 Aquilo roxo Imagine alguém trabalhar 28 anos em um dos gigantes da indústria vinícola portuguesa, a Sogrape, ser o enólogo responsável pelo incontestável ícone da vinicultura lusa, o Barca Velha, e de repente jogar tudo para o alto para trabalhar em um projeto que não passava de um idéia? Não havia uva, não havia adega, não havia vinhedos. Como diria o ex-presidente Collor, tem que ter aquilo roxo!
Pois foi exatamente o que fez José Maria Soares Franco, o respeitado enólogo de Portugal, ao partir para uma empreitada com seu amigo de infância, o não menos admirado João Portugal Ramos. Foi durante um jantar familiar, no verão de 2006, em Sintra, que São João lançou o desafio a São José, objetivando o desenvolvimento de uma vinícola no Douro. José Maria imediatamente aceitou. É claro que a notícia deixou em polvorosa a imprensa portuguesa: dois dos mais conhecidos enólogos daquele país dando um passo assim tão arriscado como inesperado.
A primeira coisa que dupla escolheu foi o nome da empresa: Duorum, que em latim significa "de dois", mas ao mesmo tempo faz um jogo de palavras com o Douro. Um nome forte! E em seguida partiram para a busca do local e, após muitas análises, decidiram-se por uma área no Cima Corgo e no Douro Superior, com a bela denominação de Quinta do Castelo Melhor. Para de imediato iniciar a produção de vinhos, enquanto os novos vinhedos eram plantados, a jovem empresa arrendou uma área lindeira ao empreendimento, plantada com vinhas velhas e já em 2007 lançou no mercado os tão aguardados vinhos.
No jantar oferecido pela Casa Flora, no Antiquarius do Leblon, tivemos a oportunidade de degustar os vinhos, com a presença do enólogo José Maria, uma figura simpática e incansável, que nos explicou que a filosofia da casa é a de produzir vinhos gastronômicos, frescos e que nunca ultrapassem o limite de 13,5° de álcool.
Vinho BBB
Iniciamos com o Duorum Colheita 2007, um corte de Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz, com 6 meses de estágio em carvalho francês e um pouquinho em carvalho americano. Definido pelo enólogo como da linha Premium, me deixou entusiasmado com sua qualidade: complexos aromas de ameixas pretas, violetas, especiarias e chocolate, acompanhando uma boca fresca, com grande estrutura e equilíbrio. Gostei e não foi pouco. E quase comecei a dançar o Vira de alegria, quando o representante da Casa Flora me disse que o preço para pessoa física era de meros 44 reais. De tanto eu andar pelas degustações da vida, provando vinhos de menor qualidade e com preços na faixa de 200, 400 reais e até mais, era de duvidar que isso pudesse ser verdade. Instintivamente, falei que estava barato demais e depois me arrependi: vai que a importadora resolva aumentar o preço?
Em seguida, partimos para uma mini-vertical de Duorum Reserva, das safras de 2007 e 2008. Esse vinho é elaborado com uvas de vinhas muito velhas, onde predominam as castas Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Sousão, e estagiam de 12 a 18 meses em barricas francesas. A safra 2008 ainda nem foi engarrafada e provamos de garrafas sem rótulos trazidas em baixo do braço. Ambos os vinhos resultaram encorpados, elegantes, frescos e gastronômicos, mas quanto ao nariz, a safra 2008 estava mais exuberante, enquanto a 2007 mostrava-se, inicialmente, mais fechada. Declarei, apressado, meu amor pela nova safra. Mas depois, como um come-quieto, a safra de 2007 foi se insinuando, se abrindo, se avolumando e derrotou a irmã mais nova. Mas ambos são estupendos e a etiqueta também é camarada, com o seu valor de 98 reais podendo ser considerado uma barganha frente à concorrência direta.
Normalmente, quando um vinho é bebido antes do tempo, os enófilos gostam de dizer que foi cometido um infanticídio. Mas nessa noite, o crime estava muito mais para um aborto. Eu penso que nunca havia bebido Portos Vintage tão novos assim. Com aromas balsâmicos, de violetas, muito figo, goiabada, café e uma boca poderosa, com taninos vivos e doçura bem equilibrada, revelavam um potencial longo, longo. Perguntei ao enólogo quando ele estimava que os vinhos estariam em seu apogeu. Humilde, ele me respondeu que em 3 ou 4 anos, mas eu acredito que a verdade deve se posicionar por cerca de 3 ou 4 décadas!
E os projetos não param. José Maria nos contou que os próximos rótulos a serem lançados no mercado serão o de um vinho de entrada da gama (ainda mais barato???) e um Douro branco. Nem sei como será, mas já gostei de antemão.
Oscar Daudt |