
O requinte da simplicidade |
Só mesmo o chef Roland Villard para apresentar um menu todinho elaborado com os dois mais triviais ingredientes da cozinha brasileira, presentes em todas marmitas dos trabalhadores e nas mesas mais simples - e nem tão simples assim - pelo Brasil afora: arroz e feijão. E foi para conhecer esse menu que recebi o convite para jantar esta semana no Le Pré Catelan.
Mas é claro que eu não estava esperando um jantar com várias etapas de baião-de-dois. Partindo do Roland, o mínimo que se poderia esperar era o máximo. E o chef explicou que o lançamento de um menu-degustação como esse é trabalho de quase um ano, entre a concepção, as várias tentativas e os testes com convidados. Mas finalmente, esta semana, o menu entrou no ar para valer e ficará como uma das alternativas do restaurante, além do Menu Amazônia e do cardápio usual.
O objetivo do chef foi o de valorizar uma dupla que é uma instituição cultural brasileira. E ambos os ingredientes estão presentes em absolutamente todas as etapas do menu, do couvert à sobremesa, quase sempre como coadjuvante. A simples idéia de uma sobremesa com arroz e feijão pode dar voltas nos estômagos mais sensíveis, mas fiquem tranquilos, pois foi tudo criado com muita delicadeza, sutileza e elegância. E extrema criatividade...
O couvert era dividido em duas partes: uma com arroz, outra com feijão. O rolo de arroz com lagostim e mamão verde era perfeito, mas o caldinho de feijão vermelho vinha acompanhado com um chantilly de gorgonzola, o que se transformava em um verdadeiro duelo de titãs que não tinham nada em comum. Felizmente, a fina camada do creme logo se foi e pude aproveitar a carreira solo do caldinho, sutilmente temperado com anis estrelado.
O prato de atum foi um dos pontos altos da noite. O Blinis de feijão manteiguinha - mais especificamente, um croquete amassado com um delicioso recheio de creme de feijão - vinha apoiando uma pasta de atum encimada com salada caprese. E temperando tudo, um pesto com o perfumado arroz Basmati. Experimentei cada coisa separadamente e depois preparei uma garfada com tudo junto misturado. Um show!
O melhor da noite, no entanto, foi o Risoto de arroz Carnaroli e feijão verde, camarão grelhado e bisque de azeite. Mais uma vez, fiz uma desconstrução e provei cada coisa de uma vez, para depois então rejuntar e experimentar a obra completa. O risoto era maravilhosamente indescritível e a vontade era de bater uma pratão só com ele. Mas o camarão era de fina estampa e o bisque, que se poderia jurar ser feito com creme de leite era, conforme explicou o chef, feito com azeite. Só comendo para crer!
A insólita mistura de Acarajé de feijão fradinho com foie gras funcionou magistralmente bem e o acompanhamento por pimentas dedo-de-moça "desapimentadas" era incrível, mas preferi comê-los sem o chutney de arroz vermelho, um tanto adocicado e frutado demais para meu gosto.
Porém, doce mesmo era o Granité de feijão Azuki com álcool de arroz e, exatamente por isso, nem preciso dizer que não comi. Mas os demais companheiros se surpreenderam com as lembranças de castanhas portuguesas que sorvete trazia à mente.
Um prato que me despertou sentimentos opostos, foi o Ballotine de galinha d'Angola com petit gateau de feijão. O petit gateau era uma massa de feijão branco e, como se fora um chocolate derretido, recheado com um creme de feijão preto. Tanto no paladar quanto no visual era genial. E em volta, os crocantes de arroz selvagem faziam o devido contraponto com a cremosidade do bolinho. O ballotine, no entanto, embora me enchendo os olhos, não me encheu as papilas. O recheio de coxas e cogumelos morilles era prá lá de especial, mas o filé de peito que o envolvia me pareceu muito seco.
Finalizando, o Entrecote com cebola roxa e feijão de corda era ótimo, mas o destaque ia mesmo para o croquete de arroz negro que lhe fazia companhia. Posso até dizer que o dia em que Roland decidir abrir um boteco carioca, é só servir esse croquete e o blinis de feijão manteiguinha que não sobrará nada para a concorrência.
Como sobremesa, veio a Mousse de feijão roxinho e creme de arroz argolinha branca com caramelo de laranja e sorvete de cupuaçu, mas eu passei essa etapa.
Resumindo, se você tiver 250 reais sobrando, não hesite em visitar o restaurante e pedir esse menu. O show de criatividade, beleza e sabores surpreendentes valem cada centavo.
Oscar Daudt |