 |
Comentários |
Olyr Batista Corrêa Consultor Santana do Livramento RS |
24/12/2009 |
Nós temos um mercado ao nosso alcance de 210 milhões de litros, sem problema de competição com quem quer que seja e com custos imbatíveis (fora os impostos).
Que mercado é este? É o mercado brasileiro dos substitutos do vinho, que a língua oficial chama "de mesa" (vinho de mesa para mim é o que acompanha bem a comida) e outros chamam de "vinho de garrafão", outros de "morangueiro", outros ainda de "maracujá com morango" e os gringos do exterior, "foxado". 210 milhões de litros são 23 milhões de caixas de vinho ou 280 milhões de garrafas. É o que se vende no Brasil de "vinho de mesa" em um ano razoável (2005).
A estratégia é muito simples e nada original: com a lei, o marketing, a propaganda, os subsídios e a mitigação (como diria a ministra Dilma) de impostos, vamos inverter o consumo brasileiro e levá-lo ao vinho de viníferas, o dito "vinho fino" (vinho fino para mim é vinho elegante, equilibrado, sem excesso, o inverso do vinho argentino, chileno, australiano y lo demás).
Deixemos para o futuro o mercado internacional, onde agora não somos competitivos com esse tipo de vinho que inunda os supermercados mundiais. Porque sofrer se a lei do menor esforço nos indica um caminho muito mais suave e inteligente? Em 2008 exportamos 10 milhões de litros de vinho ao preço médio, pasmem, de US$ 0,69 o litro. Para a Rússia, então, vendemos a US$0,39 o litro. Importamos 54 milhões de litros de vinho de viníferas e vendemos 23 milhões de "vinho fino" de manufatura local. Total: 77 milhões de litros. 77+210=287 milhões de litros=383 milhões de garrafas. 32 milhões de caixas.
Não é um bom mercado para começar, juntar experiência e acumular capital?
Façamos um produto diferenciado, um vinho brasileiro. Um vinho que se possa comer com queijos e salames. Um vinho com a acidez dos nossos vinhos, com a leveza dos nossos antigos vinhos de vitis vinífera, com a nossa antiga cor maravilhosa, que a borgonha exalta nos seus pinot noir. Este vinho tem mercado cativo aqui no Brasil. É como nosso café de coador, a nossa verdadeira bebida nacional. É a nossa cultura.
É só tomarmos uma decisão política de reconversão dos nossos vinhedos, como fizeram os nossos vizinhos e como a França fez em 1927, quando baniu as híbridas. Se existe algo de positivo na imigração italiana com relação ao vinho, não é seguramente o consumo de vinho de garrafão. A isto foram compelidos pelas inclemências do clima e das pestes. A tradição italiana de imenso valor cultural trazida pelos imigrantes é a de beber vinho com a comida, como alimento. E é por isso que o Brasil e a Argentina são dos poucos países onde se bebe vinho tinto com queijos e embutidos (os "salumi").
Não é a cultura dos anglo-saxões. Do vinho como álcool. Que produz essas abjetas concocções abusadas de álcool e de cor preta. Para embriagar e não para o prazer e a alimentação.
Essa cultura alimentícia nós temos e é ela que faz consumir a maior parte dos 210 milhões de litros vendidos. Mas tem que ser algo produzido com custo eficiente e preço justo para a população que bebe esses vinhos. Será possível? Claro que é! Porque Argentina e Uruguai puderam e nós não? Porque o povo argentino bebe bonarda e o uruguaio, tannat? Nós somos muito mais competitivos que eles em qualquer área. É só querer ser. Vontade política, determinação, dedicação e persistência.
Na minha opinião, de 45 anos bebendo vinho (qualquer "vinho"), o nosso mercado não quer vinho de garrafão. Quer vinho acessível e que acompanhe comida. Porque não de vitis vinífera?
