Guia Adega Vinhos do Brasil
Através de uma postagem no Forum Enológico, fiquei sabendo da edição do guia da Revista Adega com avaliação dos vinhos brasileiros. A mensagem foi enviada pelo confrade Cláudio Gelelete que teve o trabalho de montar uma planilha com os dados de todos os vinhos publicados e a gentileza de disponibilizá-la aos demais participantes do forum.

A revista pediu a todos os produtores que enviassem suas amostras, recebendo quase 300 vinhos que foram degustados às cegas por dois profissionais. Desses 300, algumas amostras foram descartadas por problemas, resultando em uma respeitável quantidade de 275 vinhos analisados e pontuados. Um total de 66 produtores foram representados, das diferentes regiões vinícolas brasileiras: Vale dos Vinhedos, Campanha, Campos de Cima da Serra, Serra Catarinense, Paraná, Vale do São Francisco e outras mais.

Para dar notas aos vinhos, foi utilizada uma classificação de 50 a 100 pontos, com as seguintes categorias:

  • Extraordinário: de 93 a 100 pontos
  • Excelente: de 88 a 92 pontos
  • Muito bom: de 83 a 87 pontos
  • Bom: de 76 a 82 pontos
  • Médio: de 70 a 75 pontos
  • Fraco: de 50 a 69 pontos

    Os 275 vinhos pontuados se dividiram em:

  • Espumantes: 102 rótulos
  • Brancos: 47 rótulos
  • Rosés: 6 rótulos
  • Tintos: 113 rótulos
  • Doces: 7 rótulos

    O guia se encontra nas bancas, ao preço de 24,90 reais.

    Até aqui tudo bem...
    Mas a minha estranheza foi constatar que todos - absolutamente todos - os 240 rótulos publicados no guia foram pontuados entre 86 e 90 pontos! Que coisa mais bizarra! Uma tal regularidade seria esquisita até mesmo para uma pequena denominação francesa, com rígidas regras para métodos de produção, rendimento, castas determinadas, envelhecimento e tudo o mais.

    Aqui para o Brasil, então, com dimensões continentais, com os mais diversos tipos de solos e condições climáticas, onde praticamente não existem normas e cada produtor planta o que quer e elabora o vinho como melhor lhe aprouver, é absolutamente incompreensível que 240 vinhos tenham tido uma avaliação tão próxima. Em uma escala de 50 a 100, um intervalo de 86 a 90 pontos é praticamente um empate técnico generalizado!

    Do total de vinhos pontuados, ainda houve 35 deles que obtiveram notas de 83 a 85, mas que não foram publicados no guia. A revista não deu uma explicação para essa ausência.

    Eu fui conferir os guias de vinhos de outros países e, em um levantamento superficial, pude constatar que, independente das escalas de pontuação, os guias atribuem de notas muito altas até notas muito baixas. Por exemplo:

  • Guia Peñin (Espanha): de 63 a 98
  • Guia Austral (Argentina): de 1 a 5 estrelas
  • Guia de Vinos (Chile): de 64 a 96
  • Guia Os 5 às 8 (Portugal): de 9,5 a 18

    É ou não é estranhável que o guia brasileiro apresente um resultado como esse?

    Oscar Daudt
  • Comentários
    Diego Arrebola
    Sommelier
    Campinas
    SP
    07/10/2011 Observação interessante... Põem em jogo a idoneidade desta iniciativa tão positiva.
    Jandir Passos
    Enófilo
    Rio de Janeiro
    RJ
    07/10/2011 É o fenômeno da multiplicação dos pontos... Apelação "númerica" e "adjetiva" desnecessária e irreal. Só compromete a credibilidade de todo um trabalho que vem sendo feito nos últimos pelos produtores nacionais.

    Ser otimista é uma coisa; já delírio, é outra.
    Ana Paula Valduga
    Diretora Comercial da Vallontano Vinhos Nobres
    Bento Gonçalves
    RS
    07/10/2011 Prezado Oscar, muito pertinente a sua avaliação e aproveitando o assunto gostaria de dizer que também passamos por uma situação estranha ao enviar as amostras de vinho para a avaliação desse Guia.

    A solicitação era de que só vinhos da safra 2008 em diante fossem enviados para avaliação. Muito me surpreendeu, ao receber o guia, encontrar vinhos de safras 2005 a 2007 entre os melhores avaliados. As regras para participar mudaram ao longo da avaliação sem que todas as vinícolas fossem avisadas, isto é, por uma falha de comunicação (?) definiram-se regras diferentes de participação para algumas vinícolas.

