Entrevista com o consultor eno-gastronômico Mike Taylor
O entrevistado da vez é o consultor eno-gastronômico Mike Taylor.
Um dia da caça, outro do caçador. Mike(40), é fundador do Fórum de Eno-Gastronomia, hoje considerado o maior fórum de discussão de eno-gastronomia em lingua portuguesa (quase 2.000 membros no Brasil e exterior), e diretor do prestigiado "Grupo de Estudos e Degustação de Vinhos" (GEDV), no Rio de Janeiro.
Com vasta experiência na organização de eventos, tem realizado memoráveis degustações, com grandes caldos mundiais... dentro dos encontros que promove, assim como para importadoras e distribuidoras do Brasil.
Mike Taylor acredita na democratização do conhecimento e da prática do vinho.
Vamos a entrevista...
Marcelo Andrade Moderador do Forum Enofilos & cia.
Marcelo Andrade
Mike Taylor
Como você veio parar nesta vida de enófilo, qual o seu primeiro contato com o vinho?
Eu não vim parar... eu vim beber ! (risos)
Graças à profissão do meu pai, durante uma boa parte das nossas vidas, na nossa família tivemos contato com varias culturas e idiomas, e em casa o vinho sempre esteve presente... Assim também destilados como Whisky e Tequila, e charutos... Tem algumas bebidas que me lembram a infância, o Ponche, o Champagne, e o vinho tinto - sempre tinto - do meu pai.
O Mike pelo Mike?
Um eterno aprendiz na trilha de Baccho.
Como consultor eno-gastronomico, como você vê hoje a cultura do vinho no mundo?
Essa é uma pergunta que o titã Atlas devia responder, é ele o responsável pelo mundo... (risos).
Acho que só uma parte do mundo ocidental dá real valor ao vinho como alimento e como elemento agregador. Boa parte do oriente, infelizmente, o ignora. Espero que isso mude um dia!
Para você, o que é um bom vinho?
Um bom vinho é um bom vinho. É aquele que representa o solo, o clima, e o trabalho na videira e os cuidados na cantina, assim como a elegância nas decisões que o enólogo toma na sua elaboração. Um bom vinho não precisa ser caro, mas precisa dar prazer ao consumidor.
Como é administrar um dos melhores fóruns sobre vinhos da grande rede de computadores, a Internet?
É prazeroso, pois implica um intercâmbio cultural constante e atender a demandas que vão desde a informação ate a mediação ou a ajuda.
A nossa seção Banco de Emprego, por exemplo, tem ajudado muitos enófilos e enófilas no Brasil. Isso é uma coisa que me orgulha e me incentiva a continuar.
O Fórum de Eno-Gastronomia está atualmente com quase dois mil participantes no Brasil e no exterior. Em breve realizaremos o nosso segundo encontro, o que me deixa mais feliz ainda. A idéia deu certo. Mas esse mérito, eu gostaria dividir com os moderadores amigos de outros fóruns que sempre ajudaram a divulgar nossas atividades.
Você tem um vinho preferido, aquele que fica na memória?
Todos nós somos subjetivos... isso é inegável. Então, sempre teremos uma preferência. Eu prefiro não atar meu gosto a padrões ou modelos, quero beber vinhos bons, vinhos novos, jovens, e vinhos evoluídos... Sempre digo que como enófilos a nossa obrigação é entender o vinho na sua essência.
Já incluí nos meus eventos espumantes da Inglaterra, tintos da Rússia, e nas minhas aulas, vinhos da Bolívia, e de regiões que nem imaginava que tivessem prática vitivinícola...
Mas, respondendo a sua pergunta, tenho alguns vinhos preferidos sim, alguns deles são franceses, italianos, portugueses e espanhóis, como o Gewürztraminer Clos Saint Landelin do René Mure, um grande da Alsácia, Champagnes como o Salon, Chanoine e Ruinart, e, dos grandes de Bordeaux, o mítico Haut Brion, pela elegância constante, assim como o Cheval Blanc pela sua potência...
O espanhol Coleccion 125 de Julian Chivite, um belo colheita tardia de moscatel e que sofre botrytis, o Moscato Passito di Pantelleria Martingana do Salvatore Murana, os Madeira Terrantez da Cossart Gordon, Sercial da Leacock's, e outros tantos...
Entre os países produtores de vinho do novo mundo, qual é o que mais está lhe surpreendendo, e por quê?
Para ser honesto, o Brasil, pois se você olhar tecnicamente, lugares como o nordeste ou a serra gaúcha não têm as condições ideais que a Vitis Vinifera prefere. No Rio Grande do Sul, o solo é muito fértil, você vê mata por todo canto... e os gaúchos conseguem fazer alguns vinhos que - você pode gostar ou não - são de qualidade inegável.
Para mencionar apenas uns nomes: Orgalindo e Vilmar Bettu ou Marco Danielle. Também devo mencionar o trabalho de cultura orgânica de Juan Luis Carrau Bonomi.
