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A lenda viva da Ribera del Duero
Até os anos 1970, Ribera del Duero era a região de uma vinícola só: a afamada Vega Sicilia. Enquanto esta produzia um dos mais apreciados vinhos do mundo, os demais produtores estavam ocupados em levar ao mercado vinhos totalmente dispensáveis.

E foi então que apareceu o incansável Alejandro Fernández (foto ao lado, com sua filha Olga) que, convencido de que aquela era uma das melhores regiões vinícolas do mundo, fundou a Pesquera, começando a produzir vinhos de alta concentração, complexos e não filtrados. Seus vinhos foram imediatamente reconhecidos, tanto na Espanha quanto no concorrido mercado internacional.

E esse sucesso foi a chave para desencadear uma verdadeira revolução pacífica na região, que hoje conta com duas centenas de vinícolas produzindo os tão prestigiados vinhos de Ribera del Duero, que estão nas papilas e na memória de qualquer enófilo que se preze. A notícia ruim é que o sucesso da região se refletiu diretamente nos preços e hoje é necessário desembolsar uma generosa quantia pelos melhores vinhos dessa DOC.

Alejandro é uma figura admirável. Do alto de seus 78 anos, é plácido, simples, simpático e entusiasmado, nem de longe representando o papel de "lenda viva" que exerce no plano internacional. Foi um privilégio compartilhar da mesma mesa - e dos mesmos vinhos, é claro! - dessa figura apaixonante.

As vinícolas de Alejandro
Atualmente, são 4 as vinícolas de Alejandro Fernández, que produzem um total de 1,8 milhões de garrafas ao ano:

  • Pesquera: a original, localizada em Ribera del Duero, na minúscula cidade de Pesquera del Duero que, segundo Olga, costuma ter 500 habitantes e nesses dias estava com apenas 497, tendo em vista a viagem dos 3 produtores;
  • Condado de Haza: também localizada em Ribera del Duero;
  • Dehesa la Granja: produzindo vinhos de Castilla y León;
  • El Vínculo: localizada na região de La Mancha;

    No Brasil, seus vinhos são importados pela Mistral, que ofereceu o almoço no eñe Restaurante, em São Conrado.

    Vinhos exuberantes
    Todos os vinhos das 4 bodegas são elaborados exclusivamente com a casta Tinto Fino (ou, mais simplesmente, Tempranillo), demonstrando a paixão de Alejandro por essa uva. Quando perguntei a Olga se nem um branco havia, ela me respondeu, sem grande entusiasmo, quase que envergonhada, que elaboram - ou elaboravam, não entendi bem - também um vinho da casta Airén. Mas fora isso, só Tempranillo!

    Desde o mais barato até o mais caro (e bota caro nisso!), os vinhos que circularam por nossas taças eram admiráveis e uma de suas características comuns é a excepcional capacidade de envelhecimento. O Dehesa La Granja 2004 é elaborado com uvas plantadas em Toro, mas sem a DOC dessa região, pois se identifica como Vino de la Tierra de Castilla y León. Sua idade avançada nem se insinuava na taça, onde aparecia um vinho macio, carnudo e cheio de frutas e frescor. Um sucesso que levou o consultor Paulo Nicolay a exclamar: "Um fantástico custo-benefício!". Foi o meu 2º preferido no almoço. E como é bom quando se gosta do vinho mais barato! Mas atenção, eu falei "mais barato" e não "barato"...

    Não houve vinho no almoço que não justificasse entusiasmadas demonstrações de apreço e de gostosura, como foram o Condado de Haza e os Pesqueras Crianza e Reserva. Mas esses eram muito novinhos, das safras de 2007/2008, e bem que mereceriam dormir algum tempo em minha geladega.

    Mas o grande destaque, o meu favorito do evento, foi o excepcional El Vínculo Paraje la Golosa Gran Reserva 2002, resultado do sonho de Alejandro de elaborar um grande vinho na nem tão prestigiada região de La Mancha, muitas vezes nem ao menos mencionada nos guias dos melhores vinhos espanhóis. Jovenzinho, quase um bebê, apesar de sua vida já bem longa. O produtor não se cansa de repetir que esse foi o primeiro vinho da região a ser servido na nobre e exigente mesa dos reis de Espanha. Produzido em raríssimas safras e sempre em pequena quantidade, é bom saber que partilho um gosto com Juan Carlos I.

    Olga não ficou muito contente quando eu lhe disse que o Pesquera Janus Gran Reserva 2003 era caro. Na verdade, caríssimo, com sua aterradora etiqueta de 364 dólares! E que, com isso, o vinho tinha a obrigação de ser maravilhoso e, portanto, eu havia preferido o vinho anterior, o tal de La Mancha. Assim como também maravilhoso foi o vinho trazido debaixo do braço de Alejandro, diretamente da Espanha, já que não é importado pela Mistral: foi o exclusivíssimo Pesquera Millenium 2002, que não quero nem saber quanto custaria por aqui. Um vinho tinto encorpadíssimo, complexo, intenso e longo que, bizarramente, sob a indicação do produtor, foi servido para acompanhar a sobremesa. Eu, como nunca participo dessa etapa da refeição, nem me importei e aproveitei o vinho à capela...

