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 O que você acharia se a partir do próximo mês ao comprar seu vinho predileto ou aquele rótulo que tanto deseja experimentar, percebesse uma incrível inovação na embalagem: por cima da cápsula viria colado um Selo Fiscal. Não me refiro a um selo de controle de uma DO ou DOC; refiro-me àquele selo impresso na Casa da Moeda que hoje o consumidor precisa rasgar ao abrir uma carteira de cigarro ou uma garrafa de cachaça. Sim, caro leitor, é possível que isso se torne realidade!
Não, não culpe a voracidade arrecadatória estatal por essa medida retrógrada e absurda. São alguns representantes do setor, através da Câmara Setorial, que solicitaram ao governo a adoção da medida, sob o pretexto de coibir o contrabando, a falsificação, a importação e a adulteração.
A Câmara é formada por várias entidades e congrega produtores, atacadistas, importadores, cooperativas e hoje é a responsável por levar as demandas do setor ao Governo Federal. É curioso que a Embrapa e o Sebrae (sem questionar suas importâncias e competências!) possuam direito a voto dentro da Câmara, mas representantes de pequenos produtores, não. Como entender isto?
Muitas associações de pequenos produtores e as empresas familiares que representam mais de 80% das vinícolas brasileiras, foram excluídas desta discussão, por não terem representantes nesta Câmara Setorial. Inclusive, algumas entidades decidiram nosso futuro no âmbito de suas diretorias, sem discutir o assunto com seus associados. Parece que este grupo, formado inclusive por pessoas alheias ao setor, encontrou uma maneira bastante eficaz de acabar com o pequeno e médio produtor de vinho brasileiro. O genocídio dos pequenos produtores em troca do oligopólio dos incompetentes. |
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"Não seria o princípio do fim da agricultura familiar?" |
A intenção é burocratizar ao máximo a vida do pequeno produtor brasileiro facilitando a vida de quem pode mecanizar. Não seria o princípio do fim da agricultura familiar? Pergunto-me se algum governo sério se dignaria a apoiar semelhante medida? Obviamente, não temos ainda esta resposta mas o que sabemos é que o custo burocrático destes selos serão pagos pelas empresas e, em última análise, por você, consumidor.
A manutenção do selo para o pequeno produtor é cara, trabalhosa e, o pior, não alcançará o objetivo esperado. Uma das crenças dos defensores da idéia é que a adoção do selo fiscal inviabilizaria a importação de vinhos argentinos e chilenos baratos pelos supermercados, uma vez que a selagem deveria ser feita na origem. Porém, já existem no Chile e na Argentina, empresas de logística e transporte que prestam o serviço da selagem antes do embarque. Ou seja, a selagem vai dificultar apenas a importação de vinhos de alta qualidade de alguns produtores europeus, de alto preço e de pequena produção. Será mais fácil um grande importador selar seus vinhos do que os pequenos produtores brasileiros. Isto é um absurdo!
Outro argumento é de que com o selo, iria terminar o contrabando. Porém hoje já é possível identificar um vinho contrabandeado pela falta de contra-rótulo do importador brasileiro ou pela existência de contra-rótulo de outro país. Não é a dificuldade de identificar um vinho como contrabandeado que impede o combate ao contrabando, ou seja, para o vinho importado o selo é inútil. O que falta é fiscalização da lei que já existe. |
"Não faremos coro às boas intenções que lotam o inferno." |
Não será pela nossa omissão que o selo fiscal se concretizará, não faremos coro às boas intenções que lotam o inferno. Partimos, sim, para a ação. Já contamos com o apoio de dezenas de produtores das mais variadas regiões - Vale dos Vinhedos, Vale do São Francisco, Santa Catarina, Campanha do Rio Grande do Sul e outras regiões da Serra Gaúcha - com o intuito de manifestarmos nossa indignação com essa medida que já foi extinta em todos os principais países produtores e consumidores do mundo.
Assim, caros leitores, se nada acontecer, estaremos fadados a beber o vinho mais burocrático do mundo, o vinho elaborado com "mais papel", cuja carga tributária e burocrática superará os 50%.
Não serão medidas como estas que contribuirão para o aumento do consumo e melhora da imagem do vinho brasileiro. Ao contrário, só o tornarão cada vez mais antipático e distante da boca dos brasileiros.
Quem deve abrir a cabeça? O consumidor? Não! Somos nós produtores e entidades que estamos criando um monstro.
Luís Henrique Zanini Enólogo e pequeno produtor Presidente da UVIFAM - União Brasileira de Vinícolas Familiares e Pequenos Produtores |
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