 Almoço a 4 mãos e muitas cabeças
Foram dois mundos se encontrando em um espetacular almoço: a Bélgica, pelas habilidosas mãos de Frédéric de Maeyer, chef do Eça, e o Japão, pelos artísticos pauzinhos de Nao Hara, chef do Nao, do Shin-Miura, do Hara Sushi e que ainda tem fôlego e paciência oriental para assinar o buffet japonês do Porcão. Mas enquanto o Frédéric é um belga da gema e do chocolate, Nao é um japonês de mentirinha pois, apesar de sua pinta de samurai, nasceu em Tinguá, Nova Iguaçu. Isso, no entanto, não o impede de ser o japa mais respeitado do Rio de Janeiro.
Esse improvável e inesquecível encontro aconteceu no 269° Almoço dos Companheiros da Boa Mesa, realizado no Nao, do São Conrado Fashion Mall, e foi um dos melhores eventos dessa confraria - se não o melhor! - de que tive a oportunidade de participar. O cuidado no planejamento e realização chamava a atenção. Sob o comando de Vanda Klabin e Ana Cristina Reis, a organização primou pelos requintados detalhes, que iam do criativo, sofisticado e delicioso cardápio, continuavam pelos excelentes e originais vinhos e atingiam até a luxuosa preparação da carta do almoço, com capa da artista plástica Cristina Canale, uma brasileira radicada em Berlim e atualmente em exposição no MAM.
Foram 2 amuse-bouche, 2 entradas, 2 pratos principais e 6 sobremesas, tudo divididinho irmãmente entre os dois chefs. A entrada de Fred, um foie gras com aspargos e telha de cacau com mandioca parecia imbatível, mas o Nao não deixou por menos e trouxe um trio de lagosta, em que o shumai com gengibre era o destaque: uma finíssima e transparente massa de água que envolvia a lagosta com gengibre. Deu empate.
Os pratos principais foram outra guerra: Fred atacou com um delicioso vermelho grelhado com cogumelos e pupunha, enquanto Nao se defendeu com uma cestinha recheada com pernil de cordeiro e acompanhada por um surpreendente croquete de feijão branco e tomates confit. Novo 1 x 1!
E as sobremesas? Encantadoras! Eram seis belíssimas peças, numa espécie de degustação. E os chefs ainda se deram ao luxo de trocar de lado: Fred, um mestre do chocolate, elaborou as sobremesas que misturavam cores, sabores e ingredientes, bem ao estilo do Nao. E este, abandonou os toques orientais e assinou as três delícias de chocolate. Nenhum dos dois fez feio e desta vez quem saiu ganhando foram os convidados! Eu, que como vocês sabem, costumo passar nos doces, não resisti e provei, metódicamente, cada um deles, babando a cada nova dentada.
Os vinhos foram um capítulo a parte. Vanda e Ana Cristina buscaram assessoria da Angélica Marchi, da Enoteca Fasano, que abusou da criatividade e apresentou rótulos fora do usual, deliciosos e que caíram como uma luva para harmonizar com os não tão óbvios pratos. O Domaine Bernard-Defaix Petit Chablis 2007, que acompanhou as entradas e o primeiro prato, era fresquíssimo, com aromas de lichia, cítricos e maçã, prolongando-se na boca. Já o Château Terrasson Côtes de Castillon 2005 era um belíssimo Bordeaux, com aromas achocolatados e de ameixas maduras, com muita elegância e equilíbrio. E, finalmente, para escortar as tantas sobremesas, um admirável Sassadoro Vin Santo di Chianti Classico 2002, com uma belíssima cor de ouro velho e que, apesar da idade, era fresquinho, jovial, com deliciosa acidez apoiada por magníficos aromas de nozes e damasco.
Conclusão: para quem gosta de achar defeito em tudo, esse encontro foi uma frustração!
Oscar Daudt |