
Até o ano 2002, havia na Campanha Gaúcha apenas duas vinícolas: a pioneira Almadén e a Santa Colina (hoje Vinícola Aliança). Passados apenas 10 anos, a vitivinicultura teve um crescimento vertiginoso e, atualmente, já são 17 as empresas produzindo vinho por lá: além das duas iniciais, hoje existem mais a Aquafrut, a Batalha, a Bueno, a Campos de Cima, a Cordilheira de Santana, a Dom Pedrito, a Dunamis, a Guatambu, a Peruzzo, a Rio Velho, a Rota 293, a Routhier & Darricarrère, a Salton, a Seival Estate e a Serra do Caverá.
Ali pelos anos 1960, a Universidade de Pelotas em parceria com a Universidade da Califórnia em Davis, identificaram a região da Campanha como a melhor área vitivinícola brasileira, o que fez com que a National Distillers lá se instalasse, na década de 1970, com o mega-projeto da Vinícola Almadén. Com isso, algumas propriedades rurais da região, tradicionalmente dedicadas à pecuária extensiva, ao arroz e à ovinocultura, passaram gradualmente a diversificar sua produção com a plantação de uvas para fornecê-las ao novo empreendimento.
Conforme revela Adriano Miolo, "A Serra Gaúcha passou a se utilizar das uvas produzidas na Campanha, de uma forma não abertamente divulgada, até perceber que a qualidade por lá produzida merecia a exploração do nome da região." Da Serra, desceu inicialmente a Miolo, com seu projeto da Quinta do Seival, e mais recentemente a Salton, que adquiriu 700ha em Santana do Livramento, dos quais 108 já estão plantados. Mas a maior parte das novas vinícolas são de pequenos produtores, ex-fornecedores de uvas, que com o incentivo da Embrapa, passaram a vinificar seus próprios vinhos, num fenômeno empolgante que espelha o caminho trilhado por muitas das regiões vinícolas do mundo.
Atualmente a Campanha planta, unicamente, uvas viníferas, todas elas conduzidas em espaldeira. É uma região que começou com o pé direito e que atualmente já produz 8 milhões de litros de vinho, com uma previsão de praticamente dobrar esse valor, para 15 milhões, em apenas mais 5 anos. Não é exatamente um Eldorado, onde o ouro estaria pronto a ser tomado, mas uma promissora região onde tudo está apenas começando e que exigirá muito suor e investimento de seus produtores.
O paladino do vinho brasileiro |
Um pequeno grupo de jornalistas foi convidado pela Miolo para visitar a Campanha e, mais precisamente, os empreendimentos da empresa naquela região: a Seival Estate, a Bueno (esta em parceria com o locutor Galvão Bueno) e a Almadén, recentemente adquirida. Acompanhávamos os 15 participantes do curso Winemakers e outros tantos clientes da vinícola.
De ninguém escapou o admirável gesto de Adriano Miolo que, apesar de estar custeando todas as despesas, abriu espaço na segunda noite da viagem para uma apresentação e degustação dos vinhos das novas empresas da Campanha.
Aliás, já em 2007, em uma apresentação desse enólogo na ABS-Rio, eu já havia me surpreendido com seu despreendimento que vai muito além do simples caráter comercial e escrevi, à época: "Adriano é o enólogo da Vinícola Miolo, mas em sua apresentação se comportou muito mais como um embaixador da vinicultura do Brasil." Ele é, realmente, uma figura admirável e um incansável paladino na promoção e valorização do vinho brasileiro.

O curso de Winemakers é uma outra iniciativa de sucesso da Miolo. Em sua segunda turma, forma um grupo de apaixonados diletantes, alguns deles com intenção de se iniciar, profissionalmente, na produção de vinhos. O curso é realizado em 4 encontros de fim-de-semana, ao longo do ano, cada um deles dedicado a uma etapa da produção de vinhos: a poda seca, a poda verde, a colheita das uvas e o corte do vinho.
O custo - que inclui também a hospedagem no Spa do Vinho Caudalie, os passeios e uma infinidade de almoços e jantares com a gastronomia da Serra Gaúcha - é de 10 mil reais. Quando eu comentei com os participantes que achava caro, quase apanhei, pois todos consideram o valor uma barganha, tendo em vista tudo o que é oferecido. E que inclui também - o mais importante - 60 garrafas do vinho produzido, para cada aluno, com um nome comercial escolhido e rótulos personalizados desenhados pela Miolo. Mas os participantes podem escolher adquirir uma quantidade maior de garrafas e absolutamente todos optaram por receber mais vinhos. A turma está embalada...
