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Entrevista com o Enólogo Paulo Laureano
Caros enoamigos,

O enólogo Paulo Laureano é capaz de ganhar um sorriso até do ar, pela sua fala mansa, simpatia e descontração. Com seu bigode retorcido, ao melhor estilo Salvador Dali, foi de mesa em mesa no lançamento dos vinhos Altas Quintas, uma linha alentejana produzida a 600 m de altitude, que aconteceu no Palácio São Clemente, sede do Consulado Português no Rio de Janeiro.

Formado em Engenharia Agrícola na Universidade de Évora e com pós-graduação em Enologia na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto e na Universidade de Charles Sturt, na Austrália, atualmente é um dos mais conhecidos enólogos portugueses e ajudou a melhorar o perfil dos vinhos alentejanos nos últimos anos.

Com vocês, Paulo Laureano.

Mike Taylor
Mike Taylor Paulo Laureano
Quantas vinícolas contam com a sua assessoria atualmente? Neste momento, a minha equipe, através da Eborae Consulting Ltda., empresa que assegura a consultoria, é responsável pelos vinhos de 25 empresas em todo o país, incluindo a Paulo Laureano Vinus, Ltda., que pertence ao grupo.

A saber:
  • Alentejo
  • Altas Quintas
  • Herdade do Perdigão
  • Julian Reynolds
  • Seatur (Grupo Delta - Rui Nabeiro)
  • Herdade de Vale de Barqueiros
  • Herdade do Mouchão
  • Ervideira
  • Granacer (só os vinhos de autor)
  • Maria da Graça Noronha Mendes de Almeida
  • Sociedade Agrícola da Amoreira da Torre
  • Sociedade Agrícola do Oeste Alentejano
  • Herdade da Sobreira
  • Herdade da Azinheira
  • Outeiro de Esquila Vinhos, Lda.
  • Quetzal
  • Bombeira do Guadiana, SA
  • Roma Pereira Vinhos, Lda
  • Paulo Laureano Vinus, Lda.
  • Estremadura (Bucelas)
  • Chão do Prado, Lda.
  • Terras de Sado
  • Herdade do PortoCarro
  • Herdade das Soberanas
  • Fazendas Macalé
  • Douro
  • José Agostinho Lacerda
  • Paulo Laureano Vinus, Lda
  • Ilha da Madeira
  • Vinhos de Mesa do Instituto do Vinho, Bordados e Artesanato da Madeira - IVBAM
  • Açores
  • Curral de Atlantis, Lda.
  • Trabalhando para várias vinícolas numa mesma DOC, como consegue expressar a identidade de cada propriedade? Cada vinho é a expressão dos solos onde crescem as vinhas, do clima que condiciona o seu desenvolvimento e das castas ou variedades de videira que marcam o encepamento e isso muda de propriedade para propriedade.

    A tecnologia deve ser usada de forma correcta, mas não deve mascarar o carácter e a personalidade do vinho, o qual é também uma expressão da vontade do produtor e obviamente do enólogo.

    A nossa regra é simples, cada vinho deve expressar o seu "terroir" e a nossa missão é tornar essa expressão qualitativamente atrativa e desenhar vinhos como objeto de prazer e diversão. Desta forma é fácil numa mesma DOC construir vinhos diferentes, expressando cada um, uma personalidade e uma identidade muito próprias.
    Paulo Laureano Vinus e Eborae Consulting? Poderia nos contar a área de atuação das suas empresas ? Depois de vários anos como consultor e enólogo de numerosas empresas vitivinícolas no Alentejo e em várias outras regiões portuguesas e depois de ter assumido desde 1999 a minha própria produção de vinhos, em 2006 decidi reformular todo o meu projeto, de forma a atribuir-lhe cada vez mais consistência e solidez. A Eborae Vitis e Vinus, empresa que até então aglomerava toda a atividade vitivinícola, foi dividida em duas empresas cada uma com objetivos e propósitos distintos.

    A Eborae Consulting, Ltda foi criada para continuar a dar resposta a todas as consultorias que utilizam os serviços da equipe de vitivinicultura liderada por mim, especializando-se fortemente neste sector.

    Esta continuará a ser uma área onde se pretende prestar um serviço cada vez mais profundo do ponto de vista técnico, assegurando também uma ligação mais constante com os sectores de I&D, nacionais e estrangeiros, de forma a garantir uma atualização dinâmica de conhecimentos a toda a equipe, que posteriormente se aplicam nos diversos clientes.

    Apesar do crescimento, entretanto, ocorrido na área da produção própria, não existe qualquer intenção de menosprezar este sector de consultoria, uma vez que ele sempre se revelou importante para o próprio crescimento da Eborae e assegura também uma diversidade de conhecimentos técnicos que enriquece sempre ambas as partes, o consultor e os consultados.

    A produção própria ficou entretanto, entregue a uma nova empresa denominada Paulo Laureano Vinus, Lda., que tem como objetivo a gestão das vinhas existentes e entretanto adquiridas, a produção dos vinhos, a sua divulgação e o acompanhamento da sua comercialização.

