
Em outubro do ano passado, logo após a inauguração, fui conferir o restaurante Oro, do chef Felipe Bronze. Foi uma experiência incrível e inesquecível... Apesar de que, quando a gente diz que é inesquecível, está apenas cometendo uma hipérbole, pois a memória vai esvanecendo e eu duvido que alguém lembre daquilo que comeu há uma semana, quanto mais há 7 meses atrás.
Com isso, fiquei "loco" de contente quando fui convidado a conhecer os novos pratos do cardápio e mais uma vez foi um show! Literalmente falando... E foi bom ver que, apesar de ser uma quarta-feira, o restaurante estava lotado, mostrando que a casa "pegou" e se firmou como um dos templos da alta gastronomia da cidade.
Os princípios básicos da cozinha do Oro continuam os mesmos: pratos criativos, elaborados com uma paciência de Jó, com apresentação original e esmerada, contrastes de texturas e temperaturas, de doces e salgados e a utilização de ingredientes e processos que muitas vezes a gente nem sabe que existem. E, claro, a performance do Houdini dos chefs dentro do salão.
O restaurante me ganhou logo na segunda etapa, com um pequeno tabuleiro de xadrez de Ceviche de atum e compressa de melancia, cujas peças do jogo eram pimentas japonesas e flores elétricas, poética imagem do Felipe para descrever as surpreendentes flores de jambu que dão um barato na língua. O prato era abusadamente lindo e delicioso...
Na terceira etapa, o chef mandou à mesa dois pratos diferentes: para mim, o Açaí salgado com bananas confit e farofa gelada de foie gras; para a Ana, uma Caprese quente e fria. Como eu já conhecia meu prato e a Ana demonstrou grande interesse nele, decidimos fazer uma discreta troca. À chegada, a Caprese é indecifrável: apenas uma cúpula lustrosa que a mim, na iluminação discreta da casa, mais parecia uma cuia de chimarrão de cabeça para baixo e eu imaginei que ela seria retirada para revelar o prato. Nada disso! A tal cúpula de aparência amadeirada era feita de tomate desidratado e se esvaiu quando o chef acrescentou o molho quente. Nem precisava comer, pois só o espetáculo já valia a pena. Não sei de onde o Felipe tira essas idéias todas!
A quarta etapa foi a melhor de todas: Lagostim grelhado com purê de pistache e crocante de palmito pupunha. O lagostim estava com uma textura inigualável, com um tempero perfeito e a combinação com o pistache e, principalmente, o crocante de pupunha era dos deuses.
A sexta etapa, Tartare de mignon com "gema" de parmesão, fumaça de churrasco e batatinhas fritas já era minha velha conhecida, mas continua despertando bons fluídos quando a cobertura é retirada e os aromas de churrasco invadem o salão, em contraste com a carne crua e deliciosamente temperada.
Finalizando, a Feijoada Oro, caprichosamente descontruída, era leve - com soía acontecer àquela hora da noite - e saborosa. E nesse momento, o Mago Merlin chega à mesa com seu caldeirão fumegante, mistura asas de morcego com chifres de bode albino e prepara um ingrediente secreto para acompanhar o prato. É uma surpresa e eu não vou estragar contando o que é. Só indo lá para ver. E o restaurante quase pára em reverente silêncio...
A difícil harmonização com os delírios gastronômicos bronzeados foi construída pelo sommelier Lindeberg Junior, que já sacou rolhas na Locanda della Mimosa e no Thérèze. Assim como o chef me ganhou na segunda etapa, ele também. O delicioso tabuleiro de xadrez, que picava a língua, acompanhado por um Riesling austríaco, só fez crescer, tanto o prato, quanto o vinho, que passou a explodir em mineralidades com o insólito contato.
A escolha do sardo Argiolas Costamolino Vermentino di Sardegna 2009 e do português Caves São João Frei João 2004, apresentados dois dias antes no Vini Vinci'11, mostrou como ele é rápido no gatilho e antenado nas novidades do mercado. E de quebra, compensou meu lamento por dois vinhos que eu não havia provado na feira.
Oscar Daudt |