
Os auto-denominados Douro Boys são um grupo informal de 5 produtores: Quinta do Vallado, Niepoort, Quinta do Crasto, Quinta do Vale Dona Maria e Quinta do Vale Meão. Segundo o livro Os Sabores do Douro e do Minho, de Marcelo Copello, os componentes "têm como objetivo agir em bloco, estabelecendo um padrão de qualidade, de tipicidade, mas não de estilo. Compartilham informações, resultados, laboratórios, provam os vinhos uns dos outros e dão sugestões."
O sucesso do grupo foi avassalador. Não apenas pelo nome, uma bem sucedida estratégia de publicidade, mas também pelos vinhos que fizeram o Douro tão respeitado internacionalmente pelos vinhos de mesa quanto já era pelos Vinhos do Porto. Apesar de eles já não serem tão boys assim, o nome colou e será engraçado, daqui a mais alguns anos, quando já senhores provectos, continuarem a ser assim chamados.
E foi exatamente um dos Douro Boys, João Ferreira, figura afável e divertida, cheio de histórias curiosas para contar, que veio ao Rio de Janeiro para apresentar os vinhos da Quinta do Vallado em um inesquecível almoço no Eça.
A Família Ferreira está envolvida com a produção de vinhos desde o longínquo ano de 1751, quando foi fundada a Casa Ferreira. Seu membro mais famoso foi Dona Antónia Adelaide Ferreira, nascida em 1811. Quando enviuvou, aos 33 anos, D. Antónia tomou as rédeas da empresa e revelou-se uma mulher de fibra, empreendedora, antenada com as tecnologias de ponta da época. Quando morreu, com 85 anos, era dona do maior grupo vinícola português e uma das pessoas mais ricas daquele país. Apesar de toda a riqueza, sempre foi uma mulher humilde e generosa, avessa às glórias que o dinheiro poderia lhe render.
Após alguns séculos como negócio familiar, em 1987, a empresa foi vendida para o poderoso grupo Sogrape, mas conservou a Quinta do Vallado que hoje é administrada por dois tataranetos (acho eu que é isso) de D. Antónia: os primos João e Francisco Ferreira.
O enólogo da empresa é ninguém menos do que Francisco Olazabal, o também garoto de ouro com sua Quinta do Vale Meão e igualmente primo de João. D. Antónia ficaria orgulhosa de ver que continua tudo em família. E no meio das conversas do almoço, ainda aprendemos que a mulher de João é uma Douro Girl, co-proprietária da Quinta do Crasto. A família está muito bem de vinhos!
Os vinhos da Quinta do Vallado |
Iniciamos o almoço com um branco bem fresco, floral e mineral, o Vallado Branco 2008, corte de Rabigato, Verdelho, Viosinho e Arinto. No meio da descrição do vinho, João se deixou levar pelo momento e passou a descrever também a maravilha do Quinta do Vallado Reserva Branco, com estágio de 10 meses em carvalho novo. Meu coração ingênuo, cheio de contentamento, perguntou se iríamos prová-lo a seguir. Qual o quê! Era só para dar água na boca. Minha decepção deve ter sido tão transparente, que Fernando, da Cantu, tentou consertar prometendo que iríamos prová-lo em breve. Vamos ver...
Seguimos com o Vallado Tinto 2007, um vinho que mistura inidentificáveis vinhas velhas com uvas de nome e sobrenome de vinhedos mais novos e cuja passagem em madeira é marginal (apenas 20%) e quase imperceptível. Com aromas de frutas maduras, envolto em veludo e com muita elegância, é um vinho apropriado para o outono que vem pela frente aqui no Rio de Janeiro e que mereceu nada menos do que 93 pontos da Wine Spectator.
Subindo mais um ponto na Wine Spectator (94) e retirando vários reais a mais de nossos bolsos, o Quinta do Vallado Touriga Nacional 2007 era um show de bola! Eu na verdade acredito que, se o vinho anterior mereceu 93 pontos, este mereceria 193! Estava muitos furos acima... Com marcantes aromas de ameixas pretas e chocolate, era uma explosão de frutas e ao mesmo tempo um equilíbrio perfeito. Tem muita vida pela frente! Mas eu sou suspeito para falar desse vinho, pois a Touriga Nacional é uma casta que me deixa feliz só em ler seu nome no rótulo.
Finalmente, o Quinta do Vallado Reserva 2006 era o vinho que eu mais esperava, pois tenho uma garrafa da safra de 2008, recém comprada em Portugal, e queria ter uma prévia do que me aguarda. É um vinhaço, bem aromático, com violetas, frutas maduras e delicados tostados, antecedendo uma boca poderosa, suculenta e persistente. Quanto à safra que tenho, João aconselhou-me a esperar, pelo menos, mais 3 anos antes de abrir. O difícil será resistir...
Não é justo terminar essa matéria sem falar no conjunto e na harmonia da escola de samba que desfilou pelo Eça. Além dos vinhos maravilhosos, da presença divertida e agradável do João Ferreira e de uma troca de idéias bastante proveitosa, a equipe do restaurante gabaritou. Foi um almoço para guardar nos mais recônditos escaninhos da memória, para nunca mais esquecer.
A cozinha do chef Frédéric de Maeyer estava nos trinques, com pratos leves, criativos, saborosos e finamente decorados. A sommelière Deise Novakoski, que comandou a harmonização, fez a diferença. E ali pelas 4 da tarde, quando todas as mesas já haviam partido e nós continuávamos por lá como se não houvesse amanhã, ambos vieram fazer parte de nossa mesa e apresentar os exóticos chocolates da sobremesa. Dessa vez, eu não resisti e tive de experimentar os insólitos sabores - tonka (uma fava brasileira) e galanga (gengibre do Laos) - de que eles eram feitos. Exóticos demais para serem descritos, mas deliciosos demais para deixar de serem provados.
Oscar Daudt |