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Entrevista com Ignacio Carrau
Caros enoamigos,

Os vinhos do Uruguai são sempre uma boa chance de surpreender nossos sentidos e uma boa alternativa para fugirmos da tirania da Cabernet Sauvignon...

O nosso entrevistado de hoje é um homem que transita com naturalidade pelo "Paisito" e pelos "Pampas Gaúchos", e junto a sua família faz parte da história enológica do nosso país.

Com vocês, Ignacio Carrau, das Bodegas Carrau (http://www.bodegascarrau.com).
Mike Taylor Ignacio Carrau
Qual é a sua posição nas vinícolas Carrau? A sua formação? Atualmente sou acionista nas Bodegas Carrau, embora sejamos oito irmãos (quatro homens e quatro mulheres) só cinco continuam sócios, três homens (Javier, Ignacio, Francisco) e duas mulheres (Gabriela e Margarita). Sou formado em Administração de Empresas pela PUC de Porto Alegre.

Dos quatro irmãos homens, sou o único que não tem formação em vitivinicultura. Apenas me acompanha o treinamento e a paixão na arte da degustação e por isso sempre participei na escolha dos cortes (assemblage) de cada vinho ou na sua seleção. E sempre atuei na área comercial, tanto das Bodegas Carrau, quanto do Château Lacave, na década de 1970.
Quais variedades são cultivadas na propriedade de Las Violetas? Nossos vinhedos têm aproximadamente 60 hectares e temos Tannat, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot, Nebbiolo - poucas fileiras de um vinhedo antigo - Chardonnay e Sauvignon Blanc.

A vinícola em Montevidéu tem capacidade para um milhão de litros e elaboramos anualmente 800 mil quilogramas de uvas finas. O resto da capacidade é utilizada para vinhos de guarda ou "Reservas".

Em Cerro Chapeu, temos mais um terreno com uma área superior a 300 hectares, sendo 65 hectares cultivados das mesmas variedades e mais a Pinot Noir, que é utilizada conjuntamente com a Chardonnay para a elaboração do mais prestigioso vinho espumante natural elaborado pelo método champenoise no Uruguai, chamado SUST... trata-se de um Brut Nature.
Por que a sua família escolheu o Brasil e não a Argentina? Essa pergunta acho que foi feita ao nosso pai Don Juan Carrau Pujol (nascido em Barcelona, em 13 de março de 1924), muitíssimas vezes... ele emigrou para o Uruguai com seus quatro irmãos (três mulheres e um homem), em dezembro de 1930.

Meu pai sempre dizia que a Argentina já era um grande produtor de vinhos, mas que precisava melhorar e muito a sua qualidade, em vez de só produzir volume, e que sem dúvida esse processo de mudanças aconteceria.

Mas ele acreditava que no Brasil - embora fosse um país famoso pela má qualidade dos seus vinhos naqueles idos de 1960 - ainda seria possível elaborar grandes vinhos, mas que para tanto deveria se fazer um estudo correto de quais as regiões mais apropriadas para o plantio dos vinhedos e grandes esforços nas técnicas de elaboração e no cuidado dos caldos.

Por isso, já na década de 1970 escolheu - depois de um cuidadoso estudo com técnicos uruguaios e norte-americanos, estes últimos da Universidade de Davis, Califórnia - a região de Santana do Livramento, próxima ao Uruguai.

Concluindo, eu diria que o nosso pai Juan Carrau Pujol se decidiu pelo Brasil pois tinha certeza que o desafio era muito maior e muito mais atrativo, concordando com o seu estilo de desbravador e pioneiro de grandes empreendimentos.
Quando foi o seu primeiro contato com o vinho? Esta resposta é fácil... assim como todos meus irmãos, acho que o nosso primeiro contato com o mundo do vinho foi no ventre da nossa mãe... não esqueça que a nossa família está na atividade vitivinícola desde 02 de abril de 1752... eu sou integrante da nona geração de vitivinicultores, e os nossos filhos e sobrinhos são a décima geração. São poucas as famílias que têm essa tradição no Novo Mundo, e principalmente comprovada com documentos históricos verídicos.

