 Pequena história da gastronomia Ao longo do ano, os almoços mensais da confraria Companheiros da Boa Mesa (CBM) vão saltando de cozinha em cozinha, com os mais respeitados chefs da cidade esmerando-se para impressionar esse tão seleto grupo de gourmets. Quando chega dezembro, no entanto, tal qual um filho pródigo, os CBM sempre tornam à casa. E casa, no caso, é nada menos do que o restaurante Le Pré Catelan, onde impera o chef Roland Villard como o grande guru dos Companheiros.
E esse evento que encerra o ano é tão importante que, em vez de almoço, transfigura-se em um jantar formal e, tradicionalmente, é organizado pelo próprio presidente da confraria. Este ano, no encontro com o inigualável número 274, a tarefa coube ao sereno Marcos Jorge Gasparian (foto ao lado), atual comandante da tropa, que preparou, com a ajuda de Roland, uma verdadeira aula de história da gastronomia.
Batizada com o pomposo nome de Influência da História Francesa na Gastronomia Mundial, eu já fiquei imaginando pratos tais como Miolos à Guilhotina. Mas, é claro, não era nada assim tão aterrador, e o que pousou em nossas mesas foram as usualmente belas e deliciosas obras de arte de um dos mais importantes chefs franceses em nossas praias. E com direito a pitadas de ousadia que só Roland se atreve a oferecer.
A entrada apresentava a Idade Média gastronômica, com uma Terrine de javali ao chutney de figo e um Foie gras com chutney de goiabada cascão. Desconsiderando-se o deslize temporal da goiabada cascão, que só viria a ser inventada - acho que em Minas Gerais - vários séculos depois, foi um começo magnífico, com belos contrastes.
O segundo tempo foi dedicado à pompa de Versailles, com uma Torta de massa folheada recheada de salmão e espinafre, em formato de peixe e acompanhada de molho holandês. Como se diz em bom francês do Rio Grande, estava "tranchan". E foi muito bom notar que os desafortunados reis franceses gostavam de porções avantajadas, impossíveis de se encontrar nos restaurantes franceses de hoje em dia. Dava para matar a fome de um estivador.
O terceiro prato, Roland dedicou ao século XIX, com a comida burguesa, preparada em pleno salão. E quando eu falei em ousadia, estava me referindo exatamente a esse prato, que trazia um Boeuf Bourguigon com um Tournedos, tudo junto e misturado. Bizarrice assim eu nunca havia provado e - que o chef não me leia! - preferiria que tivessem chegado à mesa em dois tempos.
E finalmente, a sobremesa homenageava o século XXI e a globalização, com uma Mousse de cupuaçu com frutas vermelhas e sorbet de taperebá, misturando técnicas francesas com ingredientes tipicamente brasileiros, bem ao estilo que o chef franco-carioca tanto domina. Comme d'habitude, pulei essa etapa, mas teve muita gente boa que raspou o prato e ainda pediu a minha porção para bis.
Oscar Daudt |