 |

A gente se dá conta de que está tudo "dominado" quando um amigo lhe convida para uma degustação em Brasília e... você vai! Pegar um avião no fim da tarde, apenas para beber vinhos e voltar no dia seguinte de manhã cedo, é só para quem está muito fissurado.
Mas há atenuantes para essa esdrúxula programação: a passagem foi resgatada com milhas, o hotel era baratinho, a possibilidade de rever grandes amigos reunidos era única e os vinhos - mesmo que desconhecidos - eram tentadores. O convite partiu de Eugênio de Oliveira, do blog Decantando a Vida, um dos maiores apreciadores de vinhos brancos que eu conheço. E acompanhando suas matérias, a gente pode ver que ele não brinca em serviço: nas suas taças só passam coisas seríssimas. Eu não poderia perder essa oportunidade de conhecer excelentes e insólitos vinhos.
O encontro aconteceu no prestigiado restaurante Dom Francisco, no Lago Sul, onde o salão era dividido com respeitáveis senadores da República. Mas nenhum de nós teve intoxicação...
Mais perdido do que cego em tiroteio |
A degustação foi toda às cegas, bem do jeito que eu não gosto. Eu nunca acerto nada mesmo e apenas perco a oportunidade de aprender melhor. Quando o nome é revelado, o vinho já acabou... É claro que tem o aspecto bom de apreciar os vinhos por suas qualidades intrínsecas, sem se deixar levar por um nome e blá-blá-blá, mas eu realmente gosto é de saber o que estou bebendo, enquanto estou bebendo.
O primeiro vinho apresentado já foi uma bela surpresa. Um espumante envelhecido, amarelo-ouro, cremoso, com aromas de mel e encantadoras leveduras, logo me remeteu a um grande Champagne safrado. Mas qual o quê... Tratava-se do Espumante Estrelas do Brasil Brut Champenoise 2006. Eu já havia provado esse vinho lá pelos idos de 2008 e havia gostado. Mas nada que se comparasse com a brilhante evolução que o vinho ganhou na garrafa. Por 45 reais (vinhosevinhos.com) é uma verdadeira barganha!
Outro vinho que eu já conhecia - este de há poucas semanas apenas - foi o excelente Claude Courtois Les Cailloux du Paradis 2005, elaborado com a quase extinta casta Romorantin, foi a repetição de um prazer, com sua acidez eletrizante e encantadores aromas de grapefruit. Um show! E a partir daí, tudo o mais foi novidade.
Após a prematura morte do cultuado Didier Dagueneau, seu filho Louis-Benjamin continuou o minucioso trabalho de seu incansável pai, sempre em busca do melhor Sauvignon Blanc que se possa produzir. O Didier Dagueneau Clos du Calvaire 2008, trazido por Guilherme Mair, que conseguiu comprá-lo na França após uma busca do tipo Sherlock Holmes - já que mesmo lá o vinho é raríssimo - foi um dos destaques da noite. Plantado no minúsculo Clos du Calvaire, o único vinhedo murado da região, em pé franco, com densidade de 11.000 pés por hectare, resulta em um acidez poderosa, com pronunciados aromas minerais e frutados. Foi uma oportunidade de ouro ter conhecido esse vinho.
Partimos, então, para os tintos e o primeiro deles foi o melhor: o Simcic Teodor Rdece Selekcija 2006, um fenomenal corte bordalês esloveno que repousa intermináveis 45 meses em carvalho, com um cativante nariz de canela e goiaba e uma boca aveludada, fresca e finamente estruturada. Um vinhaço para deixar a linda Mateja explodindo de orgulho!
Após mais dois belos tintos, voltamos para um branco, ao final da noite. No nariz, os aromas eram um verdadeiro mel, compotado, lembrando conserva de abacaxi e meus preconceitos contra os doces falaram por mim: "Eu não vou beber esse vinho!" Mas por insistência do Eugênio, provei e a cabeça entrou em parafuso, pois a boca era seca, cítrica, apimentada, levemente oxidada, maravilhosa, me fazendo apostar que seria um Jerez. Que nada! Era o Baud Père & Fils Cuvée Tradition Côtes de Jura 1996, um corte em partes iguais de Savagnin e Chardonnay.
Deixo aqui meu agradecimento ao Eugênio por essa noite de grandes vinhos, alta gastronomia e boas e acaloradas discussões.
Oscar Daudt
15/03/2012 |
|