Quando éramos pequenos na nossa casa nunca bebemos refrigerantes, e sempre - desde pequeninos - todos gostávamos muito de água com vinho. Com o tempo passávamos a beber vinho com água e a partir de 15 anos de idade já podíamos beber alguns goles de vinhos ótimos, que muito colaboraram na nossa paixão pela profissão...
Como define a sua experiência no Château Lacave? A minha experiência no Château Lacave foi maravilhosa...

Foi fantástico acompanhar aquela epopéia de colocar e consolidar uma marca de vinho brasileiro com a rapidez e o impacto que ela causou no mercado, que só sabia beber vinhos importados do Chile e da Europa.

O grande desafío era não só produzir bons vinhos, mas principalmente diferentes opções de produtos e que o mercado estivesse ávido por encontrar e assim poder consumí-los...

Foi o caso do famoso "Château Lacave Rosé" na garrafa bojuda, ele tinha uma pequena porcentagem de açúcar residual e uma agulha muito leve que sentia-se na língua... foi sem dúvida o vinho brasileiro que mais consumidores captou no Brasil para começarem a beber vinhos finos.

Durante a época em que tivemos o Château Lacave - ate o ano de 1987 - ele representava 50% do total de vendas da empresa.

Outra experiência única foi a do vinho "Velho do Museu", um vinho de corte de Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot. Estagiava em tonéis de carvalho por 18 a 24 meses e guarda posterior de 18 meses nas cavas de pedra do castelo.

Na primeira safra, de 1971, elaboramos 2 mil garrafas, e o consumo foi tanto que a cada ano tivemos que aumentar a sua produção.

Nossos clientes compravam "en primeur", reservando partidas do ano seguinte, enviando cheques em branco para garantir quantidades, que nem sempre conseguíamos atender. Depois, vendemos a empresa à Remy Martin. Mas o "Velho do Museu" continua sendo produzido até hoje, em Caxias do Sul, por meu irmão Juan Carrau.

Por isso as pessoas que lembram daquela época sabem que no Brasil houve um ANTES e um DEPOIS de Don Juan Carrau Pujol. Ele foi, sem dúvidas, o grande divisor de águas num país que era famoso pelos vinhos ruins que produzia e que teve um auge inimaginável nas decadas de 1970 e 1980, com vinhos de muito boa qualidade, mas ao alcance dos bolsos de muitas pessoas...

O Château Lacave exportou vinhos para vários mercados da Europa, incluída a França, país considerado berço do vinho fino no mundo...
De 1971 até hoje muitas coisas mudaram... Como vê o Brasil atualmente? É claro que muitas coisas mudaram de 1971 para cá, e para melhor! Hoje existem muitos pequenos projetos de vinícolas pequenas por muitas regiões antigas e novas do Brasil. Neles geralmente a propriedade pertence a uma família, e o cuidado é muito mais esmerado, assim como acontecia naquela época no Château Lacave da nossa família.

Umas das coisas que mudaram é que a imprensa especializada - ainda fala principalmente dos vinhos importados - já começa a falar de alguns ótimos vinhos brasileiros.

Em breve, muitas pessoas ricas - assim como já fazem os diplomatas - vão perceber que é de bom gosto oferecer aos amigos e visitantes grandes vinhos brasileiros.

A vitivinicultura brasileira tem futuro, mas temos que continuar aprimorando a qualidade no plantio e na elaboração dos vinhos finos produzidos por aqui.
Como vê o mercado do vinho no Mercosul? Qual porcentagem vocês exportam? O mercado de vinhos no Mercosul esté bem, embora os governos dos países que participam dele não colaborem em nada....

