
Quando se pensa em Piemonte, a primeira coisa que vem à cabeça são os majestosos Barolos e Barbarescos, dois dos vinhos mais respeitados da Itália, ambos elaborados com a poderosa casta Nebbiolo. Em seguida, surge na lembrança a Barbera, versátil variedade com que se pode produzir tanto deliciosos vinhos jovens e frutados, quanto longevos, amadeirados e corpulentos tintos. Correndo por fora, aparece a Dolcetto, da qual se elabora o vinho que os piemonteses consomem no dia-a-dia. Somente os enófilos mais atentos lembrarão que o Piemonte é também a terra de castas brancas, como a Moscato - e seus espumantes Asti - e a pouco conhecida e por aqui menos ainda difundida Arneis.
Portanto, causou-me espécie saber que o cultuado grupo Ceretto - que inclui a vinícola de mesmo nome, o Bricco Rocche, o Bricco Asili e I Vignaioli di S. Stefano - divide sua produção em 2/3 de brancos e apenas 1/3 de tintos. Não que a empresa não elabore grandes tintos, pelo contrário, mas seus cavalos de batalha são tão brancos quanto o equino de Napoleão.
A Ceretto é um grupo familiar estabelecido em 1937 e sua vinícola principal fica localizada nos arredores de Alba e seus vinhos distam não mais do que 3km do centro dessa cidade. Apaixonada por arte e arquitetura de vanguarda, a família espalha por seus vinhedos belas e moderníssimas obras de arte que fazem um contraste turbulento com a descolorida e tradicional arquitetura local.
A empresa tomou duas decisões estratégicas que estão em vias de implemetação. A primeira foi o discutível movimento em direção à agricultura biodinâmica, aquela que é meio astrologia, meio bruxaria, e enterra chifres de vaca nos vinhedos de acordo com as fases da lua.
A segunda decisão, bem mais importante e sensível ao paladar dos enófilos, é a de abandonar, por completo e em não mais de 5 anos, a utilização de barricas pequenas, passando a envelhecer seus vinhos unicamente em tonéis de 2.500 litros, que eram tradicionalmente utilizados na região, aportanto pouco tempero ao vinho e deixando a fruta se exibir sem grande concorrência. É uma reviravolta anti-parkeriana, na contra-mão do gosto predominante no mercado internacional, mas que busca a volta às origens do Piemonte. Quem viver, verá a reação dos consumidores...
Eu, um brancófilo de carteirinha, com mestrado e doutorado nesses vinhos, desta vez tirei o chapéu foi mesmo pelos tintos. Durante o almoço oferecido pela importadora DeVinum para apresentar os vinhos da Ceretto, o rótulo branco oferecido - um dos únicos 2 brancos secos da empresa - foi o Blangè 2010, um fenômeno mercadológico na Itália, onde é consumida, de norte a sul, a quase totalidade de sua estonteante produção de 650.000 garrafas. Eu logo imaginei: o vinho deve ser um espetáculo, pois centenas de milhares de italianos não podem estar enganados, mas para minha decepção, achei o vinho carente de acidez, fazendo jus ao DNA de sua casta, 100% Arneis.
O primeiro tinto foi o Nebbiolo d'Alba Berardina 2009, com quentíssimos 14% de álcool, mais de um ano de madeira e uma textura aveludada.
Partindo para lances mais sérios, veio à mesa o Barbaresco Asij 2008, vinho originado de diversos vinhedos e porta de entrada para os Barbarescos da Ceretto. Intenso e persistente, fresco e floral, é um vinho delicioso.
E para coroar o almoço, um exclusivíssimo Barolo Bricco Rocche Bricco Rocche 2006 (sic), o vinho mais prestigiado da casa, que repete o nome do vinhedo em seu rótulo para bem demonstrar a importância que esse tem para a família. Vinho reconhecido e reverenciado pelos enófilos do mundo e pela crítica especializada, obteve 95WS e 94RP e tem uma produção de joalheria: 7.000 garrafas apenas! Tanto este, quanto os demais vinhos foram abertos na hora, sem decantação, por escolha do representante da vinícola pois, segundo ele, como éramos profissionais, não precisávamos disso??!!?? Precisar, eu não precisava, mas que eu gostaria, isso com certeza... Ainda assim, o vinho tinha aromas intensos, florais, era monumental e muito marcante. Belíssimo momento!
Infelizmente, é prudente a gente não se entusiasmar muito com os vinhos, pois não são acessíveis à maioria dos pobres mortais. Já são rótulos caros no primeiro mundo e, portanto, vocês já podem imaginar os preços por aqui. O Blangè 2010 assusta com uma etiqueta de 145 reais para o consumidor final, o que me parece bastante fora do mercado. Eu preveni a importadora de que seria bem complicado vendê-lo a esse preço.
Para ter acesso ao Nebbiolo d'Alba Berardina 2009 você deverá desembolsar 155 reais e para o Barbaresco Asij 2008 nada menos do que 280 reais. Mas o mais aterrador foi tomar conhecimento do preço do belo Barolo Bricco Rocche Bricco Rocche 2006: você terá seu saldo bancário diminuído da quantia de - apertem os cintos para não cair da cadeira - 1.440 reais!. É mole?
Oscar Daudt
13/06/2012 |