastronomia, para o prazer dos nossos habitantes... (risos), as pessoas apreciam mais a alta gastronomia. Nós, com a Wines of Argentina, junto à rede americana de hotéis Omni, apoiamos o programa "The Sumptuous Flavors of Argentina" e observamos a surpresa dos chefs americanos com o alto nível dos nossos restaurantes. Como disse Pedro Marchevsky, se fôssemos a China, gostaríamos que houvesse discussões assim sobre vinhos e gastronomia...
Falando da China, algum projeto no gigante asiático? O seu filho mora em Beijing... Susana: A China, como produtor, é uma potencial concorrente, já que tem 450.000 hectares de vinhedos. Num futuro serão nossos concorrentes. Falo de futuro, pois ainda há muito a ser desenvolvido naquele país nas áreas de viticultura e enologia... mas é só uma questão de tempo.

Como consumidores, o gigante tem um potencial enorme e temos muito para ensinar, aprender e educar os consumidores... Por isso enviamos o nosso filho, que é enólogo pela UC Davis, que está se aperfeiçoando no estudo da língua mandarin. Há pouco tempo, recebeu uma proposta de uma vinícola local, que espero não frutifique... (risos)
A Dominio del Plata está com novo importador no Brasil. Quais foram os motivos para essa mudança? Susana: Gostaria de esclarecer que a decisão de mudar foi devida ao fato de ver os nossos produtos chegarem ao Brasil muito mais caros e sem nenhuma justificativa. Não achávamos justa essa situação para o consumidor brasileiro... Continuamos exportando para o Brasil pelos mesmos preços, mas hoje vemos que as nossas vendas duplicaram em apenas um ano com a nova importadora.
O problema de "overprice" (preço exagerado) é normal em outros mercados para onde vocês exportam? Susana: Não... nunca tivemos problemas com outros mercados.
Como você vê o mercado argentino? Susana: Acho que Pedro pode responder melhor do que eu, já que ele é bem mais crítico com relação à Argentina (risos)
Por que a Argentina bebe vinhos tão jovens? Pedro: Talvez possa dar uma explicação pelo lado financeiro. As vinícolas jovens, familiares, pequenas e modernas não têm capacidade de esperar anos de guarda em adegas, por isso tomamos todos os cuidados na viticultura para que os taninos sejam redondos e os vinhos sejam fáceis de beber e guardar.

Mas è importante que o consumidor veja isso como um investimento. Que ele guarde os vinhos. Não pode se exigir que só o produtor guarde o vinho... quem guarda não vende. Os nossos vinhos ainda jovens dão prazer e eu não me sinto mal por beber um vinho que me dá prazer.
Existe algum projeto para elaborar um vinho maduro, ao estilo Montchenot? Pedro: Não... nem sempre fazemos tudo que gostaríamos! (risos)
Espumantes? Algum projeto? Susana: Não descartamos um projeto no futuro, mas Pedro Marchevsky disse que o nosso vinho não será ao estilo Champagne e sim ao estilo dos Cremants, já que ele gosta de uvas maduras e não verdes...
No tinto "Nosotros", vocês usaram leveduras de Champagne. Por quê? Susana: Cada ano é diferente. Naquele ano procuramos uma levedura de alto potencial de fermentação, já que o álcool potencial estava perto dos 16 graus. Em 2006, usamos outra levedura, de origem australiana e em 2007 usamos leveduras nativas em boa parte, já que os Malbec demoraram a madurar.
Falando de Malbec, como são os chilenos? Susana: Acabamos de chegar de uma degustação de Vinhos da Cordilheira e bebemos um vinho muito bem elaborado, sem dúvidas, o Viu Manent Malbec. Mas os Malbecs deles não podem concorrer com os nossos. O país deles ainda produz quantidades muito pequenas e o clima deles não é propício para essa casta.
Falando de climas e uvas, por que tanta diferença entre um Cabernet Sauvignon chileno e um argentino? Pedro: Em Mendoza temos mais horas de sol e estamos a mil metros de altitude e as pirazinas são muito sensíveis à radiação solar.
Qual é a segunda uva emblemática da Argentina? Pedro: Diria que nosso país tem diversidade... Nós temos Torrontés e Chardonnay e até os nossos Sauvignon Blancs são mais doces, sem tantos terpenos, sem notas herbáceas. E, como falei anteriormente, o nosso Cabernet Sauvignon é muito bom, assim como a Syrah e a Merlot, que são excelentes, e a Bonarda, que é única no mundo.

