
As Bodegas Torres elaboram vinhos há mais de 140 anos na Espanha, sendo um dos nomes mais respeitados da vinicultura ibérica. Sempre alerta à evolução dos mercados, a família expandiu seus domínios para a Califórnia e o Chile. Eu já havia conhecido o patriarca da família, o lendário Miguel Torres, em uma degustação no final de 2010. Um ano antes, tive a oportunidade de conhecer Marimar Torres, filha de Miguel, que administra a vinícola norte-americana. E agora foi a vez de compartilhar as taças com Miguel Torres Junior, obviamente, outro filho, que toma conta da vinícola chilena. Simpatia e simplicidade parecem ser herança familiar.
Iniciada em 1979, a Miguel Torres Chile foi uma das primeiras inversões estrangeiras no vinho daquele país e localizou-se no Valle de Curicó. Já 5 anos depois, a nova empresa compra uma área de 50ha, no mesmo vale, na qual havia um vinhedo de 3,6ha plantados com centenários pés de Cabernet Sauvignon - atualmente com 115 respeitáveis anos. E é precisamente daí que se originam os prestigiados vinhos Manso de Velasco Viejas Viñas, que tivemos a oportunidade de degustar em uma inesquecível vertical: 1998, 2003, 2006 e 2007.
Esse vinhos são todos elaborados com 100% Cabernet Sauvignon do citado vinhedo e envelhecem 18 meses em carvalho francês com percentuais diversos de barricas novas. São vinhos profundos e poderosos.
Durante a vertical, contrariando a opinião geral da mesa, que preferiu a safra 2006, eu me encantei com a 2003, já com aromas evoluídos mas ainda com muita fruta, elegância e maciez. A safra 2007 ficou com a opinião unânime - inclusive do produtor - de que estava ainda muito nova: Miguel recomendou comprar e... guardar. E o decano da mesa, a safra 1998, surpreendeu por sua vivacidade, com aromas frutados temperados com couro e caramelo e ainda a mostrar na boca a fruta que o gerou.
O inexorável caminho da agricultura orgânica |
Quando Miguel me perguntou o que o mercado brasileiro pensava da agricultura orgânica, da biodinâmica e do Fairtrade, eu respondi com sinceridade. Disse que a biodinâmica cheira mais a bruxaria (felizmente o produtor disse que pensava a mesma coisa); o Fairtrade é coisa para sensibilizar os consumidores escandinavos, não despertando muito interesse em nosso mercado; e que achava que a agricultura orgânica era um caminho obrigatório, cada vez mais valorizado e que, em poucos anos, será a preocupação maior dos consumidores. Será mudar ou morrer...
A Miguel Torres, atenta a esses movimentos, está a caminho da certificação de todos os seus vinhedos com essa sustentável técnica, já oferecendo ao mercado duas linhas de vinhos 100% orgânicos: a Tormenta e a Las Mulas, mas acredito que nenhuma das duas esteja em nosso mercado.
Foi um capítulo a parte o cardápio harmonizado por Marcelo Torres e caprichosamente elaborado pelo chef Pedro de Artagão. A apresentação era lindíssima, com montagens criativas, feito quadros de uma exposição. Mas o que me encantou mais, foi a delicadeza do paladar. A entrada era um Steak Tartare acompanhado por um ovo de gema mole, de cor pós-amarela, que além da beleza de uma pintura abstrata, era de uma gostosura difícil de descrever. Não me contive e raspei o prato...
O primeiro prato eu já havia gostado antes mesmo de provar, pois algo que é descrito como Gnochi de baroa com 5 funghi e óleo de trufas é a minha praia. Mas nem em meus mais delirantes sonhos poderia esperar que o conjunto pudesse ser tão bom quanto era. Os gnochi eram ao mesmo tempo crocantes por fora e cremosos por dentro e o tempero dos funghi e o perfume das trufas completavam um cenário de obra-prima gastronômica. Só penso em voltar lá para comer de novo. E da próxima vez, vou pedir dose dupla. De novo, dá-lhe pão raspando o prato...
O segundo prato, o mais bonito de todos, com uma decoração carnavalesca, era o Arroz de pato com calabresa, elaborado com arroz negro. Foi a única etapa do cardápio para a qual eu tenho alguma restrição, tendo em vista uma excessiva quantidade de sal que a tornava um tanto agressiva.
A sobremesa, um Napoleón de ricota com goiabada cascão, também era muito linda, enfeitada com coloridas flores, mas como vocês já podem imaginar, nem provei...
Foi interessante ouvir Miguel contar sobre a nova aposta da vinícola no Chile.
Eu nunca tinha ouvido falar na casta País, mas fiquei sabendo que, até a virada do século, era a uva mais plantada no Chile, quando foi suplantada pela Cabernet Sauvignon. Originária das Ilhas Canárias, onde leva o nome de Listán Negro, é conhecida também como Missión, na Califórnia, e Criolla Grande na Argentina. É uma uva muito produtiva e com isso utilizada para a elaboração de vinhos a granel.
Pois Miguel decidiu resgatar as tradições chilenas e apostar nessa casta para a elaboração de um espumante rosé pelo método tradicional, batizado de Santa Digna Estelado. Para tanto, o rendimento das vinhas foi diminuído drasticamente a fim de aumentar a qualidade do vinho, que Miguel atesta ser excelente. Depois de tanto falar no novo produto, que não é vendido aqui no Brasil, é claro que os convidados ficaram curiosos, o que fez o produtor prometer uma garrafa para cada participante. Tal promessa levou o diretor da DeVinum, Luiz Martin, ao desespero, pois, conforme ele me confessou, não há como cumprir a palavra do chefe.
E agora? Promessa é dívida! Vamos ver quem é que manda mais no pedaço...
Oscar Daudt |