    Isso evidentemente prejudicou algumas vinícolas como a Vallontano, que só trabalham com tintos de safras mais antigas e que, seguindo as regras inicialmente definidas, não enviaram amostras desses tintos.
    Antonio Carlos Ferreira Lopes
    Enófilo
    Rio de Janeiro
    RJ
    07/10/2011 Oscar,

    O melhor de tudo é a foto (by Neneca Daudt) pelo que ela representa num processo desse. Diz tudo. Uma idéia genial de colocar algo que representa uma "quebra" de confiança num trabalho que poderia ter sido fenomenal.
    Carlos Arruda
    Academia do Vinho
    Belo Horizonte
    MG
    07/10/2011 Oscar, como já falamos no Forum Enológico, vários aspectos nessa degustação são quastionáveis:

    1 - A participação de apenas 2 degustadores leva os resultados para longe de um consenso de mínima amplitude. Para uma avaliação dessa envergadura a meu ver seriam necessárias pelo menos 8 pessoas.

    2 - A proximidade das notas para 240(!) vinhos é impensável. Ou quem degustou não consegue discernir ou as amostras são todas de vinhos especialíssimos, o que está longe de acontecer em nossa vinicultura iniciante. Em ambos os casos, esse resultado não presta um serviço aos consumidores.

    3 - Descartar vinhos de nota 83 a 85 não tem uma explicação lógica. Se eram ruins, a nota é indevida, se eram bons, ficaram apenas com o Olimpo dos Néctares? Duvido.

    4 - Não falo aqui de julgar os vinhos que não degustei, mas o critério - e os resultados - estão longe de representar uma realidade plausível, pelo que conheço do vinho brasileiro.

    5 - Notas entre 75 e 80 classificam vinhos honestos, perfeitamente bebíveis, e que geralmente têm preços bastante acessíveis. Não existe milagre, e essa faixa representa uma parcela muito ampla da produção e de consumo de qualquer país vinícola, o que dizer então de nosso país.

    Um grande abraço!
    Carlos Stoever
    Advogado e Enófilo
    Porto Alegre
    RS
    07/10/2011 De fato, chamo atenção para a MULTIPLICAÇÃO DOS PONTOS... Quantos anúncios recebemos diariamente referindo: "promoção de vinhos pontuados!"... Ora, pontuados por quem?

    Logicamente, os 90 pontos que eu atribuo a um vinho são muito menos significantes para o mercado do que os mesmos 90 pontos vindos de, p. ex., Robert Parker...

    Agora, não fujamos da máxima: bom é o que você gosta! Tenha quantos pontos tiver...
    Rogerio Goulart
    Enófilo
    Rio de Janeiro
    RJ
    07/10/2011 Oscar, o que você acha de fazer um confronto de dados dessa avaliação com a outra realizada em Bento Gonçalves recentemente?

    Forte abraço!

    Rogério, a ideia é interessante, mas eu não encontrei os resultados da Avaliação na página da ABE. No entanto, essa comparação nem seria necessária para mostrar o desserviço que esse guia representa para o vinho e para os enófilos brasileiros.
    Carla Santos
    Enófila
    São Paulo
    SP
    08/10/2011 Desculpe discordar da opinião de todos aqui. A mim parece que qualquer guia que venha a divulgar a produção nacional é digno de mérito. Tenho certeza de que, após a publicação desse primeiro guia, muitos outros seguirão a iniciativa, o que é válido.

    Na minha opinião, a formatação do guia em questão é convidativa à leitura e didática para aqueles que procuram conhecer o vinho brasileiro. Amigos que estiveram em casa sequer sabiam que algumas regiões produtoras avaliadas existiam.

    Notas sempre serão subjetivas, o que vale é a avaliação. O consumidor quer a nota. Bem, é só a minha opinião...
    Rafael Mauaccad
    Enófilo
    São Paulo
    SP
    08/10/2011 Neneca,

    Taça partida, ruptura de coração partido. Resta recolher os cacos, limpar o rescaldo.

    Afetuoso abraço,
    Rafael
    Roberto Cheferrino
    Enófilo Publicitário
    Rio de Janeiro
    RJ
    09/10/2011 ...pois é Oscar, esses resquícios eno-ufanistas de marketing "Brasil, beba-o ou deixe-o" não prosperam, são totalmente sem razão, pois nossa eno-diversidade celebra, como vc remarcou, a cada dia a capacidade de bons e criteriosos vinhos brasileiros e ao gosto de cada um.

