Ultrapassando os limites

As técnicas de marketing utilizadas pelo mundo dos vinhos parece ser uma matéria em que apenas a imaginação é o limite. Quantas vezes não vimos a propaganda lançar mão da figura de polêmicas celebridades, esbarrar no mau gosto de associações impertinentes ou ainda apelar para preferências sexuais? São muitos os exemplos em que as vinícolas exageram em seu apelo mercadológico com a única intenção de vender mais.

Mas, quando eu achei que já havia visto de tudo, eis que tomo conhecimento do lançamento dos vinhos Hello Kitty, nas próximas semanas, no mercado americano. Desta vez, em minha opinião, todos os limites de bom senso foram atropelados.

Hello Kitty é uma gatinha branca, meio antropomórfica, criada em 1974 pela desenhista japonesa Yuko Shimizu e que se tornou uma marca famosa no mundo inteiro. Essa figura é utilizada em milhares de produtos, por todos os cantos do planeta, com apelo direto a menininhas de tenra idade. Arrisco-me a estimar que depois dos 11, 12 anos, as garotinhas perdem o interesse por essa personagem.

Com isso, é de se perguntar: "Qual o público que esses comerciantes pretendem atingir com o lançamento de vinhos em embalagem tão infantil?" Parece-me uma grande irresponsabilidade e já tem gente apelidando esses produtos como o Joe Camel do mundo dos vinhos (para quem não lembra, Joe Camel era um camelo, também antropomórfico, que a empresa R. J. Reynolds utilizava para encaminhar as crianças e os jovens para o vício do cigarro).

Em recente pesquisa realizada pelo EnoEventos, 40% dos participantes responderam que a idade ideal para as crianças se iniciarem no vinho era de 18 anos; outros 30% votaram que seria a partir dos 14 anos, mas apenas em refeições familiares; e somente 8% admitiram dar uma pequena provinha a partir dos 10 anos. Portanto, esse questionável lançamento de vinhos vai de encontro ao pensamento da maioria.

Elaborados na Lombardia pelo enólogo italiano Dino Torti (tive de me segurar para não promulgar um trocadilho óbvio), dentro da DOC Oltrepò Pavese, esses vinhos serão importados pela MWC Importer e estarão sendo cobiçados pelas crianças americanos já a partir do dia 1º de maio.

A linha é composta de 4 rótulos, todos eles elaborados com a casta Pinot Nero:

  • o espumante rosé Hello Kitty Sweet Pink, com 12,5% de álcool e apresentado na pueril embalagem de 375ml;
  • o tinto Hello Kitty Devil, com 13% de álcool;
  • o Hello Kitty Angel, um Pinot Nero vinificado em branco, com 12,5% de álcool;
  • e, finalmente, o espumante Hello Kitty Brut Rosé, com 13% de álcool.

    Todos eles são apresentados em angelicais embalagens em tons de rosa, ilustrados com imagens da famosa gatinha, irresistível para as inocentes menininhas. E para piorar ainda mais, a garrafa de espumante Brut Rosé vem com um broche da felina pendurado numa corrente, o que por certo se transformará no objeto de desejo de todas as garotinhas daquele país.

    Espero que os importadores brasileiros não cometam a insanidade de distribuir esses produtos, potencialmente perigosos, em nosso mercado.

    Oscar Daudt
  • Os vinhos Hello Kitty
    Hello Kitty Sweet Pink Hello Kitty Devil Hello Kitty Angel Hello Kitty Brut Rosé
     
    Comentários
    Marcelo Carneiro
    Advogado, escritor e enófilo
    Resende
    RJ
    11/04/2010 Absolutamente ridículo. Absolutamente patético. Chega a ser "non sense". Lamentável que tenha esse potencial (intencional ou não) de subverter o interesse infantil.

    A melhor forma de protestar seria a não importação, mas não creio que isso venha a ocorrer.
    Ana Luisa Salazar
    Funcionária pública e enófila
    Rio de Janeiro
    RJ
    11/04/2010 Creio que o público-alvo deste vinho é o feminino, na faixa etária entre 30 e 40 anos. Cabe lembrar que a Hello Kitty, como explicado pelo EnoEventos, foi criada em 1974 e, portanto, foi ícone (juntamente com o Snoopy, por exemplo) de toda uma adolescência que hoje se encontra na faixa etária mencionada (entre 30 e 40 anos).

