
Você já se perguntou o porquê de tantos vinhos toscanos de fina estirpe serem batizados com o sufixo aia? É um tal de Ornellaia, Sassicaia, Solaia, Olmaia... Eu não tinha a menor idéia. E durante o almoço oferecido pela Importadora Mistral, no Bazzar, para a apresentação dos vinhos do Castello del Terriccio conheci mais dois: o Lupicaia e o Tassinaia.
Claro que eu aproveitei a deixa e perguntei às representantes da vinícola a razão de tão popular sufixo. E fiquei sabendo que ele designa o local de alguma coisa. Por exemplo, Lupicaia é o local dos lobos. Por um instante, me desliguei da conversa e comecei a viajar com os outros vinhos: local dos olmos, local das taças, local do sol, em uma tradução bem liberal... E tive de me controlar para não perguntar se Ornellaia era a terra de Ornella Vanoni, mas concluí que as meninas eram tão jovens que nem deviam saber quem era essa famosa cantora italiana. Meu chiste ficaria incompreendido e, em boa hora, fiquei quieto.
O Castello del Terriccio, com seus 1700ha, é a maior área privada da Itália. Localizado em Castellina Marittima, a 30km de Pisa, na região de Maremma, e bem perto do mar Tirreno, que se pode avistar do alto das colinas da propriedade. Mas é claro que os vinhedos ocupam apenas uma pequena parte das terras do Castello, totalizando 62 hectares. O resto da área é plantado com cereais e oliveiras.
O solo da região é rico em minerais, principalmente ferro e cobre, que foram historicamente minerados pelos etruscos. Com isso, a terra é vermelha como o sol toscano que decora os rótulos dos vinhos. Uma barreira de eucaliptos protege os vinhedos da brisa marítima e empresta seu peculiar aroma ao caráter dos vinhos. O terreno é pontilhado por colinas que oferecem uma perfeita exposição solar nas faces sudoeste. Surpreendentemente, quando perguntei o que significavam as duas linhas retas que enfeitam os rótulos, as meninas explicaram que eram a representação das colinas. Não aguentei: colinas planas? Fala sério...
A produção vinícola é muito recente e apenas em 1993 começou a ser comercializada. Isso, no entanto, não impediu que um de seus vinhos fosse agraciado, desde o primeiro ano e em todas as safras subsequentes, com os cobiçados Tre Bicchieri do Gambero Rosso. Nada mal, não é mesmo? E em seus poucos anos de vida, a vinícola já conquistou sua primeira estrela desse guia, coisa que a maior parte dos produtores, com muito mais tempo de Calçadão, ainda anseia por conseguir.
A linha oferecida durante o almoço é consistente e fascinante. E o cardápio elaborado pelo Bazzar, magistralmente harmonizado, só fez valorizá-los. O Capannino 2007, vinho de entrada com um complicadíssimo corte, era fácil e gastronômico. Mas, contrariando toda a lógica, o cavalo-de-batalha da Terriccio é mesmo o mais estruturado e harmonioso Tassinaia 2005, um Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Merlot em partes iguais, com 14 meses em carvalho francês, do qual são produzidas cerca de 100.000 garrafas, contra a mais modesta quantia de 23.000 do vinho de entrada.
Subindo vários degraus, o complexo, aveludado e condimentado Castello del Terriccio 2004, um corte meio Rhône, meio Bordeaux, que envelhece separadamente durante 18 meses em carvalho francês, recebeu 93RP. E merecidamente...
E para finalizar o desfile, o grandioso Lupicaia 2004, um carnudo, elegante e atraente corte bordalês, que foi o tal que recebeu Tre Bicchieri em todas as safras desde que começou a ser produzido.
Infelizmente, os vinhos do Castello del Terriccio não são para qualquer um. A menos que você não se preocupe com valores ou tenha ganhado recentemente na mega-sena, eles ficam bem distantes dos bolsos dos pobres mortais, com etiquetas que variam de 72 reais, para o vinho de entrada, até impensáveis 600 reais, para o nobre Lupicaia. Tratei, então, de beber o mais que pude para guardar nas papilas essa fantástica experiência que, muito provavelmente, não terei a oportunidade de repetir.
Oscar Daudt |