 Elegância na vertical
Meu fígado é igual a cabeleireiro: tira folga na segunda-feira. Pudera, o coitado é sempre tão exigido nos outros seis dias da semana! Mas quando Janine Sad, das lojas Expand, me convidou para uma degustação vertical de Meursault, logo no dia sabático da minha glândula, joguei tudo para o alto e exigi o cumprimento de horas hepáticas extras. Sem arrependimentos, pois ao final, nós dois saímos de bem com a vida. Eu mais do que ele...
Os vinhos eram justificativas suficientes: 3 edições do Louis Latour Château de Blagny Premier Cru, das safras de 2001, 2005 e 2007. O último está à venda por aqui, mas os dois primeiros vieram na bagagem de Vivienne Holliday, a cativante Gerente de Exportações, uma inglesa longilínea que conhecia mais do Brasil do que qualquer nativo à mesa: Manaus, Belém, Chapada Diamantina, Pantanal e, claro, toda a costa.
Esses vinhos são trazidos pela Inovini e muitos poderão perguntar, surpresos, "Que Inovini?". Eu explico: a gigante Importadora Aurora, de São Paulo, que entre outras marcas conhecidas traz chocolates Lindt, sopas Campbell's e molhos Tabasco, no setor de vinhos era sempre confundida com a Vinícola Aurora. Desejando dar um basta à confusão, resolveu se rebatizar e agora usa o novo nome, mais moderno e comunicativo. Portanto, estamos combinados, daqui prá frente só conheceremos a Inovini!
Mas voltando à degustação, que é o que interessa, foi bonito de ver. Os vinhos eram maravilhosos e os felizardos convidados adotavam até uma postura reverencial. Todos calados, concentrados, os narizes permanentemente dentro das taças, parecia que estávamos em um ritual religioso. O 2001 realmente merecia que entoássemos salmos e versículos: prontinho, com aromas minerais, mel e exuberantes frutas maduras e uma boca untuosa, frutada e elegante. Mas não adianta nem eu elogiar muito pois essa safra já não está mais à venda por aqui. A solução é comprar o 2007 (350 reais) e esperar 6 anos para saber dos prazeres canônicos com que fomos brindados.
Que a legislação francesa é uma coisa meio esquizofrênica, isto já é sabido, mas a gente sempre encontra alguma outra esquisitice para se surpreender. Esses brancos são da denominação Meursault-Blagny, um Monopole que não ousa dizer seu nome, pois embora a Louis Latour explore toda a área demarcada, não é a proprietária do terreno, mas apenas arrendatária. Se já é engraçado existirem denominações para um só vinhedo, proibí-los de sair do armário e exibir isso no rótulo por uma simples questão cartorial chega às raias do absurdo... Mas, sei lá, acho que isso faz parte da mística dos vinhos franceses.
Interessante também é contar que no vídeo que nos foi apresentado, o atual presidente Louis-Fabrice Latour - da sétima geração da família - declara que o objetivo da vinícola é produzir brancos intensos e tintos frutados. Com certeza, cumpriram a meta, mas de quebra, atingiram igualmente o efeito reverso: os brancos são também frutados e os tintos são também intensos.
Pois é, mas cá estou eu falando de tintos e nem contei ainda que o criativo almoço que se seguiu à degustação foi acompanhado por um inesperado tinto Louis Latour Chassagne-Montrachet 2008 e pelo magnífico Louis Latour Aloxe-Corton 1er. Cru 2005, com muita fruta no nariz e elegante e prolongado na boca. E seria injustiça não elogiar o cardápio que a Janine ofereceu. Na entrada, destaco as bolinhas de chévre e castanhas, recheadas com uma uva branca inteira. Além de delicioso, parecia que estávamos experimentando as surpresas da cozinha molecular quando a uva explodia em sabores inesperados. E outro destaque, igualmente surpreendente, foi o que ela chamou de Nosso Escondidinho: uma brandade de bacalhau que encobria um caldinho bem apurado de feijão preto. Magnífico, e apesar dos ingredientes peso-pesados, muito delicado.
Finalmente, para quem se interessar pelos vinhos, é claro que eles estão à venda nas lojas Expand e Janine me garantiu que saem a preço da importadora, conforme informado nas fotografias abaixo.
Oscar Daudt |