José Maria da Fonseca
A vinícola José Maria da Fonseca ficou famosa por seu Periquita, vinho que lota as prateleiras dos supermercados brasileiros. Mas a empresa é muito mais do isso.

Agendamos do Brasil, com 15 dias de antecedência, uma visita à Casa Museu da JMF, que fica no Azeitão, distrito de Setúbal, à margem Sul do Rio Tejo. Fomos recebidas por Sofia Parada, responsável pelo mercado brasileiro, e pelo diretor de Marketing e Vendas, Antonio Maria Soares Franco (sétima geração da família), que conduziu a degustação com quatro vinhos da vinícola de diferentes regiões.

Com 170 anos de existência, a JMF mistura tradição e inovação. O fundador, José Maria Fonseca, era na verdade matemático, e foi também um autodidata na produção de vinhos. Levou para Portugal a casta Castelão e foi o primeiro em Portugal a engarrafar vinhos tintos. Antes, o vinho era vendido a granel, mas ele queria que a garrafa pudesse ir à mesa. Começou a usar uma máquina capaz de encher 4 garrafas por vez e outras para arrolhar e colocar o rótulo. Tudo operado manualmente. Esse primeiro vinho era o Periquita, nessa época apenas feito com uvas Castelão. Hoje em dia, além da Castelão, coloca-se também as castas Aragonês e Trincadeira, para dar mais maciez ao vinho. Mas há práticas antigas ainda em uso, como o estágio em imensos barris de mogno de mais de 70 anos com capacidade para 18 mil litros. Ela é considerada uma madeira neutra, não passa aromas, só arredonda o vinho.

Sofia nos conta que o Brasil tem alta relevância para a vinícola: é o mais importante mercado na América do Sul, sendo o maior comprador de Periquita do mundo, consumindo mais de 600 milhões de litros anuais.

Curiosidades
Sabe aquela história antiga dos vinhos que viajavam no porão dos navios e quando retornavam a Portugal estavam melhores, pois o vinho havia 'envelhecido' mais rápido? Pois é, a JMF ainda realiza essa proeza. A Casa-Museu abriga os tonéis dos vinhos moscatel Torna-viagem. A safra de 1984, para fazer seu afamado Moscatel de Setúbal, ainda está lá guardadinha nos barris. No ano de 2000, entre março e agosto, esse vinho saiu de Portugal, passou pelo Rio de Janeiro, Bahia e Recife, foi para os EUA, parou na Ilha de Ponta Delgada, para só então retornar a Portugal. A JMF tem uma parceria com a Escola de Sagres, a Marinha portuguesa, que possibilita essa façanha. Mas o trabalho não pára por aí. Esses vinhos só serão engarrafados quando completarem 50 anos nos barris, e estarão disponíveis apenas em leilões por um valor estratosférico que compense todo o engenho e os anos de dedicação.

Há ainda os moscatéis mais simples, que podem ser bebidos pela classe menos abastada. Esses ficam no mínimo cinco anos em barris que descansam ao som de canto gregoriano. É uma experiência encantadora estar no ambiente da adega e se deixar levar pela atmosfera religiosa e de mistério que a música desperta. Esse ritual só pode fazer bem ao vinho!

A prova
Antonio escolheu 5 vinhos, sendo um de cada região para mostrar a diversidade da JMF. São exemplares de alta gama e difíceis de encontrar no mercado brasileiro. Em Portugal, chegam ao preço máximo de €35, mas no Brasil, ultrapassam facilmente os R$300, por conta da impressionante carga tributária brasileira. Antonio contou que no valor de seus vinhos no Brasil, pelo menos 40% é de impostos. Uma história que a gente conhece bem e que prejudica também os produtores internos, mas isso já é outra conversa.

1 - Periquita Reserva 2008 (Setúbal), 13%. Leva a tradicional Castelão junto com Touriga Nacional e Touriga Franca, resultando num vinho frutado com elegância e maciez. Passa oito meses em barricas novas e usadas. Cor rubi escuro, aromas de frutas vermelhas e de torrefação.

2 - José de Souza Mayor 2007 (Alentejo), 13%. Uvas: Trincadeira, Aragonês e Grand Noir. Um vinhaço, com uvas pisadas em lagares. Fermentado por cerca de 10 dias em ânforas de barro para depois passar mais 12 meses em madeira. Um processo muito artesanal que resulta num vinho único. Foram produzidos 8.500 litros. Aromas de terra molhada, figos, frutas secas, chocolate e temperos secos. Muito macio e persistente.

3 - Domini Plus 2007 (Douro), 13,7%. Uvas: Touriga Francesa, Tinta Roriz, Touriga Nacional. Cor púrpura. Aromas florais, cassis e especiarias. Taninos suaves.

4 - Moscatel de Setúbal 2006, 17,5%. Cor castanha, aromas de mel, compotas e caramelo. Delicioso e longo.

5 - Alambre 20 Anos (Moscatel de Setúbal), 17,5%. É uma mistura de colheitas, onde a safra mais nova tem 20 anos e a mais antiga, 40 anos. Um vinho encantador, elegante, persistente, austero e amplo. Castas: Moscatel de Setúbal (mínimo de 70%), Arinto, Malvasia e Boais. Cor âmbar. Aromas de frutos secos, nozes, figos maduros e compotas.