    O surgimento da Paulo Laureano Vinus, Ltda é em grande medida motivado pela aquisição em 2006 de 70 hectares de vinhas velhas na sub-região demarcada da Vidigueira (Alentejo), e de uma adega que se encontrava anexa a estas vinhas. Desta forma estes 70 hectares vêm juntar-se aos 8 que já existiam em Évora (Torre de Coelheiros) e a outros 10 de vinhas alugadas.

    Esta nova dimensão veio também permitir que se tornasse ainda mais clara e evidente uma filosofia de produção que já defendo há muitos anos.

    Sempre acreditei que a afirmação plena dos vinhos portugueses só se fará através da diferenciação qualitativa que lhes advém da sua identidade, isto é, que lhes advém das cores, sabores e aromas das castas portuguesas.

    Por isso todos os vinhos produzidos pela Paulo Laureano Vinus, sê-lo-ão sempre exclusivamente com castas portuguesas e isso será sempre evidente e claro para o consumidor, constituindo um motivo de orgulho para mim.

    As castas portuguesas encerram um potencial de qualidade invejável, para além da diversidade que atribuem aos vinhos, conseguem transformá-los em momentos de prazer únicos. Cada região vitivinícola nacional possui um conjunto de castas autóctones que condicionadas pelas condições de clima e solo em que se desenvolvem, permitem desenhar vinhos com personalidades e identidades bastante marcadas e diferenciadas.

    Cada vinha, encerra o seu "terroir", o qual deve ser evidenciado em cada vinho produzido, exigindo um correto conhecimento das diversas condições de solo e clima das vinhas e a forma como se traduzem nos vinhos.

    Dez anos de trabalho de investigação na Universidade de Évora permitiram-me capitalizar um enorme conhecimento nesta área e capacidade de continuar a explorar toda a riqueza que encerra o património vitivinícola nacional.

    As castas portuguesas permitem aos nossos vinhos um posicionamento diferenciado no mercado de vinhos, fator de extrema importância para o sector ávido de encontrar novos caminhos de comercialização. Num mundo em que as castas internacionais dominam os grandes países produtores, as castas portuguesas conferem aos vinhos nacionais uma oportunidade única que deve ser explorada e afirmada com persistência e vigor.

    Se a tudo isto aliarmos a sua enorme qualidade, a sua ligação profunda à nossa cultura e desenvolvimento, rapidamente descobrimos o porquê do acreditar profundamente nesta realidade que se tornou a filosofia da minha própria produção.

    Isto tornou-se tão claro e importante para mim que decidi assumi-lo de forma clara e inequívoca nos meus vinhos e perante os meus consumidores, quer no mercado nacional, quer no mercado internacional. Todos os meus vinhos ostentam a afirmação de identidade de forte simbolismo que a seguir se transcreve: "Acredito nas nossas castas, nas suas cores, nos seus aromas e sabores, por isso elegi-as como suporte dos meus vinhos. A minha aposta é desenhar vinhos exclusivamente com castas portuguesas, vinhos feitos com o que é nosso, aquilo de que todos nos orgulhamos."

    Para além disso, demonstrar ainda de forma mais forte e clara o meu empenhamento, decidi que o meu nome aparecerá cada vez mais associado aos meus vinhos e passará inclusive a constituir-se como uma marca.

    Com uma componente emocional forte como tudo o que rodeia o vinho, este "novo projeto", assenta numa componente racional, bastante sólida e estruturada, que eu próprio me encarregarei de ajudar a desenvolver de forma a garantir a continuidade e êxito do projeto.
    Como vê Portugal hoje em termos de vitivinicultura? Penso que a evolução ocorrida nas últimas duas décadas neste sector foi tremenda, mas considero, até pelo que se depreende pela minha extensa resposta à pergunta anterior, que ainda existe muito por revelar, descobrir e estudar. No entanto, penso que Portugal encerra um tesouro imenso em termos de vinhos e que a sua identidade e diferença, nos conseguirão assegurar uma presença e visibilidade no nicho de vinhos de qualidade, invejável.
    Como enfrenta os vinhos do Novo Mundo no mercado brasileiro? Na minha opinião, somente pela diferença e pela afirmação da nossa identidade poderemos continuar a assegurar uma presença forte e com níveis qualitativos também muito fortes num mercado brasileiro cada vez mais consistente e exigente. Isto é, acredito fortemente que a minha intransigente defesa dos valores das castas portuguesas encontrará eco nos consumidores brasileiros sobretudo se lhes souber mostrar o que de melhor elas possuem.
    O seu melhor vinho, e por quê? Confesso que não gosto de definições absolutas, o melhor, o mais forte, o maior, etc...

    Penso que o melhor vinho é sempre aquele que nos dá maior prazer e, como todos sabemos, isso pode variar em função de muitas circunstâncias.

