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Entrevista com o enólogo Juan Pablo Lecaros
Nosso entrevistado é um jovem enólogo que pertence a uma geração de profissionais com o desafio de mudar o modo de elaborar vinhos no seu país, de um modo dinâmico e aberto a novas experiências.

Com vocês, Juan Pablo Lecaros, da vinícola Viu Manent.

Mike Taylor
Mike Taylor Juan Pablo Lecaros
A sua formação? Estágios? Eu me formei como engenheiro agrônomo e enólogo na Universidade Católica do Chile. Trabalhei para vinícolas como a Santa Carolina no meu país e também para o Château Prieuré Lichine* de Margaux, um quatrième grand cru classé.

* Atualmente conta com a consultoria de Michel Rolland
Como foi essa experiência? O mais positivo dessa experiência foi descobrir a identidade dos vinhos do Médoc, o que faz eles serem únicos ... E tento reproduzir essa qualidade no Valle de Colchagua.
Os vinhos do Chile, às vezes sendo tão "blockbusters", podem evoluir igual aos vinhos de Bordeaux? Sim, é verdade... os vinhos no Chile têm mais fruta, são mais evidentes, potentes, já os do Velho Mundo são mais sutis, elegantes e de uma complexidade difícil de entender às vezes. Por isso busco nos vinhos que elaboro uma identidade, que sejam únicos e que reflitam o nosso terroir.
Quando você chegou à Viu Manent já existia uma equipe? Como você conseguiu imprimir a sua assinatura nos vinhos? Quando cheguei, procurei gerar uma série de vinhos únicos e de qualidade excepcional! Acho que essa foi a minha assinatura, a criação de uma imagem de vinhos de alta gama.
Em 2003, a Viu Manent trouxe o enólogo neo-zelandês Grant Helps, qual foi o aporte dele? Sim, em janeiro de 2003 ele veio trabalhar conosco e trouxe a bagagem que tem de elaborar vinhos na Austrália e Nova Zelândia. Eles nos ajudou na busca da identidade, a manter o frescor e a boa acidez e a evitar o excessos de madeira. Ele e eu formamos a equipe enológica da nossa vinícola, mas temos a assessoria de Aurélio Montes, que nos aporta a sabedoria do tempo...
Falando de acidez... Há 6 anos, em Viu Manent, não corrigíamos a acidez. Hoje buscamos vinhos com alta maturidade, mas se precisarmos, corrigimos com ácido tartárico, de modo razoável. Não achamos que corrigir seja um pecado. Repito que a nossa busca está orientada a não fazer maquiagem em nossos vinhos. Preferimos trabalhar mais no vinhedo do que corrigir.
Quantos vinhedos tem a Vinícola Viu Manent? Temos três propriedades, a mais antiga é a "San Carlos", na localidade de Santa Cruz. As outras duas são "La Capilla" e "El Olivar".
Quais uvas e como é o terroir ? O Valle de Colchagua está influenciado pelas brisas da Cordilheira dos Andes e do Oceano Pacífico. Isso nos proporciona um micro-clima ideal para a elaboração de tintos finos. San Carlos tem um solo mais fértil, ali fazemos vinhos à moda antiga, digamos... O solo de La Capilla (cinzas vulcânicas) e El Olivar (piedemonte), são solos mais pobres.

Em "San Carlos" temos Malbec, no "La Capilla" temos Carmènere e Cabernet Sauvignon e no "El Olivar" temos Syrah. Também temos Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc, mas fazemos testes com outras variedades...
Quais são essas outras variedades? Cabernet Franc, Sangiovese, Tempranillo, Tannat, Mourvèdre e Grenache. As brancas: Viogner... que se adapta muito bem a Colchagua.
Patrício Tapia - autor do guia chileno "Descorchados" - tem vocês como referência em Malbec no Chile... como você descreve o Malbec da Argentina e do Chile? Qual é a identidade dos vinhos de cada país? Precisamos dividir os vinhos de Malbec da Argentina e do Chile. A Malbec na Argentina é a uva emblemática - e muito mais plantada do que em nosso pais - especialmente em Mendoza e Neuquén. No Chile, temos Malbec de mais de oitenta anos, que foram trazidas da França e estão em áreas como Colchagua, Maipo e Maule. A Viu Manent tem esses vinhedos antigos que falei, com baixos rendimentos, com potência, mas com taninos sedosos e muita fruta madura.