Onde me surpreendi positivamente foi no estado de Santa Catarina, especialmente pelo trabalho das vinícolas Villa Francioni e Villagio Grando.
O que você acha dos vinhos do novo mundo estarem muito mais acessíveis e melhores hoje em dia do que há 10 anos atrás?
Vejo isso de modo positivo.
Mas nós moramos no Novo Mundo, então aqui os vinhos dos vizinhos estão mais acessíveis... Por outro lado, grandes vinhos como o Grange da australiana Penfolds, por exemplo, não são tão acessíveis... Os bons vinhos do Novo Mundo também podem ser caros.
A tecnologia ajudou muito o mundo inteiro a melhorar a qualidade e condições técnicas, mas nem todos os vinhos do Novo Mundo são bons, ou muitos deles são iguais, padronizados, e não sei se podemos afirmar que isso é melhor para o vinho. Acontece também no Velho Mundo. Como bem disse Jose Bonifácio de Oliveira, o Boni : "hoje um Tempranillo pode parecer um Pauillac..."
A pior parte é que temos o mercado do nosso país inundado de vinhos lamentáveis...
Dar nota ao vinho, um critério tão utilizado pelos críticos hoje em dia, o que significa para você?
O ser humano preocupa-se em medir, catalogar, dividir, separar, juntar tudo... então os sistemas de pontuação no mundo dos vinhos são mais uma tentativa humana de mensurar.
Inicialmente o sistema de pontos tentava orientar os consumidores novos de frente a um rótulo complicado de entender e numa língua estrangeira. Mas os pontos são invenção humana, e também podem ser subjetivos. Acho que vinho é muito mais que números...
Gosto do sistema que Hugh Johnson usa, e aqui o sistema de Marcelo Copello, com suas estrelas e garrafas, que indicam se o vinho está pronto ou tem mais potencial de guarda.
Na sua opinião, qual o momento ideal para se abrir um grande vinho?
Mais uma vez estamos frente a uma situação subjetiva. To be or not be...
Às vezes, a companhia faz o momento ideal para se abrir um grande vinho. Mas é o enófilo quem decide quando abrir, e assume as conseqüências. Por exemplo, em 2006 num almoço com amigos, abrimos um Petrus 1994, e infelizmente não estava pronto. Eu tenho em casa uns grandes caldos que ainda não penso abrir, mas devo reconhecer que tenho tentações ... (risos)
O que você acha de Robert Parker e Hugh Johnson?
O filósofo Ortega y Gasset disse que o ser humano é um eu e sua circunstância.
Parker é produto do tempo em que começou a escrever no mercado dos Estados Unidos e Johnson da Inglaterra. Formações e culturas diferentes. Um representa o ímpeto do "American Way of Life", o segundo a fleuma britânica de "Her Majesty the Queen".
Devo reconhecer que o mundo do vinho dá importância demais a Robert Parker...
Para o enófilo iniciante é bom ler o que Parker, Johnson, Peñin, Tapia e demais críticos escrevem, mas também é bom que ele desenvolva seu próprio ponto de vista.
Se o mundo fosse acabar hoje, qual o vinho que você gostaria de beber?
Não gostaria que o mundo acabasse... tem tanta coisa boa nele, e tenho tantos amigos que querem beber muitos bons vinhos ainda!!! (risos)
Cada ano, faço planos de beber um grande caldo... este ano será um vinho de 1860.
Considero que o vinho é a única maquina do tempo que existe e nos permite conhecer dados de como era o mundo através de uma safra.
Posso dizer que gostaria de beber os Grandes de Bordeaux da safra de 1961 - não em copo de isopor - ou, numa situação ideal, um Madeira Torna Viagem que estivesse em perfeitas condições!
Qual a importância do vinho na sua vida?
Hoje o vinho tem "muita" importância na minha vida.
Há cinco anos, comecei a organizar eventos junto com fantástica Jackie Barroso, e o vinho começou a ganhar mais importância na minha vida. A ABS RJ me ensinou os caminhos - especialmente o mestre Paulo Decat - e assim fui deixando o vinho preencher os tempos da minha agenda.
Vinho digamos, é uma cachaça, e como bem disse Jose Paulo Schiffini: "Agora que você começou vai ser difícil parar... Acredite! O vinho mais caro é o primeiro que você gosta, os demais fazem parte da busca do ser humano pelo prazer perdido..."
Atualizar-se quanto ao estudo do vinho, é sempre importante na sua opinião como consultor?
Sim... pois como disse no inicio, somos todos "t-o-d-o-s" eternos aprendizes na trilha de Baccho, e sempre teremos a aprender com um enólogo, um produtor, um amigo, um iniciante, um connaisseur... Vinho parece simples, mas você descobre a cada dia que sempre precisa saber algo que desconhecia, seja sobre botânica, química, genética, enologia, etc...
No futuro, será que um país do novo mundo terá a capacidade de produzir vinhos tão grandiosos quanto o Petrus e o Cheval Blanc?
Acho que essa pergunta já foi respondida em 1976... no Desafio de Paris, quando os californianos surpreenderam o mundo inteiro.