
O Tavares, fundado em 1784, é o mais antigo restaurante de Portugal e o único de Lisboa que ostenta uma estrela do Guia Michelin. No entanto, essa estrela foi conquistada durante o período em que José Avillez comandava as panelas por lá. Desde o início do ano, por conta de desavenças com a administração da casa, o jovem chef deixou o tradicional restaurante e decidiu abrir suas próprias casas. E naquelas paragens, as pessoas se perguntam se, na próxima edição do Michelin, o Tavares vai conseguir sustentar sua estrela.
Inquieto, Avillez partiu logo para a abertura de duas casas ao mesmo tempo: o Cantinho do Avillez, inaugurado no início de setembro no Chiado, e o Belcanto, que abre as portas agora em outubro e fica a poucos passos do primeiro. O novo Cantinho tem uma decoração descontraída, despojada - quase franciscana - e o papel de parede imitando madeira de demolição passa até a impressão de que se está em uma favela cenográfica. Tanta simplicidade só pode ser para realçar a qualidade da cozinha.
Fomos - Luciana Lancellotti, Alexandre Lalas e eu - conhecer o novo endereço lisboeta no horário do almoço. O chef procurou abrir um espaço de comidas menos elaboradas e muito criativas, fazendo um sincretismo entre a cozinha portuguesa e as influências que recebeu em suas viagens. Na carta, uma dezena de entradas, outra dezena de pratos principais e alguns "pregos no pão" (o nosso bauru).
Como queríamos provar o máximo possível, pedimos a nossa bela atendente, uma loira bronzeada que parecia haver chegado direto de Ipanema, que escolhesse as 5 entradas mais representativas da cozinha.
Dentre as criações que aportaram em nossa mesa, compartilhadas por nós três, minhas favoritas foram as Vieiras marinadas com abacate (€7,25) - um espetáculo de cores que enfeitava o contraste do molusco com o creme da fruta - e a elegância da Farinheira com crosta de broa e coentros (€6,50), pois apesar de eu não me dar bem com essa erva, era muito discreta e o conjunto ainda me traz belas lembranças. Mas isso não quer dizer que eu não tenha me deliciado com os atraentes Peixinhos da horta com sal de limão e molho tártaro (€4,50), as Empadinhas de perdiz com bacon e cebolinhas (€3,75) e, em menor grau, com os cremosos Fígados de aves salteados com uvas e Porto.
Ao final dessa etapa, eu já estava a duas garfadas da saciedade, mas meus companheiros na sociedade gastronômica ainda tiveram o olho-grande de pedir mais três pratos! Gostei muito das Vieiras na frigideira com cogumelos e batata-doce de Aljezur (€16,95), com o inesperado da doçura da batata abraçando a vieira finamente temperada - e que Lalas não elogiou muito.
"Especial prá campanha" foi o Hamburger de Barrosã DOP com cebola caramelizada e foie gras (€14,75), elaborado com o rei do gado português acompanhado por um bom naco de um macio fígado gordo. Luciana, a encantadora crítica de gastronomia da Playboy, não conseguia conter os suspiros...
E finalmente o Risotto de boletos com lascas de parmesão (€16,45), sempre um porto seguro para meu paladar, mas que ficou apagado frente a tantas coisas novas e surpreendentes. Também, depois desse exagero gastronômico, ninguém podia mais com nada mesmo.
Ninguém podia, não, pois nem sei bem como, Luciana e Lalas ainda encontraram ânimo para encarar uma Avelã3 - leia-se avelã ao cubo - (€5,00), com sorvete, creme e farofa dessa gordurosa noz. Retiro o que eu disse sobre refeição leve...
Oscar Daudt |