
Mal comparando, foi como se entrassem em campo, defendendo a seleção portuguesa de futebol - a Seleção das Quinas - Eusébio, Figo e Cristiano Ronaldo, todos com a mesma idade e no auge da forma. A degustação promovida pelo IVDP - Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, no Salitre Ipanema, surpreendeu não apenas pela quantidade de vinhos como também pela consistente qualidade dos rótulos apresentados. Foi uma festa para os sentidos. Carlos Soares, diretor do IVDP, conduziu pessoalmente a complicada prova, que foi uma prévia para a feira a se realizar no dia seguinte, no Hotel Sheraton.
Até há poucos anos, o Douro vivia apenas de seus vinhos do Porto e contavam-se nos dedos os bons vinhos de mesa por lá elaborados. Se as uvas eram de qualidade, iam direto para a produção dos fortificados. Muito recentemente é que aconteceu a revolução do Douro e começaram a ser produzidos uma variedade estonteante de vinhos tintos de mesa que hoje emprestam à região tanto prestígio quanto os tradicionais Portos. E na esteira dos tintos, apareceram brancos entusiasmantes e, da ponta da língua, lembro dos excelentes Guru, VZ e Redoma.
Mas a prova da noite, muito embora composta por nada menos do que 17 vinhos de mesa (sem contar os 6 vinhos do Porto), só apresentou vinhos tintos. Quando questionei ao apresentador o porquê de não haver nenhum branco, ele singelamente respondeu: "Não é este o espírito da degustação". Claro que eu não fiquei satisfeito e provoquei: "Por quê? O Douro não valoriza seus brancos?" Mas a discussão não rendeu muito e eu continuei sem entender a razão do preconceito. Para encerrá-la, pedi que no próximo ano fossem apresentados alguns vinhos brancos. Mas acho que o mais provável que vá ocorrer é eu não ser convidado em 2012.
Todo o enófilo que se preza traz gravado na mente e na alma a regulamentação dos vinhos espanhóis: Crianza, Reserva e Gran Reserva. É mais ou menos o bê-á-bá dos conhecimentos sobre o assunto. Já na outra ponta do rio Douro, as coisas são mais obscuras e eu nunca soube que havia uma regulamentação formal. Mas há, pelo menos no Douro...
Durante a apresentação de Carlos Soares, aprendi que o IVDP define regras estritas para que os vinhos da região possam ser chamados de Reserva ou Grande Reserva (para complicar um pouco, essa segunda classificação possui os seguinte sinônimos: Grande Escolha, Reserva Especial e Colheita Selecionada).
E como isso se passa? Não são apenas aquelas normas cartoriais espanholas. No caso do Douro, o Instituto mantém um grupo profissional de avaliadores que determina a qualidade do vinho. Dependendo da pontuação obtida, o vinho é classificado como Nível 1, 2 ou 3. Só os vinhos de nível 2 podem se chamar Reserva, e apenas os do Nivel 3 podem estampar Grande Reserva ou seus sinônimos. Você sabia disso? Eu também não...
Só não entendi o porquê de essas notas não serem divulgadas. Afinal, seria uma excelente informação para os consumidores e uma poderosa ferramenta de promoção dos vinhos para os produtores. Mas, não, as notas são secretas. E com isso, num posicionamento colonizado, os produtores durienses são obrigados a utilizar as notas de críticos americanos para promover seus vinhos... Realmente, nós brasileiros temos a quem puxar...
Altos vinhos, altos preços |
Dois dos vinhos, nem carece comentar. Aos estapafúrdios preços de 420 e 440 reais, respectivamente, o Abandonado 2007 e o Quinta do Crasto Vinha Maria Teresa 2007 tinham a obrigação de serem espetaculares. Mas o melhor da noite, a meu ver foi o Quinta do Vale Meão 2008, muito embora seu preço de 295 reais também assuste. Um pouco mais palatáveis, o Quinta do Vallado Reserva Field Blend 2008, a 220 reais, e o Quinta Vale D. Maria 2008, a 156,50 reais, também me agradaram demais.
Gostei muito do Roquette & Cazes 2007, que é apelidado de Xistinho, visto ser igual ao Xisto, que não é produzido em anos de safras não tão favoráveis, e empresta suas uvas para o irmão menor que, ao preço de 136 reais, custa uma fração do preço do vinho mais famoso. Mas os vinhos eram todos de tão boa qualidade, que mesmo que você escolha o poético Lua Nova em Vinhas Velhas 2008, o vinho mais barato da noite, a 84 reais, com certeza estará bem servido e terá momentos de grande satisfação.
Por menos que você beba, 17 vinhos não são para qualquer um. Eu provava apenas um golinho de cada e esvaziava a taça no balde. Claro que com o coração partido e inconformado com o desperdício de tão deliciosos vinhos.
E foi uma verdadeira prova de resistência. A degustação durou uma eternidade e só fomos jantar às 22:40h, quando todos os participantes só conseguiam pensar em bater um pratão de arroz com feijão. Mas para alegria geral, durante o jantar, podíamos escolher os vinhos que mais havíamos gostado durante a prova e sermos servidos de taças cheias, muito além do limite da razão.
Oscar Daudt |