Argentina é diversidade e é a expressão do sol nos vinhos.
Por que só se fala de vinhos varietais na Argentina? Pedro: Nós, enólogos, preferimos vinhos de assemblage... (risos).

Os vinhos Susana Balbo não são cem por cento varietais, sempre incluímos quinze por cento de corte. O que mudamos foi o estilo e o consumidor precisa saber que antigamente na Argentina tínhamos dois estilos antigos com muita oxidação, muito tempo em carvalho de muito uso. Os brancos erradamente eram chamados de Chablis e os tintos de Borgonha.

Mudamos para a elaboração de vinhos no estilo varietal, pois o consumidor entende o rótulo mais facilmente, mas sabemos que a complexidade está no assemblage.
Por que os argentinos não consomem vinhos de sobremesa? Susana: Talvez não exista uma necessidade do mercado argentino, acho que tem muito a ver com a sofisticação da sociedade em termos de gastronomia...
O seu vinho de sobremesa teve inspiração em Banyuls? Pedro: Não... a nossa cultura na vinícola é a da não-oxidação, então será difícil pensar no estilo oxidado de Banyuls.
Vocês têm vinhedos em Salta e Mendoza. Fora dessas províncias, onde investiriam? Susana: Em Neuquen... porque gosto da expressão de algumas variedades e sei que é um desafio a viticultura nesses lugares, mas acho que Pedro pode explicar melhor...

Pedro: Se pensarmos em termos de "Global Warming", devemos procurar terrenos em lugares mais frios... então devemos ir para o sul ou para a montanha. Eu prefiro subir, procurar o frio de altitude.

Na Argentina temos muitas regiões com potencial como o piedemonte de Mendoza, com uvas brancas mais ácidas e notas minerais. As variedades de ciclo curto, como Chardonnay e Pinot Noir, se adaptam a essas caraterísticas de altitude.

Outro detalhe a considerar é que o efeito "Global Warming" não é uma constante, então é necessário avaliar muito bem o cenário de inversão, já que essas novas regiões precisam muita infraestrutura (luz, água, etc).
Do ponto de vista desse "Aquecimento Global" (Global Warming), os vinhedos de Salta estão ameaçados? Susana: Não... há poucos dias comentava com Pedro que os efeitos no hemisfério sul são menores do que no hemisfério norte. Por exemplo, nos últimos anos em nossos vinhedos de Mendoza tivemos seis nevadas, quase uma constante no clima da região, desde que chegamos e em Salta não tivemos estiagem ou secas consideráveis no mesmo período.

Pedro: Segundo os estudos aplicados, vemos que tanto Chile quanto Argentina sofrerão menos impacto devido à presenca dos oceanos e por isso teremos menos variação térmica.
Os investimentos estrangeiros podem afetar a identidade dos vinhos argentinos? Pedro: Para mim, o "capital" não tem bandeiras e nem fronteiras e ele se estabelece segundo a taxa de retorno e a Argentina oferece - apesar da instabilidade jurídica - um ótimo potencial para investir em vitivinicultura.

Susana: Eu ficaria preocupada se os capitais estrangeiros viessem para mudar o nosso modelo, mas ao contrário, eles trabalham em equipe conosco e temos belos resultados...
Então a Argentina é mais instável do que o Brasil? Susana: Economicamente falando? Juridicamente, com certeza ! (risos)