É fundamental o esmero da iniciativa privada que se preocupa em desenvolver o mercado. Tivemos que lutar muito contra a inoperância e burocracia estatais e de governos que além de não ajudarem, atrapalham muito.

As nossas vinícolas continuam aumentando lentamente os volumes exportados e estamos vendendo ao exterior em torno de 30% de nossas vendas totais...
Churrasco harmoniza com Tannat ou Malbec? Para mim o churrasco harmoniza tanto com Tannat quanto com Malbec, e com todos os vinhos tintos encorpados e com os taninos suaves, portanto é recomendável que sejam vinhos com estágio em barricas novas ou seminovas por alguns meses... Penso que os vinhos harmonizam mais pela sua qualidade na elaboração do que pela sua composição ou variedades. Como uruguaio, gosto de harmonizar churrasco até com alguns rosados complexos e frescos dependendo do dia e da temperatura...
O Tannat do Brasil tem futuro? Eu diria que tem sim, mas dependerá do terroir e dos cuidados nas práticas de viticultura... na fronteira com o Uruguai poderão se obter excelentes resultados e muito parecidos com os melhores Tannats uruguaios produzidos nessa mesma região.
Cerro do Chapéu em Livramento: Por quê? Como define esse "terroir"? A região de Cerro Chapéu, tanto em Rivera como também em Santana do Livramento, é região de solo arenoso com escoamento rápido das águas, o que permite trabalhar a terra mesmo depois de chuvas fortes. As precipitações anuais nessa região são em média de 1.200ml anuais. O solo é muito pobre e de baixa fertilidade, o que faz com que seja ideal para o cultivo da videira e a obtenção de grandes resultados na fruta.

Essa região foi a escolhida nos anos de 1970, quando o nosso pai dirigia o projeto da Almadén, que procurava a região mais apropriada para o cultivo das videiras no Brasil.

O projeto foi elaborado em conjunto por técnicos uruguaios da Universidade da Agronomia e com técnicos da Universidade de Davis, da Califórnia.

E pelos resultados a nível mundial de nossos vinhos da região pode-se dizer que os mesmos comprovam tudo o que deles se esperava.

Em março deste ano, a revista Wine Spectator selecionou o Tannat AMAT como o melhor Tannat do Mundo.
Qual é a diferença entre um Tannat do Uruguai e um da França? As diferenças são grandes e numa degustação às cegas não pareceriam vinhos elaborados com a mesma variedade.

Os Tannats franceses podem ser ótimos, mas são vinhos que precisam muito mais tempo para poder ficar bebíveis e uma passagem maior na madeira também. Na hora de bebê-los são vinhos que precisam ser mastigados e isso faz que sejam mais difíceis de serem consumidos... eu diria que a cada três garrafas de um ótimo Tannat uruguaio, pode se achar uma de um ótimo Tannat francês....

A Tannat é uma variedade que obteve essa denominação por ser muito tânica, só que os Tannats franceses são ainda mais tânicos e por isso exigem uma elaboração muito mais demorada para domar esses taninos tão característicos da variedade.
Por que a uva Tannat pode ser definida como Patrimônio Genético do Uruguai, sendo de origem européia? Nao é que a Tannat venha a ser reconhecida como patrimônio genético exclusivo do Uruguai, é lógico que nada impediria que também fosse da França, já que é o país onde ela se originou.... só que o Uruguai considera que poderá ser reconhecida em função de ser o lugar do mundo onde tem o seu maior cultivo há mais de um século.

Além disso, os vinhos uruguaios já são reconhecidos como excelentes e principalmente os elaborados com essa variedade que se adaptou de uma forma única, como em nenhum outro terroir do planeta... o que não impede que a Tannat possa ser plantada em qualquer outro lugar e em certas ocasiões com ótimos resultados.
Como fazer para que o mundo conheça os vinhos do Uruguai? Temos que fazer como todos os países que conseguiram divulgar seus vinhos, e principalmente como o nosso avô Juan Carrau Sust e o nosso pai Juan Carrau Pujol sempre falaram. Temos que elaborar melhores vinhos a cada safra e assim com o passar dos anos os vinhos do Uruguai serão mais conhecidos no mercado internacional.