Essa iniciativa apresentou tão bons resultados que a Miolo lançou, recentemente, um segundo curso, o Winemakers Espumantes, e vários ex-alunos do curso de vinhos tintos estão participando. Se você estiver interessado, não perca tempo, pois as vagas são bem limitadas.
Este empreendimento da Miolo é bastante ambicioso e já produz cerca de 1.500 toneladas de uvas (70% tintas) em 150ha plantados. Em mais 8 anos, a meta é atingir um total de 400ha de vinhedos, quase que nas pegadas da Almadén. A variedade de castas é grande, sendo 10 tintas e 5 brancas. Nesta safra, a Miolo comemora as excelentes condições climáticas, que permitiram um cultivo com maior respeito ao meio ambiente e... às uvas.
É dessa vinícola que sai o prestigiado Sesmarias, vinho ícone da Miolo. Mas o projeto que mais me apaixona e que, quanto mais eu provo, mais eu gosto, é o Quinta do Seival Alvarinho que faz a alegria do enólogo da propriedade, o português Miguel Ângelo Almeida, que contou com o auxílio luxuoso da maior autoridade nessa casta, o enólogo Anselmo Mendes. Com estágio de um ano em barricas de carvalho francês novo, é um vinho sedutor, com aromas de pêssegos, cítricos e florais e com uma boca untuosa e de excelente acidez. Só tem um único defeito, a produção é mínima - pouco mais de 1000 garrafas - e eu vou ter de correr para garantir a minha cota.
É no Seival, também, que a Miolo engatinha na produção de azeite, com uma plantação experimental de apenas 5ha, que tivemos oportunidade de visitar. Os resultados, no entanto, têm sido excelentes e tudo indica que, em breve, os investimentos crescerão e teremos azeites brasileiros em nosso mercado.
Em parceria com o locutor mais famoso do Brasil, Galvão Bueno, a Miolo administra e vinifica os vinhos da Bellavista Estate, localizada há poucos quilômetros da Seival Estate, no município de Candiota. Seus dois vinhos - assinados por ninguém menos do que Michel Rolland - são o espumante Bueno Cuvée Prestige e o Bueno Paralelo 31, corte de Cabernet, Merlot e Petit Verdot.
Os novos planos da empresa são o lançamento de dois varietais: um Sauvignon Blanc e um Pinot Noir.
A instalação da Vinícola Almadén na Campanha Gaúcha, na década de 1970, foi um marco na vitivinicultura rio-grandense. Pioneira na região, a empresa tornou-se a líder de mercado de vinhos finos no Brasil na década de 1980. Mais adiante, a empresa foi comprada pela Seagram que por sua vez, foi adquirida pela Pernod Ricard.
Para nós, brasileiros, acostumados a ver nosso patrimônio industrial, pouco a pouco, ser transferido para empresas estrangeiras, foi como uma lavagem na alma, quando a Miolo comprou a Almadén da Pernot Ricard, invertendo a lógica que tanto nos desfigura. Das suas gigantescas instalações, a nova proprietária teve apenas de modernizar os métodos de produção da Almadén e em pouco tempo deu uma repaginada na marca e um vigoroso aumento de qualidade em seus vinhos.

A empresa aposta no segmento dos vinhos jovens, fáceis e frutados que conseguem atrair novos consumidores. Pela qualidade de seus vinhos, os preços são imbatíveis, sendo vendidos a risíveis 13 reais a garrafa. Sua linha de varietais apresenta 3 tintos (Cabernet, Merlot e Tannat), 3 brancos (Sauvignon, Chardonnay, Riesling - para minha surpresa, Renano!) e um rosé (Cabernet). Afora isso, ainda há a linha de espumantes e frisantes. Com um total de 530ha plantados, a produção atual é de mais de 4 milhões de litros ao ano!
Aproveitando as vinhas antigas existentes na propriedade, de mais de 35 anos, e fugindo um pouco do segmento da empresa, a Almadén lançará na próxima Expovinis, um Vinhas Velhas Tannat, que tivemos a oportunidade de provar e aprovar. E dando continuidade a essa estratégia, o próximo projeto da linha Vinhas Velhas será um Riesling Renano, que ainda nem provei e já estou gostando...
A região da Campanha está investindo fortemente para se preparar para o enoturismo. No entanto, uma das formações geológicas mais surpreendentes de nosso país, o belíssimo Cerro Palomas, nossa Table Mountain, foi tomado de assalto pelas companhias telefônicas que, descaradamente, instalaram enormes antenas de celulares em seu cimo achatado, num crime ambiental inominável. Onde estão a prefeitura de Santana do Livramento, o governo do Rio Grande do Sul e o Governo Federal que fazem de conta que nada está acontecendo por lá?
Oscar Daudt
06/03/2012 |