Cláudia Holanda é jornalista, enófila, editora do blog O Jantar está Servido e organizadora do bloco eno-carnavalesco Espumas e Paetês
A Casa Museu
(fotos: Lilian Rodrigues)
Máquinas para engarrafar, arrolhar e rotular artesanalmente A mesa de provas Antonio Maria Soares Franco
Os vinhos da prova
José de Souza Mayor 2007 Domini Plus 2007
Moscatel de Setúbal 2006 Alambre 20 Anos
Comentários
Andreia Roque
Operadora Brasil Rural Turismo
São Paulo
SP
21/01/2011 Cláudia. Olá, sua viagem esta fantástica e sempre que possível acompanho seus textos. Parabéns.

Mas uma dúvida que poderá me auxiliar. A vinícola José Maria da Fonseca foi vendida e o Antonio Maria Soares da Fonseca (sétima geração da família), faz parte de Mkt somente?

Um abraço
Andreia Roque
Operadora de Turismo de Experiência Brasil Rural
www.brasilrural.tur.br
Claudia Holanda
Jornalista
Rio de Janeiro
RJ
21/01/2011 Oi, Andrea! Olha, eles tiveram que vender uma parte da empresa no início do século passado. Mas confesso que sei pouco sobre essa parte comercial. Hoje, é a família Franco quem administra. Eles fazem questão de frisar que a vinícola é uma empresa familiar. Antonio Maria S. Franco é Diretor de Marketing e Vendas.

Os irmãos Domingos Soares Franco e António Soares Franco gerem a empresa. O primeiro é o enólogo e Vice-Presidente; o outro irmão é o Presidente, além de pai do António Maria. Antônio Maria, que consta nessa matéria, já pertence à 7ª Geração.

Abraços!
Aguinaldo Aldighieri
Enófilo
Rio de Janeiro
RJ
21/01/2011 Tenho ótima lembrança de uma visita que eu e um grupo alí fizemos em 2005. Magnífica recepção, inclusive com um fantástico almoço. Parece-me ter sido presenteado com 1 gf de um Alambre tinto, clarificado c/ clara de ovos, sendo que nos disseram que as gemas eram enviadas para a fábrica dos pastéis de Belém, em Lisboa.

Comprei um maravilhoso Moscatel Roxo, produzido com uvas de um vinhedo de apenas 1 hectare.
Claudia Holanda
Jornalista
Rio de Janeiro
RJ
24/01/2011 Oi Andreia! Para responder corretamente tua pergunta, entrei em contato com Sofia Parada para saber qual família administra a vinícola. Eis os esclarecimentos:

"Quem administra a JMF é a família Soares Franco... e embora com um nome distinto, é a 6ª geração da linhagem do Sr. José Maria da Fonseca. Antonio Maria Soares Franco já faz parte da sétima geração".

Aguinaldo, o moscatel roxo foi justamente o que eu trouxe. Não fez parte da degustação, mas fiquei muito curiosa com essa uva, que não conheço, e tb por esse vinho ter uma produção tão pequena.
Sofia Soares Franco
José Maria da Fonseca
Portugal
24/01/2011 Olá Andreia e Cláudia,

Respondendo à vossa questão, a JMF mantem-se há 176 anos uma empresa 100% familiar, estando hoje a 6ª geração à frente do negócio, meu Pai (António, Presidente) e Tio (Domingos, Vice Presidente e Responsável pela Enologia). Também a 7ª geração já participa da gestão da empresa, o meu irmão António Maria, na foto do artigo (responsável pelo Marketing e Vendas) e eu (Responsável pelo Enoturismo e Comunicação).

Alguma dúvida teremos todo o gosto em esclarecer!

Um forte abraço,
Sofia Soares Franco

Ps. Aguinaldo muito obrigada pelas suas simpáticas palavras! Terá recebido ou uma garrafa de Alambre (Moscatel de Setúbal 20 Anos) ou uma garrafa do tinto Garrafeira CO (clarificado na clara de ovo).
Ignacio Carrau
Empresário
Rio de Janeiro
RJ
24/01/2011 Querida Claudia,

Parabéns pelas lindas notas publicadas por você a respeito das regiões e dos vinhos de Portugal. São muito bem feitas e dá vontade de ir lá visitar e conhecer esse país tão bonito e com tanta tradição vitivinícola.

Só achei que deve ter havido um erro no volume de PERIQUITA que a empresa JMF exporta ao Brasil. Ao invés de 600 milhões de litros por ano devem ser 600 mil litros ou 600 mil garrafas, o que já é um volume imenso para qualquer produto. Para ter uma idéia, no Brasil se elaboram 300 milhões de kgs de uva sendo a maior parte para vinhos comuns e suco de uva.

Um abraço e parabéns pelo seu estilo lindo e agradável de escrever sobre assuntos muito interessantes para quem realmente gosta de vinho.

Ignacio Carrau
Claudia Holanda
Jornalista
Rio de Janeiro
RJ
27/01/2011 Oi Carrau, obrigada. Olha, acho que você tem razão. Pode ter havido algum mal entendido.

Abraços pra você!
Sofia Soares Franco
José Maria da Fonseca
Portugal
27/01/2011 Oi Ignacio,

Na realidade exportamos de Periquita para o Brasil 200 mil caixas. Espero ter ajudado a esclarecer.

Um abraço,
Sofia
Fernando de Oliveira
Jornalista
Rio de Janeiro
RJ
27/01/2011 Claudinha,

Queremos mais textos, mais opiniões e mais vinhos!

Beijão,
Feroli
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