 Tradição e modernidade da Úmbria
O crítico Hugh Johnson gosta de afirmar: "Giorgio Lungarotti colocou a Úmbria no cenário vinícola mundial."
E durante o almoço oferecido pela Importadora Mistral, no restaurante D'Amici, a cativante filha de Giorgio, Chiara Lungarotti (foto à esquerda), contou-nos toda essa história. Após a Segunda Guerra Mundial, na empobrecida região central da Itália, Giorgio fez fortuna plantando oliveiras e produzindo alguns dos melhores azeites daquele país. Convencido de que em sua Úmbria também seria possível elaborar vinhos tão destacados quanto os de sua vizinha setentrional, a famosa Toscana, decidiu investir na vitivinicultura, porém rompendo com os ultrapassados processos de produção que ainda dominavam a paisagem.
Giorgio foi um pioneiro em quase tudo. Foi o primeiro a elaborar vinhos brancos por lá, o primeiro a importar castas internacionais e com elas produzir os primeiros Super-úmbrios, o primeiro a estagiar vinhos brancos em barricas e o primeiro a dar um nome fantasia a um vinho, o famoso e até hoje venerado Rubesco. Como prêmio, foi um dos primeiros produtores a receber uma DOC de presente, em 1968, a DOC Torgiano, da qual era o virtual monopolista. E para manter a tradição familiar de pioneirismo, sua filha Teresa, formada em Bordeaux, foi a primeira mulher a ser reconhecida como enóloga de respeito na conservadora Itália.
Chiara deu uma aula de Úmbria - vinhos, gastronomia, história, costumes, geografia - e o professor Célio Alzer, a meu lado, que já havia visitado a vinícola, concordava com tudo o que ela contava e ainda dava uma nota mais alta do que ela. A descontração era tanta que, a certa altura, quando Chiara referiu-se à cidade de Norcia, lembrei-me do impagável filme "O Incrível Exército de Brancaleone" e fizemos um animado dueto cantando "Branca, Branca, Branca, Leon, Leon, Leon...". Meu Deus, o que não fazem os altos teores de um Sagrantino de Montefalco!
Mas chega de tergiversar, pois a coluna está quase acabando e ainda nem falei sobre os vinhos. E foram 7 deles! Três eu vou passar por cima, pois nao me disseram nada: o branco, o tinto e o licoroso da linha de entrada da vinícola. Mas os outros quatro, em compensação, eram admiráveis. O branco Torre di Giano Vigna Il Pino 2007, corte de Trebbiano e Grechetto, sutilmente barricado, era tudo o que eu queria. De nariz complexo e com uma boca cheia de estrutura, fruta e frescor, era um show! Quase levantei e fui embora, pois já estava com a vida ganha.
Mas se tivesse ido, teria me arrependido amargamente. O Rubesco Riserva Vigna Monticchio 2004, poderoso e elegante ao mesmo tempo, exalava frutas e flores, e premiava a boca com sua textura aveludada.
Passamos então ao super-úmbrio San Giorgio 2003, uma homenagem das filhas ao querido pai, com seu corte de 50% de Cabernet Sauvignon e outros 50% de Sangiovese e Canaiolo. Se vivo fosse, o pai ficaria muito orgulhoso... E pulando de denominação, chegamos ao corpulento Sagrantino di Montefalco 2006, um dos tesouros da Úmbria, elaborado com a uva que só existe por lá e foi reconhecido com o merecido status de DOCG. Foi minha estréia com essa denominação e fiquei encantado: o vinho é gigantesco, um nariz potente, complexo, com muita fruta madura, especiarias e toques minerais, e uma boca de grande estrutura, mastigável, com taninos vivos e marcantes.
Ah, e tem mais! Para quem quiser conhecer a vinícola, Célio Alzer me contou que a estrutura turística é invejável, com um hotel de primeiríssima, o Le Tre Vaselle, um spa com vinoterapia e ainda Le Melograne, o requintado restaurante de categoria internacional. Só que não para por aí! Como a matriarca Maria Grazia é uma historiadora de arte, o complexo turístico conta, não com um, mas com dois museus: o Museo del Vino, que é considerado como um dos mais importantes acervos particulares da Itália e conta a história de 5.000 anos de vinicultura, e o Museo dell'Olivo e dell'Olio, dedicado ao azeite de oliva e a todas as suas utilizações ao longo da civilização. É coisa prá ninguém botar defeito!
Oscar Daudt |