
"Is that normal?" – perguntei ao maître do restaurante quando senti um tremor de terra e som de tambores que pareciam vir dos deuses.
Decidido a nos tranquilizar, afirmava com um sorriso quase sarcástico: "Normale!!!! Every fifty hours... Bummm! Etna parla!"
Assim começou minha noite no Hotel Gran Timeo de Taormina, onde estava hospedada já há 2 dias e ansiava (até então) por um pronunciamento do idolatrado vulcão. Era uma linda noite e, pela primeira vez, à luz das minúsculas erupções que começavam, enxergava seu cume. Sem elas, as nuvens que se condensam sobre a cratera fazem o Etna parecer uma montanha qualquer.
O "bumbo" celeste que começara tímido e ritmado, não cessava. Tentei me concentrar no jantar em vão. A voz grave, crescente e assustadora daquela enorme massa de terra e o vai e vem de clientes que começava a fotografar o espetáculo, me impediam de pensar em qualquer outra coisa.
Felizmente, fui arrancada do estado apocalíptico em que me encontrava graças ao sorriso da linda jovem que proferia a palavra mágica: "Vinho?".
A sommelière Veronica Bonelli, linda e competente, despejou o Etna em meu copo, na forma do delicioso Serra della Contessa, do Benanti. Era uma explosão de fruta e grafite com séculos de guarda pela frente. Suspirei.
Ainda por suas mãos, provamos nas noites que se seguiram o Duca Enrico 2006, da Duca di Salaparuta, primeira família a fazer um bom Nero d’Avola, como explicava a didática Veronica. O vinho era equilibrado e carnudo, com uma cereja madura que enchia a boca.
Também mergulhamos no delicioso vinho de sobremesa Muffato della Sala 2006, do Antinori (Umbria), uma mistura de sauvignon blanc, grechetto, traminer e riesling cuja melhor tradução seria uma untuosa torta de pêras. E ainda, o incrível Bukkuram 2006, pleno de café e chocolate nos aromas e paladar, ganhando imediatamente o pódio de meu vinho de sobremesa siciliano preferido. O produtor é o Marco de Bartoli e o vinho é fabricado com a uva zibibbo (ou moscatel de Alexandria), na ilha de Pantelleria.
E, como se não bastasse, no último dia de nossa estada, Veronica diz: "Tenho uma surpresa!". No Gran Timeo é preparada uma bebida única, aos moldes do Limoncello, só que com amora. Como a fruta nasce da planta do bicho da seda, o licor foi batizado de Licor de Seda. O resultado é um néctar de amora com toque de anis e especiarias quase inacreditável, dado que no preparo só entram açúcar e álcool.
Mas não nos deixemos divagar e voltemos ao vulcão.
A mesma equipe de salão que afirmava calmamente: "Normale!", subitamente deixa as mesas, põe seus celulares para fora sob os protestos do maître, e começa a filmar o espetáculo. Me ergui em estado hipnótico e assisti, de camarote, à mais linda expressão da Natureza.
Com muita dificuldade, uma lente inadequada e tremendo de emoção, consegui captar o momento em que o Etna se despedia. Durante toda a erupção fiquei absolutamente estática, enquanto o vulcão reafirmava com violência minha absoluta insignificância.
Como uma guerreira que devora o coração do inimigo para tomar-lhe as forças, sorvi vários goles do Etna em meu copo. Chorei.
No dia seguinte, li no jornal que a noite de 30 de julho de 2011 tinha sido palco de uma das grandes erupções do vulcão, como há muito não se via.
Meninos eu vi, sorvi e vivi.
Cristiana Beltrão é empresária, proprietária dos restaurantes Bazzar e editora do blog Viaje com o Bazzar.
27/03/2012 |