Entrevista com o sommelier e enólogo Fernando Ortiz Torres
O nosso entrevistado veio ao Brasil a convite da ADE Internacional Excal, instituição do governo de Castilla e Leon, responsável pela promoção do comércio exterior dessa região espanhola.
Enólogo e Sumiller -sommelier em espanhol - esse jovem de apenas 30 anos, é muito dinâmico no modo de descrever e entender o vinho... Percebe-se que tem uma profunda bagagem, produto de uma assemblage onde conta ser europeu, estudos sobre enologia, bom gosto e preocupação com o futuro dos vinhos espanhóis.
Com voces, Fernando Ortiz Torres.
Agradeço ao Sr. Fernando Ortiz Torres pela entrevista, e à SBAV-Rio, assim como a Sra. Fabiane Panaro, que tanto colaboraram na realização da mesma.
Enoabraços
Mike
Mike Taylor
Fernando Ortiz Torres
Onde estudou enologia?
Estudei em Logroño, berço dos vinhos espanhóis de Rioja, e também na Camara de Comercio Exterior de Madrid, onde realizei meus cursos de sumiller.
Precisava estudar como elaborar e como degustar vinhos.
O enólogo sabe degustar?
Sim...! Mas os enólogos estão mais preocupados em elaborar corretamente seus vinhos, e os sommeliers estão mais antenados com a poesia do vinho. É um outro olhar, não só para degustar, para vender o produto também...
Participaria de um Concurso Internacional de Sommeliers?
Não me considero nem muito enólogo e nem muito sommelier... (risos)
Me considero um hedonista, que desfruta dos vinhos, que tenta entendê-los na sua alma. Os concursos são um pouco frios...
Como vê a enologia na Espanha?
Nosso país passa por um processo de ebulição, todos os anos aparecem novas DOs - Denominação de Origem - e novos vinhedos, produtores interessantes.
Existe também uma nova busca de vinhos de "pagos", que tenham a expressão da terra.
Essa multiplicidade de novas denominações é um fato positivo ou negativo?
É um fato positivo, pois também existe uma busca da qualidade dentro dessas novas denominações...
Essas novas D.O não tiram a liberdade de um produtor ou enólogo?
Sim... mas também existem vinhos de alta expressão, ou "Vinhos de Autor", onde você respeita as normas da D.O., mas os rótulos são engarrafados como vinhos genéricos, ou "Jovem", sem incluir o nome da denominação e sem categorias como "crianza", "reserva", etc.
Então, para que ter tanta D.O. se afinal o produtor elaborara vinhos jovens, de autor? Não existe uma contradição?
Este processo é muito novo... e os vinhos genéricos vêm nos dar essa liberdade... assim um produtor pode elaborar um vinho sem madeira, ou com apenas 11 meses... temos até Joven Roble!
Parece complicado, mas está tudo dentro da legislação... e você sabe como são as leis...(risos)
Quem elabora vinhos não quer leis, quer uvas e carvalho de boa qualidade, que os processos técnicos sejam adequados e que o consumidor goste dos caldos.
Desde quando bebe vinhos?
Como amador ou como profissional? (risos)
Como profissional, posso afirmar que a partir dos 18 anos, trabalhei numa loja de vinhos e me apaixonei pela enologia... e aqui estou.
Como pode descrever os últimos anos de vitivinicultura na Espanha?
Acho que passamos de uma fase onde não valorizávamos o vinho a uma outra fase onde entendemos o valor que ele merece, seu culto, o viticultor, o enólogo, os funcionários...
Vinho não é apenas líqüido, garrafa e rótulo. Vejo uma mudança bestial na qualidade do vinho espanhol e acho que em breve o Brasil descobrirá a diversidade de vinhos que temos em nosso país, e tambem lhe dará seu valor.
Poderia mencionar enólogos que admire?
Angel Anocibar, da Bodegas Abadia Retuerta. Ele é o enólogo espanhol número um. Outro pelo qual tenho muita admiração é Alvaro Palacios.
A Espanha deve alguma coisa a Robert Parker?
Os vinhos de Castilla y Leon são muito afins ao gosto de Robert Parker. Isso não significa que lhe devamos algo. Pelo contrário, ele sem querer está homogeneizando o gosto mundial, e isso é muito triste... tudo igual.
A Espanha tem castas próprias, estilos e identidades que garantem que seremos o futuro do vinho europeu.
Robert Parker é mais um elo do vinho espanhol, pois não existe um país que ofereça tanta novidade e tradição quanto a Espanha... vamos deixar que este processo continue.
Ele continuará a dar pontos altos aos nossos vinhos, pois parecem com o seu gosto, mas confio em que será o mercado quem mais vai nos ajudar...
Como vê tanta Cabernet Sauvignon nos vinhos espanhóis?
Muito mal ... (risos). Não gosto da Cabernet Sauvignon em regiões espanholas que não são apropriadas para ela, onde só aparecem notas verdes de pimentão, que são desagradáveis e homogeneizantes! Homogeneizar é perder qualidade.
Se a Espanha tem tantas castas próprias, por que precisa de Chardonnay na D.O Cava?
Não devemos mal-interpretar alguns dados... a quantidade de uvas estrangeiras é pequena na Espanha... diria que representam uma percentagem baixíssima.
As uvas francesas estão na Espanha como estão pelo mundo, é uma questao de liberdade...
Mas as nossas uvas autóctones sao melhores. Veja como a Tempranillo está sendo valorizada... a Mencia, a Garnacha, com enólogos do talento de Alvaro Palácios com seu "Finca Dofi"... temos uvas valencianas, do Priorat, de Rias Baixas (até tintos!), e os brancos da D.O Rueda.
O consumidor espanhol médio acompanha esse processo?
O nosso consumidor médio parece-se aos consumidores médios do mundo. Na Europa, temos o problema do "Chauvinismo", onde o consumidor de Rioja não bebe um Jerez, um piemontês não bebe um vinho da Sicília, e assim vai.
Como faria para que a D.O. Jerez seja novamente conhecida mundialmente?
Isso é inevitável... O mundo vai acordar para Jerez e tem muitos jovens interessados em Jerez, na sua uva Palomino, nos seus vinhos doces, complexos.
Por exemplo, a riqueza dos "Palo Cortado", que são vinhos que tem muita personalidade.
Poderia mencionar cinco rótulos de Jerez?
Mencionar uma marca seria injusto da minha parte, mas pediria para que o público experimente um Jerez com mais de quarenta anos, e terá sensações inesqueciveis...
Riojas antigos, como o Viña Tondonia... e os novos tambem... (risos).
Recomendo os vinhos das D.O Ribera Del Duero e D.O. Toro. São vinhos com muita fruta... Os brancos de Alvarinho fermentados em barrica da D.O Rueda... que tem acidez, frescor e riqueza...
Não esqueçamos a D.O. Valencia... muita atenção a essa D.O!
Digo apenas um nome: Finca Terrerazo, Bodega Mustiguillo, Las Cuevas de Utiel (Valencia)
Como jovem, prefere tradição ou evolução técnica?
Tradição é sempre o mais importante... mas é preciso saber evoluir, entender o mercado. Não podemos ficar parados no tempo... Devemos potencializar a tradição espanhola para que os consumidores vejam que temos vinhos com história e muita, muita qualidade!