Entrevista com Julio Cesar Lopez de Heredia Viña Tondonia
Caros enoamigos,
Por que a Espanha é a queridinha da vez no mundo? Por que a Master of Wines Jancis Robinson afirma que a Espanha foi quem melhor desenvolveu a sua vitivinicultura nos últimos 25 anos? Por que o mega-baita-guru Robert Parker dá mais de 90 pontos até para água mineral na Espanha? Por que Falete é a nova sensação da música flamenca? Por que o Rei Juan Carlos manda dentro e fora da Espanha? (pelo menos tem autoridade para mandar calar a boca de alguns... e que bien lo hace!!!)
Aliás, o Viña Tondonia 1954 foi servido nas bodas reais entre o temperamental rei e Dona Sofia.
Existem muitas perguntas e muitas respostas para um país complexo e diverso como a Hispania...
Segundo o crítico de vinhos Jose Peñin, existe uma revolução silenciosa do vinho espanhol, que devemos reconhecer:
O processo democrático e o ingresso na União Européia trouxeram uma explosão de investimentos e uma busca pela qualidade.
A busca de um modelo próprio, sem seguir os moldes franceses.
Aplicação de tecnologia para controle térmico da fermentação e higiene para a conservação dos vinhos.
Novas gerações de enólogos com formação e estágio no exterior.
Respeito às cepas autóctones espanholas - e algumas francesas - e reconhecimento das novas práticas da viticultura do Novo Mundo.
Em apenas 5 anos, no período de 1980 a 1985, a Espanha seria o país com o maior número de litros armazenados em aço inoxidável da Europa.
Tudo isso, e muito mais talvez possa ensinar ao mundo e quem sabe tentar explicar o sucesso da vitivinicultura espanhola...
Porém, há sempre um porém... quem sabe o país ibérico encontre-se num novo e acelerado dilema, o de manter o patrimônio dos vinhos de estilo como seus históricos Jerez, Rioja Gran Reserva, ou cair na tentação das francesas (refiro-me as uvas...).
Com vocês os "Quijotes de Rioja", os herdeiros da Viña Tondonia, que fiéis à tradição e ao gosto inconfundível dos vinhos de alta gama que produzem, brigam contra moinhos, e como diria o famoso fidalgo manchego : - Ladran Sancho!, es señal que cavalgamos...
Para vocês, esta exclusiva entrevista com Julio Cesar Lopez de Heredia, da Viña Tondonia.
Agradeço publicamente ao Sr. Ciro Lilla, da importadora Vinci, e à enóloga Maria Amélia Duarte, que tanto fez e insistiu para que eu fosse ao encontro carioca.
Muito obrigado!
Mike Taylor
Mike Taylor
Julio Cesar Lopez de Heredia
Poderia nos contar a história de Viña Tondonia?
A nossa vinícola foi fundada em 1877 pelo nosso avô Rafael Lopez de Heredia Landeta, que muito moço serviu no exército carlista durante a guerra contra os liberais... ele era chileno, filho de emigrantes, que tinha voltado à Espanha. Depois da guerra, exiliou-se na França e dali voltou a nossa pátria e estabeleceu-se em Haro (La Rioja), para elaborar vinhos, pois naquela época, devido à filoxera, exportávamos muito vinho para o país gaulês.
Há quatro gerações que estamos dedicados de corpo e alma a elaborar vinhos de qualidade.
Nesses 130 anos, já passamos por muitas situações difíceis, e sempre superamos os obstáculos.
E toda essa luta, para acompanharmos os nossos consumidores nos seus grandes momentos!
A sua família elabora vinhos à moda clássica e antiga. Como vê as mudanças no cenário vitivinícola espanhol?
Quando as mudanças afetam a tipicidade de um estilo de vinhos só para acompanhar modas temporais, corremos o risco de perder a personalidade. A nossa região tem uma tradição que não deve ser deteriorada só por causa de um êxito fugaz. As regiões que elaboram secularmente vinhos de alta qualidade estão obrigadas a introduzir mudanças e evoluções para aproveitar ao máximo as características singulares, mas sem ceder às tentações e imposições transitórias do mercado.
Quantas linhas de vinhos a Viña Tondonia elabora?
Elaboramos tintos e brancos de "Crianza", "Reserva" e "Gran Reserva", e temos também um rosé com "Crianza". Todos eles com processos de estabilização natural e longos períodos em barricas de carvalho e guarda em garrafa (de 30 meses a 9 anos). Os vinhos que estamos comercializando são:
Tintos
Viña Cubillo Crianza 2002
Viña Tondonia Reserva 1999
Viña Bosconia Reserva 2000
Viña Tondonia Gran Reserva 1987
Viña Bosconia Gran Reserva 1981
Brancos
Viña Gravonia Crianza 1996
Viña Tondonia Reserva 1989
Viña Tondonia Gran Reserva 1981
Rosados
Viña Tondonia Crianza 1997
E temos nas nossas "caves", garrafas de safras memoráveis de Rioja como 1942, 1947, 1954, 1961, 1964...
Onde estão localizados os vinhedos?
Nossa cantina e os 170 hectares estão localizadas em Haro, Rioja Alta, e distribuídas em quatro propriedades: Viña Cubillas, Viña Bosconia, Viña Zaconia e Viña Tondonia (esta última centenária).
