 Que a França é a grande dama da gastronomia mundial, ninguém discute. Nem mesmo os espanhóis e os dinamarqueses. Esse assunto por lá é tratado como interesse do estado e é fonte de incontáveis divisas para a titubeante economia francesa. Imaginem então como deve ser a cozinha do Palácio do Eliseu, onde o presidente Sarkozy e sua exuberante primeira-dama recebem os mais importantes chefes de estado do mundo inteiro, com as segundas intenções de conquistá-los pelo estômago.
Levando tudo isto em conta, o anúncio de um jantar assinado pelo chef oficial dos mandatários franceses, Maurice Alexis era tentador. Ainda mais que seria realizado no restaurante Blason, da Casa Julieta de Serpa, uma espécie de diminuto Versailles carioca, e contaria com a harmonização de vinhos franceses elaborada pelo cultuado sommelier João de Souza. Claro que tanto luxo assim só poderia vir com uma etiqueta de preço bem assustadora - impensáveis 400 reais! - mas resistir quem há-de?
No coquetel que antecedia o jantar, para botar mais lenha na fogueira, iniciamos com um shot de ervilhas com gelatina de claras que estava maravilhoso, delicado. Infelizmente, esse foi o melhor momento da noite e foi sucedido por uma inacreditável sequência de desastres. O primeiro deles veio logo a seguir, com uma torre de salgadinhos fritos, que eu posso classificar como bem ruinzinhos. Como era impossível imaginar a esguia Carla Bruni comendo aquela gordureba toda, eu - otimista incorrigível - animei os desencantados amigos com o seguinte raciocínio cristalino: "Como isso não consta do cardápio do jantar, deve ser obra da cozinha local. Logo, logo, vai melhorar...".
Não melhorou... O amuse-bouche, já à mesa, chamava-se ironicamente Duo de foie gras quente e frio, mas chegou todo ele na segunda temperatura. Mais uma vez otimista, achei que o prato era apenas a parte gelada do duo, mas o garçom destruiu minhas esperanças: aquele era o duo completo mesmo, só que totalmente frio... Independente das temperaturas, a mousse era até passável, com farofa de amêndoas e, se estivesse pelo menos morna, daria para aproveitar. Mas o contraponto, uma espécie de bruschetta de foie gras, vinha sobre um pão dormido, molengo e frio... Inacreditável!
Eu continuava acreditando que o melhor ainda estava por vir, e o tentador nome de Cavaquinha à moda de Saint Tropez mexia com minhas expectativas. Mas, mais uma vez, o prato chegou frio à mesa. Vejam, eu não estou me referindo a morninho, não: era frio mesmo! E a essa temperatura, o rigatoni que acompanhava o crustáceo era impossível de tragar. Para eu rejeitar uma cavaquinha é muito difícil, mas não deu para encarar, o que fez minha espirituosa amiga Zizi declarar: "Se até o Oscar não comeu, é porque estava muito ruim mesmo".
Com o espírito abalado, aguardei sem grande entusiasmo o Robalo mal passado com ervas aromáticas e batata baroa defumada, cujo hamburger de peixe - frito - estava na temperatura certa (infelizmente com excesso de sal), mas vinha acompanhado de um purê de baroa frio e ruim. Eu fiquei imaginando o Sarkozy, conversando com o Obama, todo prosa, falando da superioridade da culinária gaulesa sobre a americana e chegar esse prato à mesa do banquete. Era caso de demissão sumária... O que salvou a pátria foi o excelente Chassagne-Montrachet escalado pelo João, que exalava uma mineralidade magnífica
O segundo prato principal era um Lombo de cordeiro, pastel marroquino com frutas secas e tempura de aspargos. A essa altura do campeonato, o cozinheiro já havia se encontrado com as corretas temperaturas, mas o prato era apenas bom, e não excepcional, conforme se esperaria de um chef com currículo tão invejável e de um jantar com um preço tão elevado!
Na hora da sobremesa, quando o meu expediente já estava encerrado - e eu só pensava em passar na padaria para comer um sanduíche - chegaram duas taças: a primeira Verrine de frutas do Brasil e especiarias e a segunda uma Suave mousse de chocolate ao sal de Guérande, folhas de hortelã e azeite de Oliva. Embora eu não tenha comido, a salada de frutas foi a única etapa do jantar que mereceu elogios de quem estava em minha mesa. Vamos combinar que foi muito pouco, muito tarde.
Claro que os maiores tombos a gente leva quanto mais altas são as expectativas e as minhas estavam na estratosfera. Mas foi uma queda livre muito dolorosa. Se arrependimento matasse... |