    No entanto, não quero fugir à pergunta e nesta altura o vinho que me está a dar mais prazer é o Paulo Laureano 2005 Alicante Bouschet, algo que o mercado brasileiro conhecerá em finais de 2007 (Outubro/Novembro). É uma pequena produção de 3000 garrafas, de um Alicante Bouschet das minhas vinhas de Évora e da Vidigueira (em 2005 já ai comprávamos uvas). Não sou um fã de monovarietais, mas quando eles são deslumbrantes penso que nenhum enólogo resiste a engarrafá-los como tal. E este é sem dúvida um dos melhores Alicantes que já desenhei e que quero compartilhar com todos os meus amigos brasileiros dentro em breve.

    Cabe aqui uma explicação relativamente ao Alicante Bouschet. Esta poderia ser uma casta que poria em causa toda a estratégia e filosofia da Paulo Laureano Vinus, pela sua origem francesa. No entanto, assim não é, esta será porventura hoje em dia a mais alentejana de todas as castas portuguesas das minhas vinhas, com excepção do Antão Vaz.

    Apesar da sua origem fora do Alentejo, o Alicante Bouschet necessita desesperadamente das horas de sol e da temperatura da planície alentejana para mostrar que não é só uma casta capaz de conferir cor e taninos aos vinhos, mas que possui igualmente uma personalidade enológica bastante atraente, capaz de produzir vinhos dos mais deslumbrantes para o consumidor.

    Mas para isso precisa do Alentejo, o Alicante Bouschet e o Alentejo não são passíveis de dissociação, pelo que a casta hoje é assumidamente uma casta alentejana. Ainda que por adoção.

    Mas a exclusividade desta adoção (o seu cultivo fora do Alentejo mostra isso mesmo), e a forte ligação que tenho com ela levaram-me a integrá-la como uma das mais importantes na minha estratégia. Na vinha de Évora, o caráter de menta e eucalipto do Alicante é mais evidente associado a frutas muito maduras, enquanto na Vidigueira se acentua a maturação das frutas e surgem notas de azeitona preta e chocolate.
    Na Vinha da Vidigueira usa Tinta Grossa. Qual é a característica dessa uva e seus vinhos? Tinta Grossa é uma uva que só se encontra no Alentejo e mesmo nesta região é só na zona da Vidigueira que é possível encontrar nas vinhas mais velhas blocos com esta casta. A sua ligação muito próxima aos habitantes desta vila, leva-os a apelidarem-na de Tinta Grossa ou Tinta da Nossa. Não se sabe muito sobre a sua origem, mas a sua ligação quase em exclusivo à Vidigueira é indiscutível. Enologicamente mostra aromas concentrados e intensos de frutos do bosque e alguma especiaria na área das pimentas. Os seus taninos revelam o carácter suave e subtil do Alentejo, mas não deixam de ser bem estruturados. Outra interessante característica desta casta é a sua capacidade para manter bons níveis de acidez, mesmo no quente clima alentejano. Penso que em 2008 ou 2009 iremos lançar um Paulo Laureano Selection Tinta Grossa de 2006.
    Já foi comparado com Michel Rolland? Os meus amigos (e alguns detratores por vezes!!!!), fazem essa comparação. Uns positivamente, outros de forma mais negativa. Penso que tenho uma maneira clara e definida de estar perante o mundo dos vinhos e que as pessoas que me conhecem já entenderam. O Michel Rolland também tem a sua, mas não se confundem.
    Um enólogo que admire e por quê? Existem imensos em Portugal e no estrangeiro e citando alguns corria o risco de ser indelicado e injusto com outros, por esquecimento. Esta minha admiração vai desde enólogos mais velhos do que eu, até alguns mais novos, muitos deles acabados de chegar. Gosto sobretudo daqueles que se sabem afirmar pela personalidade dos seus vinhos, os quais traduzem de forma clara os "terroir's" de produção, sem máscaras.

    Há, no entanto, um enólogo que me merece uma referência especial, até porque em grande medida é o "culpado" pela minha inclusão no mundo dos vinhos. Hoje pensamos o vinho, nalguns aspectos de forma distinta, mas não posso esquecer a forma apaixonada e "teimosa" como Colaço do Rosário ajudou a construir aquilo que é hoje o vinho do Alentejo e como foi contagiante essa paixão e teimosia para algumas pessoas que tiveram o privilégio de privar com ele, como eu.
    Vinho do Brasil em poucas palavras. Experiências arrojadas e corajosas, no Vale do São Francisco, em Santa Catarina e no Sul, junto à fronteira com o Uruguai, mas são os espumantes que marcam hoje e cada vez mais a realidade qualitativamente mais apreciada dos vinhos brasileiros.
    Paulo Laureano por Paulo Laureano? Essa é de longe a pergunta mais difícil de responder, tenho alguma dificuldade em falar sobre mim. Sou teimoso, calculo que muitas vezes difícil de aturar, mas simultaneamente sou apaixonado, dinâmico e adoro aqueles que me rodeiam, a família, os amigos, os vinhos, que vivo de forma intensa. E chega !!!!!