
A história da Bodega Marqués de Murrieta é rocambolesca e digna de ter saído da imaginação do mais criativo autor de novela das 8. Inicia-se no Peru, desenrola-se por guerras e naufrágios, sonhos, dedicação e empreendedorismo até chegar ao que é hoje, uma das mais respeitadas vinícolas de Rioja.
O Conde de Creixell, que assina o interminável nome de Vicente Dalmau Cebrián-Sagarriga y Suárez-Llanos, assumiu a direção da empresa com a tenra idade de 24 anos, devido à prematura morte de seu pai. Sua primeira decisão foi a de lançar um vinho com seu próprio nome, o cultuado Dalmau. Antes que se pudesse criticar o egocentrismo, Vicente explica: "Eu era jovem e inseguro e tomei essa medida como forma de deixar claro a todos que a bodega tinha um novo comando".
Com seus 300ha de vinhedos em Logroño, a Marqués de Murrieta possui a maior área plantada daquela região e é uma das únicas duas vinícolas que elaboram seus vinhos exclusivamente com uvas próprias. E esse é exatamente um dos quatro pilares que sustentam a filosofia de negócios da bodega. E o conde relata as outras três: "vinícola familiar; equilíbrio entre tradição e modernidade; produção exclusiva de vinhos de qualidade e personalidade".
Apesar de sua origem nobre - ou exatamente por isso - o conde é um sarcástico gozador que conduziu com descontração o almoço oferecido pela importadora World Wine no Gero de Ipanema. Além dos momentos divertidos, a tarde ficou marcada pelo excepcional caráter dos vinhos. "Todos eles numerados!", explicou Vicente, muito embora a quase totalidade dos rótulos apresentassem, como numeração, apenas a safra...
O primeiro vinho do almoço foi o Pazo Barrantes 2010, elaborado pela propriedade homônima da Galícia: um Albariño de longa fermentação, com uvas sobrematuradas, resultando em um vinho espesso, estruturado e de agradável acidez. É o único rótulo produzido nas Rías Baixas, mas apenas por enquanto, pois o produtor nos adiantou o breve lançamento de um outro Albariño que será estagiado em madeira. Estou curioso...
Mas eu fiquei encantado mesmo foi com o branco seguinte, o Capellanía 2006, 100% Viura de 60 anos e baixo rendimento, que fermenta por 25 dias e estagia por longos 18 meses em barricas novas de carvalho francês. Ótimo frescor, acompanhado de aromas de frutas secas, mel e mineralidade. Um espetáculo de grande complexidade.
Mas é no terreno dos tintos que a Murrieta demonstra a Brastemp que é... O tradicional Marqués de Murrieta Reserva 2005 percorre um longo caminho até chegar a nossas taças: são 8 meses de estágio em barricas novas de carvalho americano e mais 22 meses em barricas usadas. Não contente com essa espera, o vinho ainda descansa preguiçosamente por mais 12 meses em garrafa. Toda essa espera vale a pena, pois o vinho é suculento, cheio de fruta e os aromas de tostados e canela estão bem presentes. E se você quiser criar uma inimizade com o conde, basta dizer que a madeira está sobressaindo. Prá quê?!? Ele expulsa você da mesa...
O inesquecível Castillo Ygay Gran Reserva Especial 2001 é ainda mais demorado, pois depois de uma crianza de 10 meses em barricas novas e 21 meses em barricas usadas, ainda é esquecido nas garrafas por mais 36 meses. Haja paciência para esperar que esse ícone espanhol fique pronto! E ele chega com toda a pompa exibindo seus elegantes aromas de couro, condimentos e frutas, respaldados por deliciosos e aveludados taninos e farta persistência. Show de bola! (Observação: esse vinho custa caro - 348 reais - mas parece até barato frente ao preço da safra 1978, também à venda pela World Wine, que surrupia da conta bancária a assustadora quantia de 1.140 reais!)
Já o Dalmau 2007 (lembram, aquele vinho de auto-afirmação?) chega às taças zombando das regulações da DOC Rioja, pois é elaborado com 92% de Tempranillo, 4% de Graciano e... 4% de Cabernet Sauvignon, o que é explícitamente proibido. Mas, explica Vicente: "Como nosso vinhedo de Cabernet é mais antigo do que as determinações do Conselho Regulador, nós podemos utilizar essa casta sem perder o direito de estampar DOC Rioja no rótulo." Moderno, carnudo, cheio de fruta, com muito corpo, em suma... delicioso! Mas nada mais do que a obrigação, visto que sua etiqueta de preço pesa 720 reais!
Oscar Daudt |