Hoje já é comum ler matérias a respeito dos vinhos uruguaios e a sua boa qualidade. Isso é fundamental para que o país seja reconhecido internacionalmente...
Como seria o melhor vinho brasileiro de todos os tempos? Essa é uma pergunta que acho que ninguém pode responder com exatidão.

Eu diria que o Brasil vai continuar a melhorar seus vinhos e isso fará com que no futuro mais críticos e connaiseurs se surpreendam. Mas é um processo que não tem fim e sempre poderão aparecer vinhos tão bons quanto e até melhores, basta que novos empresários e enólogos continuem avançando na melhoria dos detalhes que envolvem a produção de grandes vinhos.

Assim como a perfeição, eu diria que nunca será alcançado esse melhor vinho de todos os tempos, e sim alguns dos melhores de todos os tempos... Uma lista que poderá ser sempre aumentada à medida em que continuem aparecendo os apaixonados pela melhoria contínua na procura de coisas novas e diferentes...
O Uruguai terá mais espumantes? Acredito que sim, tanto o Uruguai como todos os países que têm condições de solo, clima e tecnologia para elaborar os diferentes tipos de vinhos.

No Uruguai, elaboram-se alguns ótimos espumantes... Nosso avô Juan Carrau Sust foi quem trouxe ao país o método tradicional ou champenoise e construiu as primeiras "cavas" subterrâneas. Em homenagem a ele nós elaboramos dois espumantes pelo mesmo método em quantidades muito pequenas, 90% da produção é consumida no país e alguns embarques de pequenas remessas são enviadas a outros mercados pela curiosidade que eles despertam.

As marcas são XACRAT, elaborado com uvas Chardonnay, e SUST com uvas Chardonnay e Pinot Noir de Cerro Chapéu.
Na sua opinião, o Brasil deveria adotar uma uva emblemática? Por quê? Existem muitas variedades que se adaptaram muito bem aqui, mas acho que deveria ser alguma menos conhecida mundialmente para que isso pudesse acontecer....

Eu não sei se isso seria viável e se deveria haver alguma variedade que realmente pudesse ser considerada uma uva emblemática para o Brasil...

Mas se essa variedade existisse, certamente poderia ser uma forma de ajudar com mais força a vitivinicultura brasileira... pois é isso que eu percebo que aconteceu com a Tannat no Uruguai, a Malbec na Argentina, a Pinotage da Africa do Sul e por último com a Carmenère no Chile, para citar exemplos. Parece que isso pode dar uma maior identidade aos países, o que certamente faz.
Qual á a sua opinião sobre os enófilos uruguaios e brasileiros? A minha opinião sobre os enófilos brasileiros e uruguaios á a mesma. São os grandes parceiros dos vitivinicultores na divulgação de tudo o que os vinhos oferecem à humanidade e com esse amor e dedicação eles se dão ao prazer de degustar e descobrir novidades nos mercados. Fazem com que nós, empresários, precisemos continuar a melhorar mais e mais a cada dia.

A nossa família no Uruguai sempre dedicou uma atenção muito especial à existência e proliferação desses apaixonados pelos vinhos, criando primeiro uma revista que se chama Vinho & Crianza para difundir as notícias do mundo do vinho no Uruguai e no exterior, e criando um departamento na empresa que se chama CCV, que significa Centro de Capacitação em Vinhos...

Organizamos atividades de Cursos e Degustações com vinhos diferentes de nossa empresa e de outros países e regiões que possam ser comparáveis pelas variedade e processos de elaboração.

Desde 1992 já passaram por eles mais de 4 mil pessoas e inclusive de grupos que a partir dos nossos cursos fundaram confrarias para se aprofundarem no conhecimento e nos segredos da vitivinicultura...