 Jerez y palavrones
Há poucos dias, uma amiga foi assistir a peça Mais respeito que sou tua mãe, com Cláudia Jimenez, e ficou impressionada com a quantidade de palavrões gratuitos ao longo do espetáculo. E disse mais, que a cada um deles, a platéia quase estourava de rir, como se um palavrão em si fosse engraçado. Eu fico só imaginando como ela se sentiria se houvesse participado da degustação promovida pela Casa Flora, com os vinhos de Jerez das Bodegas Rey Fernando de Castilla, no restaurante Le Pré Catelan. Apesar da qualidade dos vinhos, do requinte do ambiente e do cardápio e da fina estampa dos convidados, o desbocamento comeu solto por lá...
E como se chegou a essa situação insólita? É difícil explicar, pois embora esse tipo de evento seja normalmente alegre, eu nunca havia presenciado tamanha, digamos, liberalidade. Seria leviandade apontar o dedo acusatório ao divertidíssimo Jesús Peláez, diretor internacional da bodega, que comandou a degustação. O homem é um figuraço, um verdadeiro show man que conseguiu transformar uma aula sobre os complicados vinhos Jerez em quase uma peça de humor. Os bons comediantes não riem e dizem as coisas mais engraçadas com o semblante sempre sério. E ele era assim. Impagável! E a medida em que os vinhos eram degustados, todos nós, embalados pelos altos teores alcoólicos, fomos ficando cada mais descontraídos. O resto não convém descrever...
Mas a primeira piada foi proferida logo ao início da apresentação - e que àquela altura não conseguimos captar e achamos que era sério - quando Jesús disse que o Jerez era um vinho muito simples, pois só tinha duas castas e dois métodos de produção. Mas quando ele começou a descrever o incontáveis tipos e intrincados processos de elaboração, a piada foi ficando mais e mais evidente. Quando meu último neurônio foi ocupado com tanta informação, declarei que esses vinhos eram com certeza os mais complicados do mundo. Quase apanhei... Mas a bem da verdade, o Jerez não é um tipo de vinho, mas uma série de diferentes vinhos abrigados sob o enorme guarda-chuva do famoso nome. Só que, complicados ou não, são vinhos que proporcionam experiências inebriantes.
O meu tipo preferido é o Amontillado seco, com sua cor profunda e seus aromas de nozes. Mas ontem fiquei sabendo que, no dia em que conhecer, minha preferência recairá sobre o raro e caro Palo Cortado. Bem, como viajo esta semana para a Espanha, com certeza será um dos primeiros vinhos que provarei por lá. Infelizmente, nenhum desses dois tipos estava presente na degustação.
Iniciamos com um Fino, seco como a Andaluzia, clarinho, fresco e com deliciosos aromas de amêndoas, que nos fazia esquecer de sua graduação de 15% de álcool. Servido com insistência, como aperitivo e para acompanhar a bela cavaquinha do chef Roland Villard, fomos deixando a vida nos levar...
Mas o melhor da noite para mim foi o Oloroso, seco, 30 anos, de cor âmbar e com aromas balsâmicos e de damascos, um vinho exuberante, carnudo e intenso. Fez um belo par com o carré de cordeiro.
Muitos leitores já sabem que eu não curto muito as sobremesas e, como consequência, os vinhos doces também não são a minha praia. Portanto, os dois Jerez seguintes não me disseram grande coisa. O Cream, que Jesús insistia em classificar como semi-dulce, era, com seus 120g/l de açúcar residual, mais doce do que uma crema catalana. O seguinte, o Pedro Ximenez, então, com seus 400g/l de açúcar, era uma verdadeira calda que fazia lembrar uma rapadura. Eu não gosto, mas tem gente que dá um dedo por eles...
Oscar Daudt |