
Em 2008, eu produzi uma série de "vídeo-vinhos" em que analisava determinados rótulos, algumas vezes com um ou mais convidados. De todos, o melhor foi o episódio 19, no qual, na companhia de Lilian Seldin, degustamos um Barbaresco sensacional com serviço do sommelier Cláudio Gomes, harmonizado com um macarrão com trufas elaborado e servido por Danio Braga e ambientado nos belos jardins da Locanda della Mimosa (clique aqui para relembrar).
De lá para cá, muita coisa mudou: Danio não está mais na Locanda, Cláudio também partiu para outras paisagens, o restaurante ganhou um novo sócio - o escritor Aguinaldo Silva - e eu me dei conta de que nunca mais conseguiria produzir outro vídeo tão especial como aquele e encerrei a série por ali mesmo.
Mas uma coisa, pelo menos, permaneceu igual: o vinho continua maravilhoso, conforme pude conferir esta semana em um almoço oferecido pela Importadora Vinci no restaurante Vieira Souto.
O vinho retratado no vídeo era o La Spinetta Vigneto Gallina Vürsù 2003. Sempre fiquei intrigado com esse esquisito vürsù, que mais parece uma daquelas impronunciáveis palavras finlandesas, mas pude aprender, desta feita, que é simplesmente um vocábulo do dialeto piemontês, cujo significado é algo como "aquilo que realmente se quer". Bem apropriado!
E na realidade, querer todo mundo quer, mas o Vigneto Gallina é um vinho para poucos, pouquíssimos, com sua etiqueta de quase um salário-mínimo: 590 reais! Bem longe de qualquer expectativa do meu bolso... Felizmente, esta minha nova profissão me permite ser convidado a degustar, vez por outra, essas jóias.
La Spinetta é uma das mais prestigiadas vinícolas da Itália. Em meu guia Gambero Rosso 2011, a Gaja ocupa o primeiro lugar, com 3 estrelas, e em segundo lugar, encontra-se La Spinetta, com 2 estrelas, na honrosa companhia da Ca' del Bosco. Não é pouca coisa, não... Seus Barbarescos estão posicionados como uma das grandes glórias da vinicultura italiana, cultuados e disputados pelo topo da pirâmide. E o Vigneto Gallina é um dos melhores dentre eles.
O vinho que degustamos esta semana foi de 2005, uma safra ainda mais bem avaliada do que aquela que eu havia anteriormente provado. E o vinho é um monumento! Com um nariz poderoso, recendendo a trufas, com toques terrosos, de rosas e defumados, mostra um paladar com taninos firmes, perfeita acidez, muita fruta e estrutura de concreto armado. Todo orgulhoso, o diretor da vinícola, Luca Cigliuti, me disse que era um vinho que eu poderia guardar por mais 30 anos! Mas ao ver minha expressão de desesperança, ele se deu conta de que havia ultrapassado o limite de sobrevivência... minha, não do vinho.
O vinho era tão especial que Lilian achou melhor serví-lo em vôo solo, sem acompanhamento de nenhum prato. Contou-me ela que a harmonização seria feita apenas com música e eu já fiquei imaginando uma ópera de Verdi. Qual o quê! Ela pediu para o coitado do Luca cantar uma canção piemontesa, à capela. Ele bem que se esforçou, assim como a platéia que tentou acompanhá-lo com palmas ritmadas, mas não adiantou. Nem o Luca, e muito menos o vinho, mereciam aquilo. No mínimo, para estar à altura do Vigneto Gallina, teria de ser o Andrea Bocelli. E ao vivo...
Outros vinhos para um pouco mais |
O emblemático vinho veio precedido de outros exemplares excepcionais, bem mais em conta, mas que ainda assim pagam a taxa de exclusividade. O Barbera d'Alba Gallina 2008 era grandioso, hiper-concentrado, com excelente estrutura tânica, fresco, com muita fruta, chocolate e especiarias. Se você tem 122 dólares para gastar, esse é o vinho...
E o outro destaque do almoço foi o Pin Monferrato Rosso 2005, único rótulo da vinícola que faz um corte de castas: 65% Nebbiolo, 35% Barbera. O vinho é uma homenagem ao patriarca da família, Giuseppe Rivetti (cujo apelido era Pin), que fundou a vinícola em 1977, em Castagnole Lanze, e tinha especial admiração por essas duas estrelas tintas da região do Piemonte. Quem não ficaria emocionado com uma homenagem assim tão cheia de caráter, aveludada, que estagia 18 meses em carvalho francês, e entrega aromas sedutores de alcatrão e flores ao mesmo tempo e demora muito para se extinguir. Mas de novo, é caro, 139 dólares... fazer o quê?
Oscar Daudt
20/04/2012 |