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Entrevista com o Chef Luiz Tanaka
Caros enoamigos

Quase todos nós somos de dois mundos, de vários mundos. Filhos ou netos de imigrantes, ou sendo emigrantes, somos obrigados a entender o outro, o desconhecido... Somos convidados a concordar ou não com hábitos culturais, sociais, religiosos, língua, direito e hábitos de consumo, de alimentação. Estamos em constante adaptação. Isso aplica-se até para quem se muda de São Paulo para o Rio... Imaginemos o que acontece com quem sai do Brasil pro Japão.

Com vocês, Luiz Tanaka (29 anos), Chef de dois mundos!

Mike Taylor
Mike Taylor Luiz Tanaka
De qual mundo você é? Brasil. Cem por cento brasileiro! Sinto-me brasileiro por dentro, não japonês.
Onde estudou? Sou nascido e criado em Niterói, estudei na Associação de Estudantes Japoneses do Rio de Janeiro, quando minha familia migrou definitivamente para o Japão. Finalizei meus estudos no Kokusai International Nagoya Center e na Faculdade Kansai, em Osaka.
Como descreve o choque cultural? Foi grave pra mim... tive que aprender a pensar em japonês. Fui morar em Nagoya que é uma cidade deliciosa, cosmopolita, aberta ao mundo. Tive que aprender a lidar com a disciplina nipônica, coisa que aqui no Brasil não temos... digamos que fazemos as coisas de um modo simples, meio que nas coxas... (risos). Aprendi a ser mais exigente, comigo e com os outros, de uma maneira positiva.
O seu primeiro emprego no Japão? Foi na Mitsubishi Technologies, na província de Aichi-ken, no Departamento de Desenvolvimento Gráfico de Ogivas.
Ogivas nucleares nada têm a ver com gastronomia... como você entrou no mundo da culinária? Eu acho que nasci dentro de uma cozinha. A minha mãe cozinhava muito bem... a minha família foi um "melting pot" de italianos, portugueses e japoneses. Era uma de Sushi com macarrão! (risos). Com seis anos, comecei a ajudar a minha mãe a elaborar as nossas refeições, de modo espontâneo, sem ninguém me pedir.

Depois vieram os banquetes familiares, e aí nós íamos a um sítio para montar os encontros. Cada parte da família levava uma especialidade... isso me fez aprender a valorizar o encontro de aromas e sabores opostos. Oriente e Ocidente, o Ying e o Yang.
Seu primeiro curso de Gastronomia? Em Nagoya, na Escola de Gastronomia do Japão, patrocinado pelo Nagoya Marriot Hotel. Aprendi a combinar as comidas ocidental e oriental. Por exemplo, a gastronomia oriental não é rica em aromas... e isso me incomodava, o paladar às vezes é único, e a ocidental é riquíssima em cores, aromas, sabores...

Países como França, Estados Unidos, Itália, Portugal e a Tailândia começam a influenciar a gastronomia comercial do Japão, e a cozinha familiar hoje inclui normalmente pratos do Ocidente. Agora é normal em grandes festas familiares você ver pratos como pato com laranja...
E a China, influencia o Japão na culinária? Sim... como disse anteriormente, o Japão incorpora muitos elementos do mundo. Não só da China, do Brasil por exemplo, os temperos (alecrim, pimenta do reino), óleos (gergelim), folhas (endívias, rúcula), frutas (muito cupuaçu, acerola, maracujá, graviola).

O japonês se encanta pelo universo dos aromas. Quer interagir, se adaptar, conhecer a outra parte mundo. Me lembro que uma vez fui à feira de especiarias de Saitama-Ken (próxima a Tóquio), e pedi uma água de côco e os côcos eram da Bahia! (risos)
E difícil ser Chef de Cuisine no Japão? Talvez sim... pois os produtos que são importados já vem adaptados ao gosto do mercado. Veja um exemplo: o milho já é doce, o alho desidratado tem menos potência, pois incomoda ao paladar japonês. Assim, fica difícil trabalhar...

Por isso quando eu volto para o Japão, levo comigo especiarias e coisas que vão surprender meus clientes. (Luiz Tanaka só atende clientes particulares).
Qual o prato mais difícil que você já elaborou? Não diria um prato e sim um jantar difícil. Foi um serviço programado para um grupo de negócios da L'Oréal de Paris, onde tive que cozinhar vários pratos (a base de peixe, frango, carnes) e uma francesa me pediu feijoada!
E o mais bizarro? Num casamento que durou três dias, fui convidado para executar o jantar, e quando cheguei na Sociedade Hípica Brasileira, o buffet que a mãe da noiva tinha contratado não mandou lagostas... mandou uma quantidade pequena de lagostins (muito menores).

Aí, eu resolvi fazer uma sopa... e todo mundo gostou! Nesse momento senti falta da disciplina japonesa. Se você contrata lagostas, não podem vir lagostins.
Como você vê o gourmet brasileiro? Ele se parece muito com o japonês, cada vez consome mais, freqüenta restaurantes mais refinados, sendo mais exigente com as diversas culinárias, vinhos e não tem vergonha de experimentar o novo, o diferente.
Falando de vinhos... como o consumidor japonês vê o vinho? Existe o japonês tradicional, o novo japonês e os jovens japoneses. Os dois últimos, na faixa etária de 16 a 35 anos de idade, consomem e lêem muito sobre vinhos e estão cada vez mais se apurando e especializando. Existem boas associações de sommeliers no Japão.

Infelizmente o consumo de vinho ainda é pequeno. O japonês tradicional não consome vinhos e sim sake quente, cervejas várias, whisky e licor de arroz.
O vinho é uma atitude ou um prazer na Terra do Sol Nascente? Pela tradição culinária, que não é muito aromática... o vinho não é uma bebida que seja vista como uma necessidade, um complemento alimentar. Mas como o japonês é consumista, quer comprar e experimentar vinhos raros, sejam caros ou não. Vejo as vezes o vinho mais como uma atitude no Japão, mas considero que isso está mudando.
É por isso que o japonês não se importa em pagar altas cifras pelos clássicos franceses? Sim, como falamos anteriormente, a ansiedade de absorver cultura é grande... e como disse, aí parece com brasileiro... (Tanaka lembra que uma das maiores coleções de Romanée-Conti está em São Paulo.) Eu vi jovens estudantes que pagam de US$ 300 a 500 só pelo prazer de experimentar esses grandes vinhos. Isso pode parecer estranho, mas o japonês não vê no preço uma restrição.
O seu prato favorito do Brasil? Acarajé.
E do Japão? Os mais simples... Udon (macarrão com algas marinhas e cogumelos), sushi e os peixes grelhados.
Como descreve os vinhos japoneses? Passei muitas vezes por vinhedos e sempre admiro a vontade do japonês por recriar com tecnologia - e adubos - vinhos na região de Yamanashi-Ken. A uva predominante á a Koshu... mas os vinhos ainda precisam melhorar e muito! Estão aparecendo vinhos raros, para colecionadores... mas esses, eu ainda não experimentei.