    Nota especial sobre o almoço
    Embora o motivo da reunião fosse o vinho, não posso deixar de mencionar o espetacular almoço oferecido pelo eñe Restaurante, que encantou a mim, aos demais convidados e principalmente a Olga Fernández. O Cozido de lentilhas com ibéricos espanhol (sic) era cremoso e poderosamente temperado com fiambres, um espetáculo! E o Jarret de vitela era saboroso, macio e acompanhado por magistrais cogumelos shimeji salteados. Se algum defeito tinha, o era de estar tão reduzido que seu molho grudava os lábios um no outro impedindo que se abrisse a boca para elogiar...

    E a boa notícia é que todos os pratos oferecidos constam do cardápio normal do restaurante.

    Oscar Daudt
  • Os vinhos
    Dehesa La Granja 2004
    Região: Castilla y León
    Preço: US$52,90
    Condado de Haza 2007
    Região: Ribera del Duero
    Preço: US$64,90
    Pesquera Crianza 2008
    Região: Ribera del Duero
    Preço: US$75,50
    Pesquera Reserva 2007
    Região: Ribera del Duero
    Preço: US$109,90
    El Vínculo Paraje La Golosa Gran Reserva 2002
    Região: La Mancha
    Preço: US$109,50
    Pesquera Janus Gran Reserva 2003
    Região: Ribera del Duero
    Preço: US$364,50
    O almoço harmonizado
    Tapa Cozido de lentilhas com ibéricos espanhóis Jarret de vitela
    O jarret já servido, acompanhado de cogumelos shimeji Leitão crocante com maçãs Crema catalana
    Os anfitriões
    Olga Fernández Rivera, filha de Alejandro
    Alejandro Fernández Miguel Ángel Bocos, diretor comercial e de marketing
    Os participantes
    Rodolfo Garcia, da Veja Rio Pedro Mello e Souza, da Eatin'Out Paulo Nicolay
    Bruno Agostini, de O Globo Ricardo Farias, da ABS-Rio Alejandro, com Yoná Adler e Luciana Plaas
    Marcelo Copello, da Vinoteca Homero Sodré Alejandro e eu
    (foto de Bruno Agostini)
    Alejandro com Alexandre Lalas e Luciana Plaas Bebendo cavas no jardim Tudo junto misturado...
    O serviço
    Márcio Roberto Souza Reis, diretor do eñe Carlos Augusto Martins Mendes, o sommelier
    A vista do restaurante
    Comentários
    Eduardo Amaral
    Enófilo
    Rio de Janeiro
    RJ
    14/07/2011 Grande evento!

    Esse senhor realmente sabe das coisas. É impressionante o impacto do nome "Pesquera" entre iniciados e iniciantes. Até meu pai sabe que é sinônimo de coisa boa.

    Muito bom ver os "El Vínculo" ganhando terreno. Eram as barbadas da Lavinia há alguns anos. Lembro de ter comprado uma meia dúzia do sensacional Reserva 2001 a menos de Eur 20 cada.

    []s,
    ==
    Edu
    José Paulo Schiffini
    Enófilo da velha guarda
    Rio de Janeiro
    RJ
    15/07/2011 Não posso deixar de agradecer o convite feito pela Mistral para participar do encontro de Alejandro Fernandez com os profissionais no salão degustação do Porcão Ipanema. O salão estava repleto como nunca vi.

    Alejandro ministrou uma grande aula de vida e o curso mais rápido de vitivinicultura que já participei ou já lí nos livros especializados, que dá para reproduzir aqui:

    1.O vinho é feito de uvas sadias e jovens.

    2.O vinhedo para ele deve ser plantado na direção que as uvas abracem a maior quantidade de radiação solar possível.(no caso dele voltados sempre para o Sul).

    3.A juventude da uva dura 10 dias, período que ela tem a pele esticada. Nesse período ela deve ser colhida, quando você achar que atende os níveis de açúcar, acidez, corpo, aromas, equilíbrio etc., para o estilo de vinho que você quer fazer... (No vinhedo de La Mancha era comum colherem as uvas em 20 de outubro; ele chegou lá e passou a colher no dia 7 de agosto, foi chamado de louco...).

    4.O calor estraga as uvas, fermente logo após colher.

    5.Pratique a viticultura orgânica, com leveduras nativas. (Ele não acredita em Biodinâmica)

    6.Fermente as uvas por 2 a 3 semanas entre 22 e 27 °C em aço inox.

    7.Amadurecimento natural (sem forçar a malolática) em vários tipos de carvalho. (Ele não gosta da classificação espanhola de joven, crianza, reserva e gran reserva, acha que isso foi cópia de Rioja, quando deveriam copiar o sistema francês...)

    8.Vinos los hay que servir frescos: 14°C e guardar a 12°C.

    9.Catar um vino tiene duas etapas: mirar lo e provar um gole e dizer se: gostou ou não gostou...

    10.O vinho deve ser feito para que qualquer trabalhador tenha condições de bebe-lo... O Vinho não deve ser caro !

    Todos seus vinhos são relativamente muito baratos e são para comprar de caixa !

    Tamanha simplicidade fez com que eu ficasse tão emocionado que o beijei !

    Schiffini
    Luciano Neto
    Enólogo
    São Paulo
    SP
    18/07/2011 Sorte a de vocês provarem desses grandes vinhos com uma personalidade como essa. É uma grande parte da história dessa "quase recente" região de alguns dos mais magníficos vinhos espanhóis.
    EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]