
O engenheiro que virou vinho (*) |
Luiz Carlos Cattacini Gelli é mais um dos participantes do grande grupo de engenheiros - do qual, orgulhosamente, faço parte - que se apaixonaram pelo vinho. Mas ele deu um passo adiante e em lugar de apenas apreciar ou escrever, partiu para vôos mais altos e decidiu criar sua própria marca: a Cattacini.
Gelli decidiu produzir seus vinhos utilizando um esquema que é bastante comum em outros países: sem vinhedos nem vinícola, ele compra uvas de qualidade, cuidadosamente selecionadas, e vinifica-as em instalações de terceiros. Dele mesmo, só a marca e as decisões técnicas...
Engenheiros costumam ser materialistas e rejeitar tudo aquilo que não seja 1 + 1 = 2. Não é o caso do novo produtor, um místico que nada de braçada em simbolismos e superstições. Já trilhou o Caminho de Santiago, afirmando que essa experiência mudou sua vida. Marcou o almoço de apresentação de seus vinhos para o dia 25 de julho, que vem a ser exatamente... o Dia de São Tiago. E contava para todos, com grande emoção, que o primeiro convidado a chegar ao almoço - que nem ao menos conhecia - apresentou-se com Santiago. Gelli entrou em alfa com aquilo que parecia ser uma mensagem das estrelas.
E o almoço, prestigiado por um sem-número de representantes dos restaurantes mais descolados da cidade, foi um sucesso, contanto até com a bissexta presença em eventos desse tipo da crítica Luciana Fróes . Foi uma indiscutível demonstração de interesse pela produção brasileira "de autor". Tomando conta da galeria do Brigite's, na Dias Ferreira, foram momentos saborosos, em que os vinhos namoraram os deliciosos pratos do gastrobar.
Atualmente, a carteira da empresa já conta com 3 vinhos. O primeiro a ser lançado foi o Cattacini Espumante Extra-Brut, corte de 50% Chardonnay e 50% Pinot Noir, elaborado em colaboração com a Miolo. Gelli explica: "Meu objetivo foi criar um vinho com baixo teor alcoólico (12%) e pequena quantidade de açúcar residual (3,5g/l), para conquistar os consumidores que têm a preocupação em 'manter a linha'. Com isso, temos uma bebida leve e refrescante, bem apropriada para o clima brasileiro". E realmente, trata-se de um belo espumante, daqueles que você pode beber incansavelmente. No almoço, o vinho acompanhou um delicioso Gravlax com creme fresco e ovas e deu um show de perfeita harmonização.
O branco que Gelli produz é quase uma raridade. É elaborado com a casta Peverella, virtualmente desconhecida no mercado internacional. Meus guias de castas simplesmente ignoram sua existência, mas uma busca pelo Google revela, sem grande confiabilidade, que é apenas um sinônimo da Verdicchio, uva largamente utilizada no Marche, Itália, e que produz o conhecido vinho Verdicchio dei Castelli di Jesi. Indefinições à parte, a verdade é que essa casta foi trazida para a Serra Gaúcha pela Dreher, nos anos 1920, e em poucos anos tornou-se a mais difundida uva vinífera branca naquele estado.
No entanto, a partir dos anos 1970, com a chegada das multinacionais e com o objetivo de plantar variedades mais reconhecidas pelo público consumidor, a Peverella, foi gradualmente substituída pela Chardonnay, entrou em declínio e hoje está restrita a uma pequena vinícola, Cantina Salvati & Sirena localizada nos Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves. Em 2008, no tempo em que eu ainda produzia "vídeo-vinhos", gravei um episódio com o Peverella dessa cantina (clique aqui para recordar) e fiquei desapontado com a falta de acidez do vinho provado. E é dessa mesma vinícola que o novo produtor obtem as uvas para elaborar seu vinho. Embora os participantes do almoço tenham ficado emocionados com o novo Cattacini Peverella 2011 e seus aromas de banana e sua madeira discretamente integrada, o Gelli que me perdoe, mas eu continuo achando que um pouco mais de acidez não faria mal a ninguém.
A prova finalizou com a apresentação do novo Cattacini Merlot 2009, também elaborado pela Miolo e que vem com um temperinho de 5% de Cabernet Sauvignon. Belo vinho que escortou com galhardia a Carne assada com nhoque e cebola caramelizada. Gastronômico, elegante e com aromas generosos de fruta com especiarias. Excelente!
Brevemente em nossas taças |
O irriquieto Gelli já tem planos ambiciosos para daqui em diante. Saindo do forno, duas novidades. Um Gewürztraminer, cuidadosamente garimpado em um pequeno vinhedo da Luiz Argenta, de Flores da Cunha, será o próximo vinho a vestir o rótulo azul-profundo da Cattacini. E, em seguida, um espumante rosé, elaborado em conjunto com a Santa Augusta, de Santa Catarina.
Depois desses próximos lançamentos, a idéia é lançar um novo branco surpresa - mais uma! - e um vinho do Vale do São Francisco, com a intenção de refletir as principais regiões vinícolas brasileiras na crescente carteira.
Ao Gelli, deixo meus parabéns pelo empreendedorismo e audácia! Se eu fosse ligado em horóscopo, diria que devem ser características de um sagitariano...
Oscar Daudt
27/07/2012
(*) aproprio-me do bordão de meu amigo Álvaro Cézar Galvão para melhor descrever o novo produtor |