P.S. A Loiva Maria Ribeiro de Mello, pesquisadora chave da Embrapa nesta área, poderia esclarecer melhor qual o perfil desses bebedores dos 210 milhões de litros de "vinho de mesa". |
Juan José Verdesio ABS-Brasília Brasília DF |
27/12/2009 |
Prezado Olyr Batista Corrêa,
Muito sábias as suas palavras. O futuro do mercado do vinho brasileiro de qualidade está em convencer os consumidores de vinho de garrafão a mudarem de perfil de consumo. Outro enorme potencial são as novas classes médias que estão surgindo nos Centro-Oeste e Nordeste do Brasil. Imagine se o Brasil, no lugar dos famigerados 2 litros por habitante, passasse para 5! O consumo subiria para 1 bilhão de litros. Impossível de ser abastecido com a produção interna no curto prazo. Seriam necessárias políticas públicas agressivas que so vão dar frutos em 15 a 20 anos. No meio tempo, a festa será dos importados sobretudo Chile, Argentina e Portugal.
Isto só vai acontecer quando houver um programa de reestruturação, como houve no Uruguai. O vinho se faz com uva e uva de qualidade. O Brasil sendo um consumidor de volume total (não per capita) deveria ter, como os outros países de grande volume de produção, uma linha de produtos de baixo preço e com um mínimo de qualidade. Uruguai fez a reconversão com créditos fartos e baratos para arrancar tudo que for uva americana e híbrida, e legislação indicando para a produtor que, em tal data, as uvas não viníferas estavam banidas. No Uruguai, como na Serra Gaúcha, o problema fundiário é o mesmo. Muitos pequenos produtores familiares querendo viver às custas dessa parcela mínima. A saída deles é produzir quantidade e não qualidade. Este problema necessitaria de uma abordagem multidisciplinar, em parte fomentando as aquisições e fusões de terras, em parte dando mais possibilidade à criação de associações de produtores e cooperativas que tenham uma marca comum que lhes permita poder de barganha e competitividade. Já tem uma forte tradição com cooperativas tipo a da Aurora e outras além de incentivos pelo preço de compra da uva por parte de grandes vinícolas, que compram de muitos. Estes mecanismos devem ser incentivados também.
O real entrave a uma política pública global que inclua os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e, talvez as áreas irrigadas do Nordeste, está na fraqueza política relativa dos estados do Sul para conseguir programas de re-estruturação produtiva com recursos federais. Certamente estados como Pernambuco, que têm lideranças políticas fortes e um empresariado local muito agressivo, conseguem mais e por mais tempo. Estas políticas públicas não podem ser de um período legislativo. No Uruguai, demorou de 15 a 20 anos para conseguir o que hoje se faz de boa qualidade como um Amat da Carrau ou Stagnari. Na Argentina foi um processo que veio de fora, com a entrada massiva de capitais internacionais nos anos 90. E ainda se faz muito vinho de baixa qualidade por lá. O Chile como exporta muito mais do que consome, já conseguiu acabar com a produção de baixa qualidade. Também graças a internacionalização do setor produtivo.
Um outro obstáculo é cultural. Quantas vezes recebí de presente com orgulho de algum gaúcho um vinho da Colônia? Recentemente recebi vinho similar do interior de Goiás. Sim! Goiás está fazendo vinho de garrafão. Enquanto se sinta orgulho e saudosismo sobre este tipo de produção nada será feito.
Aqui nos cerrados de Brasília há uma tentativa heróica, a meu ver, de fazer vinho de uvas viníferas. Torço muito para que dê certo. O processo funciona forçando a planta a só dar uva no fim da época das chuvas e início da seca. Já houve uma tentativa dessas em Minas Gerais, em Paracatú, e a Shiraz se comportou bem dando um vinho agradável. Não o experimentei por mais que tentasse conseguir alguma garrafa.
Igual ao nordeste irrigado seria uma coisa completamente inédita. Em termos de variação diurna de temperatura e temperatura máxima, é melhor que o Vale do Snao Francisco. O futuro dirá.
Parabéns pelas suas colocações. Concordo com quase tudo.
Concordo com o sr. em que a tipicidade e a originalidade do vinho brasileiro deve ser incentivada. Para que produzir Cabernet Sauvignon na Serra Gaúcha, se todo mundo sabe que são vinhos medíocres na sua maioria?
Estive uns 10 dias a serviço do Ministério do Interior no Meio-Baixo São Francisco, Petrolina, Juazeiro e 5 municípios ao redor. Das vinícolas existentes só duas conseguem driblar as dificuldades do local e fazer alguns vinhos razoáveis. Como acontece com outros vinhos nacionais, as linhas superiores são caras se comparadas com importados do mesmo nível. Pior fica a coisa se a gente compara com o preço no país de origem.
