
A melhor confraternização, durante a recente viagem que empreendemos a Portugal, aconteceu logo na primeira noite, ainda em Lisboa, com um jantar cheio de deferências, oferecido pela ViniPortugal e pela AICEP. A melhor da viagem e uma das melhores de que participei em toda a minha vida de enófilo. Vinhos, gastronomia e - principalmente - convidados de estirpe congregaram-se para tornar a ocasião especialíssima.
Comandavam a noite - com um jeitão de entardecer, visto que no verão escurece muito tarde em Lisboa - José Vital Morgado, da AICEP, e Nuno Vale, da ViniPortugal. E para nos acompanhar com conversas de alto calibre, contamos com a presença de dois dos mais prestigiados críticos de vinho portugueses: Aníbal Coutinho que é ao mesmo tempo produtor e enólogo e ninguém menos do que João Paulo Martins, jornalista e autor do guia Vinhos de Portugal.
Quando comentei com João Paulo que eu tinha seu guia em minha biblioteca, mas já de alguns anos passados, ele apenas olhou com um ar maroto. Claro, ele já sabia que, ao final, seríamos presenteados com a edição 2012 do famoso guia. Para mim, isso foi um presentão!
Bem interessante foi saber que muitos dos vinhos da noite foram trazidos pelos dois jornalistas convidados, garimpados em suas adegas pessoais. Não poderia dar outra coisa! Foram momentos quase mágicos. Começamos bem: o Murganheira Bruto Millémise 1998, de 14 aninhos, era um espetáculo, evoluído, estruturado e exalando leveduras, bem do jeito que eu aprecio um espumante. Mas era só o início!
Seguimos com um Viúva Gomes Branco, um dos poucos vinhos remanescentes da região que mais definha no mundo, engolida pela expansão de Lisboa. Elaborado com Malvasia de Colares, é um vinho com baixo teor alcoólico e alta acidez, seco e com encantadores aromas de petróleo, pêssego e mel. Achei soberbo! E o mais estranho é que, quando o bebi em 2009, o vinho não me disse nada: evoluiu o vinho ou evoluí eu?
A seguir, dois brancos sem surpresa: Quinta de Saes Reserva 2010, um Dão mineralíssimo, com deliciosos aromas de avelã, e o Lavradores de Feitoria Meruge Branco 2010, um Douro sempre confiável.
E o último branco da noite foi um misto de exotismo, qualidade e deferência: levado por Aníbal em ampolas de prova, o misterioso Manz Dona Fátima 2010 é elaborado por um produtor brasileiro, em Cheleiros, na região de Lisboa, e é o único vinho que se tem notícia de ser elaborado com a casta Jampal. Jampal??? Sim, é isso aí mesmo: é uma uva desconhecida até pelas minhas enciclopédias de castas. Mas o vinho nem é tão desconhecido assim, pois constou na relação dos 100 vinhos portugueses recomendados para o Reino Unido, compilados pela crítica Julia Harding e apresenta uma bela estrutura, boa acidez, cremosidade e toques tostados. Um momento para ficar se gabando depois.
A sequência de tintos abriu com um Niepoort Projectos Bastardo 2010, um descolorido vinho que valeu mais pela raridade da casta. Logo depois fomos supreendidos por um Esporão Reserva. Está bem, esse não é um vinho para surpreender ninguém, a menos que, como no nosso caso, fosse da safra 2003 e embalado em uma Magnum. Show de bola! E para surpresa maior ainda, um vinho apresentado às cegas, que, por sua evolução, levou aos mais disparatados palpites. Mas era um Quinta do Canto Garrafeira 1994, um etéreo Bairrada que nem é mais elaborado. Momento histórico!
E para quem gosta de vinhos generosos - isto é, toda a torcida do Flamengo, menos eu - ainda vieram um Messias Porto 1980 e um Quinta das Tecedeiras Porto LBV 2008.
O restaurante Claro!, inaugurado há 6 meses, fica localizado no Hotel Solar Palmeiras, em Paço de Arcos, onde o Tejo encontra o Atlântico. Com uma vista privilegiada e um serviço afiadíssimo, é uma imperdível alternativa para quem vai a Lisboa em busca de comer bem.
Com uma harmonização milimetricamente determinada pelo triunvirato composto pelos 2 jornalistas e pelo chef do restaurante, Vitor Claro, o jantar contou com 9 espetaculares etapas. Com uma gastronomia revisionista da cozinha clássica portuguesa, o chef não dá vez para as apresentações artísticas tão comuns entre seus pares e que muitas vezes misturam ingredientes apenas com o intuito de compor um belo visual. Com ele não, é apenas o essencial para atingir os sabores desejados - e que sabores! - e exibidos sem maiores firulas, como se fossem preparados pela avó portuguesa para o almoço de domingo.
E o restaurante é um daqueles lugares em que os cariocas têm vontade de arrancar os cabelos de raiva. Por quê? Pelos preços. Vejam só, o Menu Estações, com 11 etapas, custa 40 euros; se o cliente preferir com vinhos harmonizados, deve pagar mais 25 euros. No total, um sofisticado e interminável jantar com belos vinhos pelo equivalente a 160 reais! Ganha um bochecha de porco preto quem apontar algo similar em nossas praias.
Oscar Daudt
08/08/2012 |