
Andrea Panzacchi é um italiano de Bolonha que veio morar no Rio de Janeiro e trouxe os conhecimentos de sorvetes de sua terra para abrir, em Ipanema, a Vero Gelato Italiano. Mas quem sou eu para opinar? Não me apetecem os sorvetes e, consequentemente, nunca visitei a casa. Mas aqueles que não resistem a uma casquinha são unânimes em elogiar a variada gama de sabores que se exibem por lá.
Pois Andrea, há poucas semanas, visitou sua terra natal e aproveitou para comprar os vinhos de que mais tinha saudades, voltando com a mala cheia de garrafas. Chegaram todas inteiras, para nossa sorte, pois como um bom samaritano, o bolonhês decidiu compartilhá-las com os amigos - dentre os quais tive a alegria de ser incluído - 10 dos inéditos rótulos que o acompanharam na viagem de volta.
E as saudades de Andrea não eram chauvinistas, pois os 10 vinhos apresentados tinham procedências diversas: 5 italianos, 3 eslovenos, 1 francês e até mesmo um rótulo da desconhecida Geórgia. A única característica a costurar essa diversidade temática era o fato de que os vinhos eram todos biodinâmicos. Eu nunca havia ouvido falar de nenhum desses rótulos e não acredito que eles tenham importador no Brasil. Portanto, foi uma noite de muitas surpresas, essa que aconteceu na Grand Cru Ipanema.
Três espumantes, ou melhor, dois... |
Os trabalhos se iniciaram com 3 espumantes - e como é bom um trabalho assim! O primeiro foi um blanc de blancs Casa Caterina Cuvée 60 Brut Nature, de um pequenino produtor (apenas 15.000 garrafas no total) localizado em Franciacorta, que preferiu renunciar ao direito a estampar a DOC no rótulo para fazer seus vinhos como melhor lhe aprouvesse. E este espumante era bem fresco, cítrico e recendendo a deliciosos aromas de leveduras decorrentes de seu longo estágio - como o nome implica, 60 meses - sobre as lias. Mais delicioso ainda do que o primeiro, seguimos com o Champagne Marie-Noelle Ledru Grand Cru Millesime 2002 Brut Nature, deliciosamente seco, com muita estrutura e ainda mais aromas de padaria para encantar meu paladar.
Para quebrar um pouco a corrente, um vinho da Eslovênia, repleto de letras C acentuadas com circunflexos invertidos e com economia de vogais: o Cotar Crna Penece era um esquisitíssimo espumante tinto elaborado com a casta Terrano - que vem a ser o nome esloveno para a Refosco - que me desagradou em cheio, com um caráter bastante rústico. Andrea contou que as vinhas nascem em terreno ferruginoso e seu teor de ferro é tão alto que não é recomendado exagerar na dose para não ter problemas digestivos. E apesar disso, os olhinhos do sorveteiro brilhavam a cada gole. Com certeza, um gosto adquirido a duras penas. Mas para mim, não valeu...
Quatro brancos em ordem de cor |
Partimos então para uma sequência de 4 brancos que, a cada taça, chegavam com uma cor mais amarelada, mais dourada, chegando até o laranja. O primeiro era um I Clivi San Pietro Friulano 2010, aromático à exaustão e um tanto carente de acidez. Mas a coisa melhorou, e muito, quando o vinho seguinte recuou 6 anos no tempo: o I Clivi Galea 2004, corte de 95% de Friulano (de 65 anos) e um temperinho de Verduzzo, tinha um belo corpo, era gordo e seus aromas eram deliciosamente frutados, apimentados e com notas de mel. Um espetáculo!
Voltando à Eslovênia, conhecemos a vinícola Movia, uma das poucas empresas que não foram estatizadas nos tempos da Iugoslávia de Tito, em função do apreço que o ditador tinha por seus vinhos. Localizada na fronteira com a Itália, seus vinhedos não respeitam os limites internacionais e alguns invadem pacificamente o vizinho país. Provamos um branco e mais adiante, como veremos, um tinto. E o branco foi o melhor da noite: o Movia Rebula 2002 (ou Ribolla para os italianos), era um vinho já oxidado - como eu bem aprecio - com aromas de caramelo e de grapefruit, lembrava um jerez, e preservava uma deliciosa acidez. Perdi a conta de quantas vezes eu reenchi a taça. Meu bem, meu zen, meu mal...
Mas a grande expectativa do noite era conhecer o vinho da Geórgia, antiga república soviética da qual não se conhece nada sobre os vinhos, nem nada sobre qualquer outro assunto. E o vinho era o branco , elaborado com a casta ... Brincadeirinha, tinha tradução para caracteres ocidentais no rótulo. Era um Prince Makashvili Rkatsiteli Tsarapi 2007. Tudo esclarecido agora? Seu método de produção é milenar, com as uvas sendo fermentadas em grandes ânforas enterradas, nas quais se coloca tudo lá dentro, inclusive os engaços. A casta Rkatsiteli (foto ao lado) é - pasmem! - a terceira variedade mais plantada no planeta, sendo muito comum nas antigas repúblicas soviéticas, principalmente na Georgia, onde acredita-se que essa uva era cultivada há mais de 5.000 anos! É uma casta que apresenta alta acidez e aromas florais e de especiarias, mas o vinho provado não chegou a apresentar essas características. Apesar disso, tinha uma cor maravilhosa, alaranjado com tons rosados, e um nariz peculiar que levou um dos participantes - não conto quem foi - a definí-lo como uma "rosa tangerínica". E nem adianta procurar no Google o que seja isso, pois nem ele registra.
O primeiro era um friulano I Clivi Galea Rosso 2004, o mais papai-e-mamãe dos três, elaborado com 100% de Merlot de 60 anos e com 10 meses em barricas usadas. Um vinho delicioso com muita canela temperando o nariz. Voltamos então para a Eslovênia com o Movia Modri Pinot 1998 (ou Pinot Noir para o ocidente), um vinho espetacular que nem de longe revelava seus provectos 13 anos: era novinho, com aromas de compota de frutas e terra molhada, muito macio e suculento. Só não foi o melhor tinto por causa do vinho seguinte...
A casta Pignolo, autóctone do Friuli, esteve em vias de extinção, tendo em vista sua baixa produção e sua qualidade muito instável. No entanto, alguns pequenos produtores, reconhecendo a importância comercial da casta, decidiram recussitá-la e atualmente pode-se encontrar vinhos varietais intensos e profundos com a Pignolo. Eu confesso que fiquei apaixonado pelo Bressan Cru Pignol 1999, que afina durante 3 anos em carvalho. O nariz era inédito, exótico, floral, apimentado e com muitos outros aromas que eu não consegui reconhecer. Escarnecendo de seus 12 anos, a boca era fresca, cheia de frutas, macia e refinada. Uma pena que não exista aqui nos trópicos...
Grazie, Andrea!
Oscar Daudt |