 O Rei da Bairrada
Quando estive em Portugal, outubro passado, um dos pontos altos de nossa viagem foi a degustação oferecida por Luis Pato na ensolarada varanda de sua vinícola em Anadia, Bairrada (clique aqui para recordar). Não só os vinhos eram fantásticos, como também a troca de idéias (isto é, ele falava, nós escutávamos...) foi por demais interessante. Com isso, a expectativa de reencontrar esse irriquieto enólogo em um almoço no Olympe, do Jardim Botânico, oferecido pela Importadora Mistral, era grande. E, claro, não decepcionou, pois a conversa foi tão deliciosa quantos seus vinhos e a comida do jovem Thomas Troisgros.
Rebelde, Luis Pato vive em entreveros com a Comissão Reguladora da Bairrada e não consegue restringir seus espírito criativo preso aos grilhões estabelecidos. E embora seja cognominado como O Rei da Bairrada, não ostenta essa denominação em seus vinhos, preferindo classificá-los como Vinho Regional Beiras.
A refeição iniciou com um mil-folhas de foie gras, harmonizado com o Abafado Molecular Branco 2008, um tipo de ice-wine elaborado com Bical, Cerceal e Sercealinho. Lembrei-me que a bela enóloga Filipa Pato, herdeira do próprio, nos havia apresentado, ano passado, um vinho igualzinho, mesmo processo, mesmas castas, mas com o nome de FLP que, segundo ela significava Filipa e Luis Pato. Perguntei se era o mesmo vinho, apenas com outro rótulo, mas o cultuado enólogo disse-me que havia acontecido um divórcio vinícola e que agora cada um fazia um vinho diferente. E o dele tinha 2% de Baga. Grande diferença... O vinho era tão bom quanto seu parceiro e foi adequadamente harmonizado, mas eu preferiria tê-lo degustado com a sobremesa.
O delicioso Risotto de bacalhau mereceu a companhia de dois extraordinários vinhos: o meu conhecido Vinha Pan 2005 e o para mim desconhecido Quinta do Pôpa Vinhas Velhas 2007. É justo que os leitores se perguntem o que fazia um Quinta do Pôpa em um almoço com Luis Pato. Mas a explicação é simples: por laços de amizade com o proprietário, Luis agora dá consultoria para a elaboração dos vinhos daquela Quinta duriense. E sua digital era fácil de perceber na suntuosidade do vinho. Não é a qualquer hora que a gente pode se deliciar com um Douro de tal assinatura. Meu veredito foi: o Quinta do Pôpa é um vinhaço, soberbo, marcante, mas foi um rolo compressor em cima do pobre bacalhau. A elegância do Vinha Pan foi muito mais apropriada à delicadeza do prato.
E a farra continuou o TRePA 2007, acompanhando um cordeiro. O nome do vinho se justifica por ser um corte de duas regiões, o Douro e a Bairrada, mais específicamente Tinta Roriz e Baga da Vinha PAn. Ingênuamente, imaginei que o nome resultante não tinha aromas pornográficos em terras lusitanas e adverti o enólogo sobre o que pensariam os brasileiros a respeito. Com o olhar malicioso da juventude transviada, Luis Pato apenas deu a entender que esse era exatamente o objetivo.
Finalmente, a sobremesa veio acompanhada do Abafado Molecular Tinto 2009, outro, digamos, ice-wine, só que desta vez elaborado com a casta dileta do enólogo, a Baga. E com um belo equilíbrio entre acidez e doçura. Só não sei como ele se comportou com a sobremesa, pois não comi essa última...
Bem, se os leitores estranharam a careta que ilustra esta matéria, eu conto que isso é pinto perto do que vem pela frente. Em um furo de reportagem, Luis Pato me confidenciou que seu próximo vinho será batizado de Rebelde e o rótulo ostentará uma foto sua fazendo uma flauta para sabe-se-lá-quem... É mole?
Oscar Daudt |