 Filho único
Antes da degustação, perguntei à bela Maria Ignacia Eyzaguirre Echenique, proprietária da Encierra, vinícola chilena localizada no Vale de Colchagua, por que ela só produzia um único vinho. Eu que me referia a uma miríade de varietais, brancos e tintos, tão próprios das vinícolas chilenas, fiquei surpreso quando ela, como um produtor francês, me respondeu: "Eu não gostaria de fazer um segundo vinho!"
Mais surpreendente ainda foi saber que a produção anual do Encierra é de apenas 25.000 garrafas! Alguém poderia até pensar que Maria Ignacia produz vinhos por diletantismo. Nada a ver! Ela é uma mulher determinada, empreendedora, apaixonada pelo que faz e possui seus planos para crescer, sem nunca, entretanto, abrir mão da qualidade que deseja deixar como seu DNA no vinho.
Na verdade, sua família, de origem basca, está ligada ao vinho desde o século XVIII e foi proprietária dos nossos muitíssimo conhecidos vinhos Los Vascos, figurinha fácil em prateleiras brasileiras. Quando essa empresa foi vendida aos Domaines Barons de Rothschild, a família conservou as instalações e a terra e passou a desenvolver o Encierra. O segredo de manter uma baixa produção - e conseguir sobreviver financeiramente - é que a família possui 150ha de vinhedos, vendendo suas uvas para uma grande vinícola chilena. Só que antes de vender a produção, reserva o que há de melhor, menos de 10% - la crème de la crème - para elaborar seus próprios vinhos.
O resultado de tanto capricho nós pudemos experimentar na degustação vertical oferecida pela seropolitana Ana Import, no Quadrifoglio, Jardim Botânico. Foram 5 safras, de 2002 a 2006. A cada safra, o corte - sempre com um mínimo de 4 castas - é diferente. Uma tendência deu para notar: o percentual de Cabernet Sauvignon, que começou com 70% em 2002, foi diminuindo gradativamente, ano após ano, até atingir 50% em 2006. A Syrah, por outro lado, insidiosamente, foi comendo pelas beiradas e saltou do discreto patamar de 15% para quase se igualar com a Cabernet com seus 45%. Mantendo esse pique, muito em breve teremos um varietal da estrela do Rhône.
Das 5 safras, 2 me impressionaram mais. Chegando humildemente à taça, com excelente boca - aveludada, com muita fruta e elegância francesa - mas com aromas discretos, o vinho foi desabrochando feito uma adolescente e revelou inebriantes notas florais, de avelã e de louro. Magnífico! Infelizmente, recomendo não se entusiasmar muito, pois essa safra já era, não tem mais, babaus...
Porém, nem tudo está perdido, pois o 2005 também levantou as arquibancadas! Apresenta um nariz envolvente, com aromas de violetas, ameixas pretas, bálsamo e coco, e na boca é de grande volume - quase um trio elétrico! - suculento, com taninos maduros e interminável como um carnaval baiano!
Oscar Daudt |