As dificuldades da região são várias:
a) a necessidade de ter que produzir muito por área para compensar os custos da irrigação (de 8000 a 30000 kg por colheita). Como são mais de duas colheitas por ano, são de 20 a 40 toneladas por hectare. A duração máxima alcançada das plantas parece que está pelos 10 a 12 anos. Portanto nunca vai poder se produzir vinhos de vinhas velhas de melhor qualidadeb) insolação alta e alta temperatura no dia (34 a 36 graus ou mais) o que dá teores de álcool altíssimos e falta de maturidade dos fenóis e baixa acidez corrigida pela acidificação químicac) O consumidor não tem idéia com que colheita, em que parte do ano foi feita a vinificação. O processo de vinificação é contínuo. Todo dia se faz vinho. Os vinhos são na realidade produto de cortes diversos de diversas épocas do ano. Isto é feito para uniformizar a qualidade já que o vinho dos "invernos" (chuvas) são diferentes dos "verões" (seca). O pior castigo para o produtor de frutas da região é que caia chuva. Aparecem doenças e se estraga muita fruta.
Os melhores produtos que experimentei são um colheta tardia que mais de 90% é exportado, alguns espumantes e um brandy excelente.
Esta sería a vocação da região? Assim como os espumantes para a Serra Gaúcha e os melhores vinhos na Serra do Sudeste, na Campanha gaúcha e nas serras frias de Santa Catarina?
Porque não a Serra gaúcha se dedicar a espumantes e vinhos estilo Vinho Verde? |
Carlos André Mores Enólatra São Carlos SP |
29/12/2009 |
Parabéns ao Olyr e ao Juan pelos comentários. Didáticos, explicativos, sobretudo certeiros em suas abordagens.
Eu não bebo tanto vinho (tinto) brasileiro quanto gostaria. Motivo: é caro. Se comparado ao similar chileno (ou argentino), na mesma faixa de preço (de R$ 20,00 para cima), perde feio. Vinhos mais baratos eu não sei, pois alguns argentinos são realmente "de amargar". Mas mesmo alguns vinhos (tintos) "nossos", na faixa de R$ 70,00, perdem dos similares chilenos nessa mesma faixa de preço (e tenho apregoado aqui neste espaço que as margens dos importadores é por-no-grá-fi-ca).
Uma coisa me parece clara: o imposto que um vinho brasileiro paga aqui é o mesmo que um importado que é nacionalizado e comercializado (ou não é, e eu estou enganado?). Aí vem o argumento do custo da cadeia (inclusive outros impostos embutidos aí). De fato o leigo não tem essa informação, e desde já incluo-me nesse conjunto. Mas o outro ponto é que o vinho importado "vem de longe"; o frete deveria pesar em alguma coisa, contrabalançar com algum peso o nosso custo interno. Um pelo outro, ou esse imposto "escondido" é outra parte pornográfica dessa orgia, fazendo o custo total (observe-se, "total") mais que dobrar, ou o vinho brasileiro está caro na origem.
Outro ponto importante é que precisamos, de fato, e sempre mais e mais, lançar mãos de um dos grandes patrimônios que a pesquisa brasileira conseguir erigir: a Embrapa. Ela precisa de mais e mais participação nesse mercado; ela tem de ser chamada pelos produtores e precisa de mais verbas e melhores salários por parte da União. Deve traçar planos de longo prazo em comum acordo com os produtores. Tudo meio óbvio, mas, como leigo, também não sei até onde chegam suas ações (tampouco sei sobre as ações do empresariado nesse sentido - e, como leigo, minha idéia do empresariado deste país é que ele gosta de mamar uma "verbinha" do BNDES e por aí ficamos). Então, um pelo outro, os impostos no país são altos, sim, mas parece que a conta não fecha direito; o custo do nosso vinho tinto parece estar um tanto fora da escala.