    Tenho a impressão de que se trata, pela primeira vez, de linha de vinhos dirigida direta e especificamente ao público feminino. Como particularmente sou fã da gatinha, aguardo ansiosamente que este lançamento chegue ao Brasil.
    Juan Jose Verdesio
    ABS Brasília
    Brasília
    DF
    11/04/2010 O alvo deve ser mulheres dessa faixa de idade e também a comunidade gay com certeza. É infantil demais, mas o infantilismo está muito enraizado na cultura norteamericana dos EUA, excluindo os canadenses e os mexicanos que também são norteamericanos.

    Tem uma grande parte da população que tem pensamento infantilizado. É um paradoxo, por exemplo, que seja um dos países que mais venera a ciéncia e a tecnologia. E ao mesmo tempo a grande maioria não acredita na Evolução darwiniana. Sociólogos e antropólogos que me expliquem.
    Fernando Melo
    Chef
    Arraial do Cabo
    RJ
    11/04/2010 Caros amigos,

    Antes de fazermos qualquer julgamento, vamos sair do nosso mundinho e entender o mundo de uma forma mais ampla.

    1- A Hello Kitty é uma febre em vários países do mundo e tem sua figura estampada em milhares de produtos, infantis ou adultos.

    2- O mercado de "brinquedos" voltados para adultos cresce a cada dia. Adultos, entre 30 e 40 anos, chamados de "kidults", com vidas profissionais estáveis e dinheiro no bolso para gastar relembrando da sua infância, fazem crescer o mercado de brinquedos antigos. Com isso, muitas empresas tem relançado brinquedos antigos para atender este mercado consumidor. Além disso, cresce a procura por brinquedos antigos, tidos como verdadeiras antiguidades.

    3- Apesar de sermos amantes da bebida e valorizarmos a visão poética que envolve o universo do vinho, sabemos que o vinho é um produto de mercado como outro qualquer. Os produtores, antes de tudo, buscam lucro e rentabilidade nos seus negócios.

    Segundo Sharon Judith Cohen, proprietária de duas lojas Sanrio, que licencia a marca Hello Kitty, metade de seus clientes são adultos. Há uma linha de roupas e outra de bolsas para mulheres que já deixaram a adolescência há algum tempo. "Bolsa é o que mais sai. Tem cliente que leva também carteira, porta-celular e necessaire, montando um kit", revela, ela própria fã da marca. Sem contar maridos e namorados que buscam presentes do gênero.

    Com tudo isso, temos certeza que estes vinhos da Hello Kitty não buscam aliciar crianças ao consumo de vinho ou qualquer outra bebida alcoólica.

    Se gostamos ou não... se compraríamos ou não, é outra história. Absurdo e ridículo é fazermos julgamentos sem conhecimento e "pré-conceituosos" ou tentarmos impor nossas opiniões sem respeitar o gosto, mesmo que duvidoso, dos outros.

    Fernando,

    Durante os 10 anos em que as entidades da sociedade civil americanas lutaram contra a publicidade de cigarros utilizando o Joe Camel como mascote, a R. J. Reynolds argumentou que sua campanha não era voltada para as crianças, mas sim para os adultos. O problema era convencer as crianças disso. Um estudo da American Medical Association, publicado em 1991, mostrou que as crianças de 5 e 6 anos reconheciam o simpático camelo bem mais do que a Mickey Mouse.

    No caso dos vinhos Hello Kitty, pode-se até conceder o benefício da dúvida aos comerciantes, de que não busquem aliciar as crianças. Novamente, o problema será convencer às petizas de que aqueles rótulos tão apelativos ao público infantil não devem atraí-las.

    Oscar
    Tatiana Correa
    Enófila
    Rio de Janeiro
    RJ
    11/04/2010 Ai, que fofo. Adoraria fazer parte de uma degustação...rsrs

    Porém, talvez o apelo seja inconveniente por se tratar de persongaem que tem como alvo não só adultos, mas também o público infantil.
    Roseny Julio
    Lojista e enófila
    Bento Gonçalves
    RS
    11/04/2010 Concordo com o seu posicionamento, Fernando, até porque tive uma experiência recente, de uma determinada empresa no segmento de lingerie, que ao lançar uma coleção voltada para a faixa teen do personagem do Garfield, seus maiores consumidores foram pessoas da faixa etária dos 30 anos prá cima, que viveram na época o auge desse personagem.
    Roberto Rodrigues
    ABS
    Rio de Janeiro
    RJ
    12/04/2010 Oscar,

    Creio que o ponto de vista básico está errado, senão vejamos:

  • o vinho nos USA é considerado um alimento (assim como no velho mundo), tanto que pode ser vendido em supermercado enquanto que as bebidas alcoólicas não o podem;
  • na Europa é comum que os pais preparem um "refresco" (com um pouco de vinho, um pouco de água e uma colherinha de açúcar) que as crianças bebem às refeições a partir dos 4-5 anos; com isso aprendem a beber de forma correta o vinho - em tempo, bebida muito mais saudável do que a Coca-Cola ou outro refrigerante;
  • nos USA isto está ocorrendo também, o que denota a maturidade do consumo de vinho (do que estamos muito distantes no Brasil).

