É impressionante a árvore eno-genealógica da família Lurton (clique aqui para conferir). Examinando cada um dos galhos, pode-se verificar que, atualmente, nada menos do que 17 descendentes são produtores de vinho, proprietários de 38 vinícolas!
De todos os familiares, o mais internacional é, sem dúvidas, François Lurton. Enquanto seu pai, seus irmãos, primos e tios concentram a produção na França, François partiu para uma carreira planetária, com vinícolas na Argentina, Chile, Espanha, Portugal, além de uma outra no Languedoc.
E, esta semana, François esteve no Rio de Janeiro, para apresentar seus vinhos argentinos, produzidos em Mendoza, mais precisamente no Valle de Uco. Por lá, nada existia em termos vinícolas quando ele e seu irmão Jacques chegaram em 1995, desbravando essa que é, atualmente, uma das mais disputadas regiões mendocinas para a produção de vinhos de alta qualidade.
Mais tarde, em 2007, em uma reorganização acionária, François adquiriu a parte do irmão e hoje comanda sozinho os Domaines François Lurton.
Aqui no Brasil, os vinhos da propriedade argentina são importados pela Barrinhas, que ofereceu um almoço no Bazzar, de Ipanema, para apresentar alguns dos vinhos lá produzidos.
O objetivo primordial do almoço era apresentar uma vertical de Lurton Piedra Negra Malbec com as safras de 2006, 2007 e 2008. Conforme o produtor, essas 3 safras foram muito bem avaliadas em Mendoza, com destaque para os excelentes resultados de 2007.
Eram belos vinhos, produzidos no Valle de Uco, fermentados em barrica e com estágio posterior de mais 15 meses em carvalho francês. Vinhos macios, elegantes, opulentos, com a madeira bem integrada, dos quais meus companheiros de mesa concordaram em que a safra 2007 estava mais pronta, enquanto as outras duas mereceriam mais um período de guarda. Para restaurantes, o preço é de 69 reais e apenas as safras 2006 e 2008 estão disponíveis aqui no Brasil.
Os vinhos eram 100% Malbec. Ou, pelo menos, assim pensávamos nós... Quando o produtor informou que era um corte de Malbec com Cot (para quem não sabe, Cot é apenas um sinônimo de Malbec na França), a surpresa foi grande e a afirmação discretamente questionada. François, então, explicou que a Malbec argentina era um degeneração da Cot francesa e que eles preferiam importar a casta original e cortá-la com as uvas mendocinas para dar mais elegância a seus vinhos. Bem, a sorte dele é que não havia nenhum "hermano" na platéia, pois se isso chegasse aos ouvidos da Casa Rosada, seria motivo para um incidente internacional e, com certeza, Cristina Kirchner aproveitaria a atual leva de expropriações e tomaria conta também de sua bodega.
Eu não resisti e expliquei didaticamente que degeneração significa um processo em que uma determinada coisa fica pior, o que não é definitivamente a história da Malbec na Argentina. Aproveitando então a deixa por mim oferecida, o produtor preferiu trocar o termo para uma muito mais diplomática mutação. Mas aí já era tarde e um dos participantes, reservadamente, classificou o episódio como neo-colonialismo, na tentativa de tirar o caráter argentino da casta que é o orgulho nacional de nossos parceiros do Mercosul.
Oscar Daudt
17/04/2012 |