Outro ponto a ser tratado é a distribuição. Ora, algumas vinhas aceitam "distribuidores exclusivos" em cidades como S. Carlos (SP). Vamos ver, o "distribuidor" é um restaurante ou mercearia que compra apenas para si, sem nenhum interesse em "distribuir", colocando a margem que deseja. Talvez o pensamento seja "melhor um distribuidor do que NENHUM distribuidor", ao que rebato com o célebre "melhor só do que mal acompanhado". Não adianta investimento, desoneração, marketing (como a matéria em forma de entrevista da Miolo nas páginas da Folha de S. Paulo, recentemente), se o produto "não chega lá". E "chegar lá" que dizer chegar com concorrência; exclusividade parece-me, pela vida interiorana que levo, um verdadeiro "tiro no pé".
[]s, Carlos André |
João Montarroyos Mestre equitador Rio de Janeiro RJ |
01/01/2010 |
Excelentes e muito elucidativos os comentários anteriores, mas... faltou dizer que os produtores brasileiros devem, pelo
menos, tentar fazer vinhos melhores do que os chilenos e argentinos, além do preço ser competitivo.
Um ótimo 2010 para todos com saúde, mesa farta e bons vinhos! |
Cláudio Tornaghi Professor Petrópolis RJ |
02/01/2010 |
"fazer vinhos melhores do que os chilenos e argentinos"
João Montarroyos,
Acho que deixaram isto bem claro. O que pode estar acontecendo é que você pense diferente deles e, também, de mim. Não acho vinho argentino e chileno bom. São, para o meu paladar, quase todos iguais, doces e enjoativos. Ou, sem querer ofender o gosto de ninguém, McWines.
Cordialmente Cláudio |
Hirã Salsa Sommelier Loja Destilado Niterói RJ |
07/01/2010 |
Prezados Amigos
As reivindicações dos produtores nacionais são velhas conhecidas e justíssimas. O aumento da competitividade só virá com incentivos do Estado e organização das propriedades rurais. O banimento das híbridas e americanas é condição fundamental para o sucesso do vinho fino.
É preciso aumentar o interesse da nova geração de produtores, fixando os filhos e netos desta geração na terra, formando cada vez mais e melhores técnicos. Planos de intercâmbio com outras escolas internacionais de enologia, a exemplo do que fez a Austrália são incentivadores. O resto está na roda. Se se compra mais vinho, produtores tem mais êxito comercial e podem pagar melhor seus empregados etc...
Do outro lado está a rede de consumidores que nunca viu o vinho tão exposto quanto hoje. Novelas, filmes publicitários, jornais, rádio... Entre tantos meios, nossa bebida predileta circula. Iniciativas institucionais recentes mostram o vinho nacional como uma opção de qualidade e a resistencia do consumidor é cada vez menor. Nesta ponta, o cenário é dos mais promissores, só falta mesmo maior poder de concorrência.
Entre as duas pontas estão os sommeliers. Aí a porca torce o rabo. Conheço muitos sommeliers que nunca foram à Serra Gaúcha ou outra área vinícola brasileira. Eu mesmo só fui à serra depois de conhecer o Chile e Portugal. Na ABS do Rio de Janeiro não temos uma instrução especifica sobre nossa área de cultivo. Ainda não vi nenhum enólogo ou proprietário se voluntariar para ajudar a formar especializações de sommelerie voltadas para as particularidades do nosso vinho. No último concurso nacional, não me recordo de nenhuma questão relacionada aos nosso vinhos.
Se fazemos a ligação do produtor com o cliente, deveríamos ter uma formação mais consistente em relação ao nosso vinho. Deveria ser exigida em nossas homologações. Qualquer atendente de loja deve ter uma imagem positiva em relação ao caldo brasileiro.
Em 2006, o Comissão Vitivinícola Reguladora do Alentejo, junto a ABS-BR, realizou um concurso entre profissioais em SP, RJ e Brasília. Foram 3 exames eliminatórios onde, no fim, os 3 melhores de cada estado viajaram a convite do CVRA para conhecer o Alentejo de perto. Eu fui e como primeiro colocado no RJ. Mesmo aqueles que foram eliminados na primeira etapa sairam sabendo mais sobre o vinho alentejano do que antes e possivelmente, mais do que sabem sobre o vinho brasileiro. Fica a sugestão
Saudações enófilas |
|