Em homenagem ao nosso bisavô Rafael, organizamos uma exposição com nosso acervo de fotografias, material cartográfico e mecânico, que poderá ser visitada até o dia 10 de dezembro.
Quais cepas são cultivadas?
As variedades tintas são Tempranillo, Garnacha, Graciano e Mazuelo. Para brancos, cultivamos Viura e Malvasia de Rioja.
Qual á a sua opinião sobre o avanço das uvas francesas, como Chardonnay e Cabernet Sauvignon, na Espanha?
A D.O. Rioja tem um patrimônio varietal próprio muito rico e devemos protegê-lo para garantirmos a nossa tipicidade e personalidade. Isto não significa limitar possibilidades... mas bem poderíamos melhorar e aumentar a quantidade de hectares de cepas como a Graciano e Malvasia, que hoje são minoritárias na nossa região.
A tecnologia pode substituir a tradição?
Não... a tradição se constrói com o tempo e apóia-se na tecnologia de cada época, mas usando-a de modo adequado para extrair as virtudes da uva e elevar a sua potencialidade na elaboração de vinhos com mais cuidado e delicadeza, sem forçar seu desenvolvimento natural.
Não queremos fabricar vinhos, queremos continuar a elaborar vinhos... fugimos do termo fabricar...
A Espanha dança conforme a música de Robert Parker?
Tem produtores, sommeliers, chefs e alguns comunicadores, formadores de opinião que dançam segundo a música de Parker e de outros ditos críticos influentes no mundo do vinho, mas somos muitos os produtores que nos mantemos fiéis à nossa filosofia e temperamento.
Nós, por exemplo, temos 130 anos de história, somos a quarta geração dedicada a desenvolver a tradição e sabemos que o nosso trabalho - realizado com honestidade - é reconhecido, goste Parker ou não.
Isso não significa que ele não goste dos nossos vinhos (Observação do entrevistador: segundo o site Vinhos de Rioja 2005, a vinícola teria pedido ao crítico Robert Parker de se abster de pontuar seus vinhos de safras 1954 e 1947, que este teria comprado nos USA.)
Qual é o pior inimigo do vinho espanhol?
Se entendermos a concorrência como inimigo... muitos são os países que oferecem vinhos de qualidade e que podem competir com as diversas regiões espanholas, mas também a nossa diversidade é enorme. Temos Denominações de Origem com produtos muito diferenciados, como é o caso da D.O Rioja. Acho que pelo nosso conceito e tradição estamos no mesmo páreo das melhores regiões da França, sem esquecer e sem menosprezar a boa oferta do "Novo Mundo".
Mas se entendermos o nosso inimigo no sentido estrito, acho que a homogeneização pode ser nosso pior inimigo... não devemos perder a nossa perspectiva histórica e respeitar os motivos pelos quais o vinho espanhol é reconhecido no mundo... devemos respeitar e manter a nossa personalidade.
Se fosse investir fora da Espanha, onde o faria?
Nunca tivemos esse sonho de aventura... mas o Chile seria o país escolhido, pelas extraordinárias condições naturais e pelos laços sentimentais e históricos que nos unem a aquele país. Nosso bisavê era chileno...
Mas Portugal é outro país que olhamos com carinho e simpatia e é um pais que mantem vinícolas com filosofias e tradições muito parecidas as nossas.
Como define um bom vinho?
Para nós, um bom vinho deve ser natural, fino e elegante, mas também deve alcançar o equilíbrio necessário para evoluir e melhorar com o passar do tempo.
Como se faz para conseguir que um consumidor jovem entenda um vinho estilo "Gran Reserva"?
Nossos vinhos "Gran Reserva" são muito envelhecidos, elaborados com métodos artesanais e que transmitem essa naturalidade, e quem os degusta desfruta sensações quase esquecidas, hedonísticas. A nova busca destes sabores perdidos é muito atual e essa pode ser uma ferramenta, um estímulo para que jovens se aproximem destes vinhos, sabendo que a experiência será "diferente" do que estão acostumados, bem diferentes daqueles vinhos menos evoluídos ou blockbusters tecnológicos.
Não nos preocupa a possibilidade de que os jovens não entendam os vinhos "Gran Reserva" e sim que saibam que existem e que ainda existe uma chance de experimentá-los e desfrutá-los!
Seus vinhos harmonizam com a comida molecular de Ferran Adriá?
Nossos vinhos podem harmonizar com quaisquer tendências gastronômicas e acho que Ferran Adriá também pensa assim, pois em várias oportunidades fez maridajes dos nossos vinhos com as suas criações. Não devemos esquecer que a combinação de sabores, sensações e texturas é um ato pessoal e subjetivo, e pode ter mil combinações, complexidades, e infinitas possibilidades.
Nossos vinhos, pelo seu caráter, complexidade, estrutura e finesse, são indicados para harmonizar com pratos muito elaborados...
O que achou do Brasil?
Nesta resposta, você está se dando uma licença poética como entrevistador e logicamente espera que eu diga: Maravilhoso!!! (risos)
Esta é a nossa primeira viagem ao Brasil e a nossa experiência não poderia ter sido melhor... mas achei que dedicamos pouco tempo a este país continental...
Ficamos muito gratos com a acolhida calorosa dos enófilos brasileiros e com a capacidade e espontaneidade que vocês têm para entender bons vinhos.
Acho que o Brasil pode ser o terceiro país que poderíamos pensar se um dia formos investir no exterior!!! (risos)