Em Mendoza, tem muita diversidade... veja o caso de Altamira, Vistalba, Medrano, etc... Os nossos Malbecs são únicos no Chile e por isso hoje somos referência nesta casta...
Como fará Chile para superar o "Dilema Chileno"? (O mercado associou vinho chileno ao binômio custo-benefício e agora se surprende ao ver produtos de mais de US$60) Para responder essa pergunta, precisamos que o público entenda as mudanças que aconteceram no meu país. Até a década de 80, o vinho custava menos do que a água... Isso mudou na década de 90, o nosso país começou a exportar agressivamente e eram vinhos baratos... Essa era a nossa realidade. Aconteceu a mesma coisa na Argentina, eles agora exportam, se bem que produtos mais caros, com mais valor.

O Chile é um país pequeno e nosso objetivo deve ser produzir e exportar vinhos de alta gama. Nosso esforço na Viu Manent, nos últimos cinco anos, tem sido consolidar a nossa imagem nos mercados dos Estados Unidos e Europa com produtos bem acima de US$20.
Pode mencionar um vinho emblemático do Chile? É difícil... nosso país tem muitas variedades... das tintas como Syrah, Carmenère e Cabernet Sauvignon, posso mencionar alguns como o Coyam, de cultura orgânica, da Vinícola Emiliana. Terrunyo Carmenère, da região de Peumo e nos Malbecs, o nosso Viu 1.
Biodinâmicos... Sim ou não, e por quê? A biodinâmica é uma filosofia que está além do manejo orgânico de um vinhedo. Tem a ver como o ser humano vê esse conceito. Tecnicamente, no Chile não aporta mais qualidade, pois a nossa viticultura é praticamente orgânica. Filosoficamente, a prática biodinâmica talvez traga mais identidade, em vinhedos como os trabalhados por Álvaro Espinoza, por exemplo.
Você não mencionou nenhum Merlot, por quê? Por que provavelmente o Chile não tenha o terroir ideal para a variedade Merlot. Comercialmente muitas vinícolas fazem esforços para manter esta variedade... mas é muito esforço...
Alguns vinhos brancos? Sim... Os vinhos de Chardonnay e Sauvignon Blanc de regiões como Casablanca, Bio Bio e Limari. Um Chardonnay muito mineral do Limari é o da De Martino... outro que gosto é o Sol de Sol do Bio Bio, da Vinícola Aquitânia. De Sauvignon Blanc do Vale de Leyda, gosto das Vinícolas Leyda, Amayna e Casa Marin. E de Viogner, do Valle de Colchagua, gosto do Visión, da Vinícola Cono Sur e o nosso, da Viu Manent.
Vinhos do mundo que você goste... É difícil falar apenas de um só vinho... eu prefiro mencionar regiões ... Gosto de Sauternes e também de Tokaji. Brancos, os da Nova Zelândia, com bela acidez e equilíbrio... são únicos! Tintos, eu prefiro os do Novo Mundo, com fruta clara e potência. Por exemplo, vinhos argentinos como o Finca Altamira, da Achaval Ferrer, acho ele um vinho excepcional. Do Chile, menciono o Don Melchor, Clos Apalta e o Viu 1.
Como vê o mercado e consumidor brasileiro? O consumidor brasileiro, na minha opinião, é excepcional, mas não só em matéria de vinhos, também em carros, gastronomia, turismo, etc. O Brasil tem tudo.. só falta mais tradição de consumo para que o mercado também seja excepcional. O Brasil é o nosso segundo país de importância nas nossas exportações. Vejo que o consumidor de vinhos no país além de beber mais hoje, bebe melhor. Mas falta superar esses 2 litros per capita.