    Porque não ter uma linha com o apelo para as mães de 30-40 anos ensinarem a suas filhas a beber vinho?

    Gostei muito da notícia. O enfoque de críticas é que está equivocado.

    Grande abraço,
    RR
  • Tatiana Correa
    Enófila
    Rio de Janeiro
    RJ
    12/04/2010 Prezado RR,

    Trata-se de uma questão um tanto complicada, tendo em vista o que dispõe a Lei das Contravenções Penais (DL nº 3.688/41) em seu art. 63, inciso I:

    Art. 63. Servir bebidas alcoólicas:

    I – a menor de dezoito anos;
    Pena – prisão simples, de dois meses a um ano, ou multa.

    OBS: Servir bebidas alcoólicas a crianças e adolescentes configura, em tese, a referida contravenção penal e não o crime previsto no art. 243, do Estatuto da Criança e do Adolescente, como pretendem alguns. Isto porque o art. 81 do ECA destaca as “bebidas alcoólicas” dos “produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica ainda que por utilização indevida”, criminalizando, em seu art. 243, somente este segundo grupo de substâncias
    Maria Amélia Duarte Flores
    Vinho e Arte
    Porto Alegre
    RS
    20/04/2010 Olá!

    Eu tenho amigas que colecionam tudo que é de Hello Kitty até hoje... e gastam nisto.... inclusive estão me perguntando onde podem comprar este vinho (!!). Acho que tem um público alvo bem definido, que não é criança...

    E "falem bem ou mal mas falem de mim", acho que esta polêmica acaba beneficiando mais ainda a marca...
    Marcelo Carneiro
    Advogado, escritor e enófilo
    Resende
    RJ
    21/04/2010 Tatiana

    Continuo achando a idéia patética, embora como marketing seja bem feito. Mas, falamos de vinho.

    Pela sua colocação jurídica, também deve ser do ramo (rssss). Nesse aspecto é que acho a proposta mais perniciosa, já que mesmo com leis, não temos o menor controle sobre a venda de bebidas, cigarro e tudo mais para jovens. Risco desnecessário, creio.

    Como diria Nelson Rodrigues: "Bonitinho, mas ordinário".
    Flaviana Orge Pimenta Machado
    Administradora. E, principalmente,
    Salvador
    BA
    03/12/2012 Caro Oscar,

    Ler seu comentário, lúcido e responsável, foi um alento para mim. Concordo com cada uma das suas palavras. Sou mãe de uma criança de 7 anos e bem sei das artimanhas, subliminares ou não, de que a indústria capitalista - a banda inescrupolosa, claro - se utiliza para multiplicar seus cifrões.

    Não me convence nem de longe o argumento de que o vinho da Hello Kitty é dirigido a mulheres de 30 a 40 anos. Eu mesma sou fã da gatinha, como também gosto da Barbie, da Moranguinho, da Fofolete, etc., mas nem por isso esses personagens deixam de pertencer, genuinamente, ao universo infantil.

    Então logo, logo, teremos cerveja com a imagem da Branca de Neve? Ou da Minnie? Quem sabe dos Smurfs? Queiram admitir ou não, os produtos associados a esses personagens são, sim, voltados ao público infantil e é assim que devem ser tratados. Embora nada impeça que eu ou qualquer outro adulto adquira um desses produtos (cadernos, chaveiros, bonecas, mochilas e lancheiras escolares,...).

    Interessante notar que, muito adequadamente, a propaganda desses produtos é veiculada, no caso de TV por assinatura, nos canais infantis. Por que será? Portanto, mais cuidado e responsabilidade com nossas crianças. Talvez alguns de vocês não saibam, mas a internet está repleta de notícias de crianças de até 9 anos vítimas de coma alcóolico. Algumas, inclusive, foram a óbito. Que sociedade é essa que se recusa a respeitar limites tão óbvios?
    EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]