    Abrs
    Aurora Lilian Rodrigues
    Enófila, fundadora Espumas e Paetês e Analista de Sistemas
    Rio de Janeiro
    RJ
    10/10/2011 "Há algo de podre no reino da Dinamarca", mas infelizmente isto não me espanta no reino do BRASIL.
    Eder Heck
    Mr. Lam
    Rio de Janeiro
    RJ
    10/10/2011 Oscar,

    Vc sabe quem foram os Provadores? Tendo esta informação tudo se esclarece!!! abs

    Eder, como para mim não ficou muito claro mesmo depois de ler, vou simplesmente copiar a explicação da revista:

    "Contamos, então, com a disposição de nossos degustadores Juliana Reis e Hong Sup Kim, além de manhãs e tardes de nossos editores de vinho Sílvia Mascella Rosa e Eduardo Milan, além do trabalho dedicado e competente de nosso editor-chefe, Arnaldo Grizzo, e de nosso diretor de arte, Ricardo Torquetto."

    Quem você acha que degustou afinal? Todos os citados ou só os dois primeiros?

    Abraços, Oscar
    Eduardo Araujo
    Sommelier - Santa Adega
    Florianopolis
    SC
    10/10/2011 Bela observação! Já não é a primeira vez que algum "guia" de vinhos brasileiros mostra dados estranhos.

    Creio que grande parte dos amigos aqui já participou de degustações às cegas e viu que a variação existe, e muito!

    Frequentemente realizo ou participo de degustações técnicas (sem o objetivo de espalhar aos ventos qual vinho mereceu tal ponto) para treinar as minhas percepções e é clara a diferença entre vinhos de mesmo custo, imagina de preços bem diferentes. E coloco aqui uma dificuldade pessoal de "distribuir" notas altas, próximas a 90 pontos.

    Enfim, concordo com o ponto de vista dos amigos. E não entendi bem quem degustou o que. Poderíamos ter um serviço melhor ao novo consumidor e não apenas iludi-lo que qualquer vinho que ele comprar no Brasil será ótimo!
    Yann Lesaffre
    SBAV
    Rio de Janeiro
    RJ
    13/10/2011 Oscar,

    Pelo pouco que conheço, é simplesmente impossível que dentre 275 rótulos válidos não existam muitos abaixo de 86 pts, mesmo que a comparação seja somente com brasileiros. E vou dizer mais, mesmo sem ter lido o guia e correndo o risco de parecer antinacionalista, com certeza tem muito vinho nesses 275 que não merecem nem 70 pontos.

    Existem vinhos brasileiros de qualidade e que na maioria das vezes, como todos sabemos, tem preços pouco competitivos num mercado global, mas são exceções. Mas temos que manter o pé no chão... na minha opinião, ainda falta muito, mas muito mesmo, para que tenhamos vinhos de alta qualidade a preço justo e capazes de concorrer dentre os melhores do mercado mundial.

    E esse tipo de avaliação não ajuda em nada, pois não reflete a realidade. Quem consegue acreditar que só temos vinhos muito bons, excelentes e extraordinários? Afinal, se tivéssemos tantos vinhos nessas categorias, já seríamos uma potência no mundo do vinho......... Somos?
    Osvaldir Castro
    Enófilo
    São José do Rio Preto
    SP
    14/10/2011 Um tremendo desserviço em relação ao vinho nacional. É uma brincadeira de tremendo mau gosto. Fala sério!!!
    Arlete de Oliveira
    Enófila, jornalista
    Porto Alegre
    RS
    06/02/2012 Estou achando estranho a maioria dos comentaristas por em questão o fato da análise ter sido feita por "apenas" dois profissionais em relação à quantidade das amostras. Tenho comigo o "Anuário Brascó de los Vinos Argentinos", edição 2006, escrito por Miguel Brascó e Fabricio Portelli, dois profissionais renomados argentinos na área do vinho. Eles analisaram 1.300 vinhos e qualificaram 1.200. Os dois dão notas separadas a cada um dos vinhos analisados, entre 50 a 100 pontos.

    Tenho também o "Guia de Vinos Chilenos", do respeitadíssimo Patrício Tapia, edição 2006, que apresenta vinhos com pontuações apenas na faixa de 80 a 95, proveniente de 262 vinícolas (no mínimo dois vinhos por vinícola). Escolheu as melhores.

    Então, pessoal, cuidado com críticas apressadas. Esse guia pode ter defeitos, mas é um trabalho louvável, uma visão inicial do "estado da arte" vinícola brasileira, que certamente crescerá. Outros guias, de outros especialistas também virão, para o enriquecimento do nosso conhecimento.
    EnoEventos - Oscar Daudt - (21)9636-8643 - [email protected]