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Bernard Hudelot é uma figura encantadora! Tranquilo, amigável, nem deixa transparecer a autoridade de ser um dos mais respeitados vinicultores da Borgonha. Proprietário do Chateau de Villars-Fontaine, localizado na Côte de Nuits, a cerca de 3km de Nuits-St-Georges, ele começou a produzir vinhos em 1973. Acreditando na filosofia de que os vinhos borgonheses devem manter a tradição ancestral, ele declara que "a autenticidade de uma safra se obtem pelo trabalho no vinhedo e não por interferência de produtos enológicos no vinho."
Suas práticas de produção visam obter vinhos de longa guarda - com uma espera mínima de 8 a 10 anos para ficarem prontos para o consumo - e com elevado poder anti-oxidante tão benéfico à saúde. Aliás, todos os seus rótulos trazem escrita a expressão Vin de longue garde en Bourgogne (vinho de longa guarda da Borgonha).
Apesar de seu ferrenho apego às tradições borgonhesas, se eu contar onde mais Bernard produz vinhos, vocês vão pensar que é brincadeira: Tahiti, Mianmar (a antiga Birmânia) e Gabão! Esse último, então, parece até provocação, pois trata-se de um pequeno país africano que é cortado pela metade justamente pela linha do Equador. Latitude 0º! É para deixar os teóricos do vinho de cabelos em pé!
Em 1995, Bernard resolveu fracionar os 28 hectares de seu vinhedo em 1.100 micro-parcelas - virtuais, é claro! - e oferecê-las aos candidatos a produtores que, de outra forma, não teriam a possibilidade de possuírem um vinhedo. Por 7.000 euros, qualquer apreciador pode, de uma hora para outra, trocar de lado e encher a boca: "Eu sou um produtor da Borgonha!" E, tecnicamente, é isso mesmo, pois os consorciados ganham uma escritura registrada em cartório com a propriedade da terra.
Os sócios não precisam se preocupar com nada. Não têm de colher uvas, fazer poda seca ou poda verde ou qualquer outra dessas coisas que são bonitas de falar, mas cansativas na prática. Todos os cuidados com os vinhedos e a vinificação ficam a cargo da equipe do chateau. Mas como você passa a ser um dos donos, é necessário ratear as despesas anuais. Segundo Bernard, essas ficam em cerca de 600 euros por ano.
Em compensação por esse investimento, você recebe uma distribuição pro rata dos vinhos produzidos anualmente, em média 102 garrafas, divididas, aproximadamente, em 60% de tintos e 40% de brancos.
O sucesso foi grande e das 1.100 parcelas colocadas à venda, restam menos do que 70 disponíveis. E dentre os consorciados, foi interessante saber que existem 10 brasileiros.
O único problema para nossos conterrâneos é a dificuldade de receber seus próprios vinhos, visto que é preciso importá-los, legalmente, de lá. É um ponto que ainda não está equacionado, mas está em vias de... O grupo pretende fechar um acordo com uma importadora para que essa faça a internalização dos vinhos para nosso mercado em troca de um pagamento.
Um dos 10 felizes consorciados brasileiros é o músico Mu Carvalho, junto com sua mulher, a cantora Ana Zingoni. Quando souberam que o professor Bernard estava no Brasil, para participar do Wine Tour Bourgogne 2012 e para uma série de conferências sobre Vinho e Saúde, ofereceram um jantar em sua homenagem, com a presença de alguns felizardos.
Os vinhos da noite, como não poderia deixar de ser, eram todos produzidos pelo professor Bernard: 3 brancos - 2006, 2005 e 2002 - e 3 tintos - 2002, 2001 e 1994. Os vinhos eram elegantes, de grande personalidade e, principalmente, deliciosos. E Bernard gosta de dizer que seus vinhos, clássicos como são, devem ser harmonizados com a cozinha tradicional, não se dando bem com as modernidades espumosas dos dias atuais.
E são exatamente esses vinhos que os consorciados recebem. Mu mal cabia em si de satisfação e, cheio de orgulho, não cansava de exibir os rótulos que recentemente ficaram prontos, à espera dos vinhos. Batizado de Chateau de Carvalho - é favor pronunciar Carvalhô - estampam a expressão em latim Vinum et musica laetificant cor (Vinho e música alegram o coração), não deixando dúvidas sobre quais são suas paixões.
Oscar Daudt
22/04/2012 |
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