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Entrevista com o jornalista Celso Nogueira
Caros enoamigos,

Celso Nogueira, é jornalista, tradutor, editor e redator especializado em alimentos/bebidas. Traduziu obras de MFK Fischer (Um Alfabeto para Gourmets), Truman Capote (Os Cães Ladram), David Remnick (Dentro da Floresta), Jeffrey D. Needell (Belle Époque Tropical), Rex Stout (Cozinheiros Demais), entre outros. Edita atualmente o site www.charutosebebidas.com.br.

Trabalha para uma multinacional do setor alimentício e faz traduções literárias ou gastronômicas, além de proferir palestras e conduzir degustações sobre cachaças e charutos.

Talvez por esse estreito relacionamento com o epicurismo, tentou em vão parar de fumar várias vezes... e na última vez foram os "Supremos" da Suerdieck que o trouxeram de volta ao mundo das baforadas.

Ainda ataca de Chef amateur e connaisseur dos melhores lugares da "Paulicéia Desvairada" onde achar um sushi sublime ou um quibe na coalhada…

Declara-se marxista, porém não é comunista e quando perguntado sobre esse paradoxo, afirma: "Sou anticomunista, mas já fui a Cuba. Sou anticlerical, mas vou à igreja. O tabaco pertence ao povo cubano e não ao seu governo!"

A entrevista aconteceu entre charutos Partagas, pingas, pastéis e chopps, no Bar Balcão, que fica na esquina da rua Melo Alves com a Alameda Tiete, nos Jardins. Lay Out delicado, inclui peças do grande poeta espanhol Federico Garcia Lorca e toques de modernidade que fazem do local um cosmos eclético e cult.

Com vocês, Celso Nogueira.
Mike Taylor Celso Nogueira
O Brasil não tem tradição secular em viticultura. Essa situação repete-se na elaboração de charutos de alta gama? Não..! O Brasil é o terceiro ou quarto produtor mundial de folha de tabaco para charutos. O "Mata fina" é um tipo de tabaco do Recôncavo Baiano - o nosso terroir ideal - e é um clássico desde o século XIX. Nós temos qualidade sim, por exemplo os charutos da Danemann são exportados e valorizados na Europa.
Quais são as empresas mais promissoras do Brasil? As pequenas marcas artesanais. Os produtores "garagistes" como Don Porfírio, do Diógenes Puentes, ou o Damatta, do Wilson Dantas, com seus "Graduados" e o "Toscanino".
E países que pertençam ao "Novo Mundo" dos Puros? A Nicarágua é um pais promissor, experimente os "Padron", e os "Joyas". De Honduras, prove os "Camacho".
Qual é o perfil do charuteiro no Brasil? (Cigar aficcionado) Tem dois grupos visíveis. Os jovens envolvidos com tecnologia, na faixa dos 30 anos, e os "Connaisseurs" com mais idade, digamos que mais esclarecidos.
Por que epicurista? A referência é o filosofo grego Epicuro*, defensor do prazer estético, como uma tendência filosófica. Charuto é sinônimo de companhia.

* Epicuro foi o fundador da escola que tomou o seu nome, nasceu em Atenas, provavelmente, em 341 a.C., do ateniense Néocles, e foi criado em Samos. Faleceu em 270 a.C. com setenta anos de idade.

Em 306, abriu a sua famosa escola em Atenas, nos jardins da sua vila, que se tornou centro das reuniões aristocráticas dos seus admiradores, discípulos e amigos.

Epicuro considerava que todo prazer é basicamente um prazer corpóreo. Mas, afirmava que o prazer que o homem deve buscar não é o da pura satisfação física imediata e mutável, o "prazer do movimento". Para Epicuro, o prazer que deve nortear a conduta humana - o prazer com dimensão ética e não apenas natural - é o "prazer do repouso", constituído pela ataraxia (ausência de perturbação) e pela aponia (ausência de dor). Ambas podem ser alcançadas na medida em que o homem, através do autodomínio, busque a auto-suficiência que o torne um ser que tem em si mesmo sua própria lei, um ser autárquico, capaz de ser feliz e sereno independentemente das circunstâncias.

No epicurismo não se trata, portanto, do prazer imediato, como é desejado pelo homem vulgar; trata-se do prazer imediato, refletido, avaliado pela razão, escolhido prudentemente, sabiamente, filosoficamente. É fundamental dominar os prazeres e não se deixar por eles dominar; ter a faculdade de gozar e não a necessidade de gozar.

O epicurista nunca será levado a excessos que ponham em perigo o seu prazer. Goza do tempo e das coisas, o que o torna justamente o oposto do toxicômano, que sofre sob o peso do tempo. Epicuristas hoje são gourmets ou gastrônomos, que rematam uma boa refeição com um charuto de alta gama.
Fuma-se charuto para ostentar? Talvez, mas se tiver, aparece no grupo dos "Connaisseurs" realizados... (risos). Charuto é entusiasmo e não ostentação. Charuto é networking...
O consumidor brasileiro procura charutos mais encorpados? O charuto brasileiro tende de fraco para médio, nao é intenso, então o iniciante deve aprender a entender um charuto cubano.
Quais estilos de charutos você considera injusticados? Os charutos de formatos pequenos, em geral os finos como "Panatellas", "Três Petit Coronas", os "Almuerzo". Eu amo os shots e os Lusitana, da Partagas.
Existe uma bebida ideal para acompanhar charutos? Sim, os destilados de cana, eu não sou bairrista, coloco o Rum e depois as cachaças como a Sapucaia, Casabucco, Bebehaus, Armazém Vieira, e cachaças com sabores menos pronunciados. Por isso não recomendaria algumas mineiras.
Quantos Epicure Sommelier existem no Brasil? Uma meia dúzia... Posso mencionar Cesar Adames, Ruimar de Oliveira, do Café Kahlúa, de Belo Horizonte, ou Rodrigo Gorga, da Lenat de Sao Paulo, e Arthur Avedissian, que representará o Brasil no Habano Sommelier, concurso realizado anualmente em Cuba.
Existem Cursos para Epicure Sommelier? Onde? Custam caro? César Adames ministra cursos básicos e avançados no Senac de São Paulo e outros lugares, mas não existe uma associação ao estilo ABS - Associação Brasileira de Sommeliers - que forme Habano Sommeliers. Os cursos de charutos são bem mais baratos do que os cursos de vinhos. (risos)
Qual é a expectativa de vida de um charuto? Existem grandes charutos que podem chegar até 15 anos, mas eu considero 10 anos o limite da vida de um charuto.
Poderia indicar um artesão que faça umidores com maestria? Tem um uruguaio fantástico, mas não lembro o nome... (risos). Posso mencionar o nome de Marcelo Cabrini, que tem trabalhos muito bem feitos (http://www.charutos.com.br/diversos/humidores/cabrini.htm). Eu considero que a madeira de cedro é a que conversa melhor com os charutos, assim como o carvalho fala melhor com os vinhos...
Existe uma relação entre os perfis de um charuteiro e o de um enófilo? Sim! Temos dois pontos em comum. Vinhos e Charutos são hábitos sociais, são a valorização do gosto e do prazer, com um só perigo: o risco do vício!