
Você tem ideia de quanto custa uma garrafa do Champagne Louis Roederer Cristal?
Bem, antes de revelar, eu prefiro contar a história que vem engarrafada com ele. Em 1776, no mesmo longínquo ano em que os Estados Unidos nasciam como nação independente, a Maison Louis Roederer era fundada em Reims. Um século depois, a empresa já havia assumido uma posição de liderança, tanto em números quanto em qualidade, produzindo 2,5 milhões de garrafas de espumantes, o que representava 10% do que era então produzido na região.
À época, o mais importante cliente da casa era o Czar de Todas as Rússias, Alexandre II, ávido consumidor da bebida. À pedido do imperador, a Louis Roederer desenvolveu o prestigiado Champagne Cristal, que vinha embalado em uma garrafa de cristal Baccarat, sem pigmentação, para que a cor da bebida pudesse ser melhor apreciada, e com o fundo chato, sem o punt típico das garrafas de champagne.
Conforme nos contou o impagável Alfredo Srour, diretor da Importadora Franco-Suissa, essa última característica foi uma solicitação expressa do Czar, que não queria que no fundo côncavo pudessem ser escondidas armas ou bombas que ameaçassem sua segurança. Sei não, essa paranóica história é interessante e divertida, mas um tanto difícil de comprar...
Até hoje, a Louis Roederer mantém-se como um grupo familiar, inteiramente dedicado ao vinho, e contando com uma carteira de vinícolas de derrubar o queixo até mesmo do Eike Batista. Fazem parte da carteira, além da própria Roederer, nada menos do que:
Champagne Deutz
Maison Delas Frères, no Rhône
Château de Pez e Château Haut-Beauséjour, em Saint-Estèphe
Château Pichon Longueville Comtesse de Lalande, em Pauillac
Château Bernadotte, no Haut-Médoc
Domaines Ott, na Provence
Adriano Ramos Pinto, no Porto
Scharffenberger Cellars, na Califórnia
e, coitados, apenas 50% da Maison Descaves, em Bordeaux.
Dá para montar uma adega inteira só com os vinhos do grupo! E assim foi, durante o almoço oferecido no Le Pré Catelan, harmonizado, do início ao fim com Champagnes, Bordeaux e Portos elaborados pela Roederer. E que contou com a honrosa presença do jovem presidente e proprietário do poderoso grupo, Frédéric Rouzad.
Na corte de São Petersburgo |
E o preço da Cristal? Bem, nos Estados Unidos, uma garrafa da Cristal 2004 custa a "bagatela" de 200 dólares! Aqui no Brasil, como a importadora não revela seus preços, eu só posso estimar: sendo otimista e acreditando que a Franco-Suissa seja das mais baratas empresas do mercado, esse vinho deve custar, no mínimo, 900 reais!
Portanto, não é de se admirar que eu tenha me sentido quase como um czar ao ter a oportunidade de experimentar esse histórico Champagne.
O Champagne Cristal é elaborado com 55% de Pinot Noir e 45% de Chardonnay, provenientes de vinhedos Grand Cru de diferentes sub-regiões de Champagne. 20% do vinho fermenta em carvalho e não é feita a fermentação malolática. O vinho aguarda cerca de 5 anos até o dégorgement, repousando mais 8 meses até o lançamento. Prová-lo foi uma daquelas experiências fascinantes que a gente costuma guardar nos escaninhos da memória e contar para todo o mundo!
Bolhas finíssimas em um fundo levemente dourado, com complexos e mutantes aromas de mel, casca de laranja, panificação, avelãs e flores brancas. Na boca, suntuoso, cremoso, com deliciosa acidez e muito longo. Uma maravilha para se beber aos golinhos, ainda mais que pensando: "Quando terei - se é que terei - a oportunidade de bebê-la outra vez?"
Uma história curiosíssima, que a Maison certamente gostaria que caísse no esquecimento, aconteceu em 2006 quando, de alguma forma, a Cristal passou a ser conhecida como o champagne preferido dos rappers americanos, que devem ter achado que a etiqueta dourada e o brilhante papel celofane que envolve a garrafa combinavam com suas grossas correntes de ouro. Pode-se imaginar o terror que tomou conta das caves da Louis Roederer, que costuma investir no mecenato de artes bem menos populares.
Em uma infeliz entrevista concedida, naquele ano, à revista The Economist, nosso anfitrião Frédéric declarou a respeito dessa indesejada ligação: "O que podemos fazer? Não podemos proibir as pessoas de comprá-la. Tenho certeza de que a Dom Pérignon ou a Krug ficariam felizes em tê-los como clientes". Os cantores negros, que tacharam a declaração como preconceituosa, organizaram então um movimento de boicote à marca, despejando o caríssimo líquido nos palcos, naquilo que deve ter sido considerado como um final feliz pela Roederer.
Não tenho notícia de como reagiram as duas marcas citadas por Frédéric, mas creio que foi por isso que, quando eu perguntei a ele o que achava da Moët & Chandon Ice, rapidamente me respondeu que não opinava sobre o produto dos concorrentes...
Oscar Daudt
11/03/2012 |