
Antes do advento da festiva e internacional promoção dos Beaujolais Noveau, a região produzia menos de 2 milhões de garrafas, no início dos anos 1960. Ao final da década de 1990, a quantidade passou a ser de impressionantes 90 milhões! Porém, como seria de se esperar, a moda passou e o antigo sucesso comercial deixou uma conta muito alta a ser paga.
Primeiro por que, visando o lucro imediato, muitos vitivinicultores levaram o rendimento dos vinhedos ao limite do permitido, ao mesmo tempo em que passaram a colher as uvas antes da completa maturação, para depois lançar mão da chaptalização (adição de açúcar de cana) para obter um teor alcoólico mais elevado. Segundo, porque a maioria dos consumidores não diferencia os "Noveaux" dos Beaujolais tradicionais e pensa que todos eles devem ser bebidos apenas na terceira quinta-feira de novembro, quando os restaurantes do mundo inteiro exibem em suas portas "Le Beaujolais est arrivé!", mas são recebidos com bocejos pelos consumidores.
A região, no entanto, vai bem além desse golpe mercadológico e os vinhos tradicionais são divididos em 3 categorias:
Beaujolais: o básico, com uvas plantadas na parte sul da região, onde a terra é mais fértil;
Beaujolais Villages: com uvas provenientes de 39 cidades da parte central;
Crus de Beaujolais: de 10 cidades localizadas na parte norte, onde estão as montanhas graníticas nas quais a uva Gamay melhor se adapta.
Além do dois fundamentos já citados - a uva Gamay e o solo granítico - uma terceira característica define os vinhos dessa região: a maceração carbônica, na qual as uvas são fermentadas inteiras, em ambiente anaeróbico, o que resulta no caráter extremamente frutado que faz alguns apreciadores afirmarem que este é o "único vinho branco com cor de tinto".
Os 10 Crus são:
Brouilly: um dos 2 únicos Crus que têm permissão de utilizar outras castas além da Gamay - Chardonnay, Aligoté e Melon - no percentual máximo de 15% e devem estar misturadas no próprio vinhedo;
Chénas: o menor Cru de Beaujolais;
Chiroubles: com os vinhedos mais altos da região, seus vinhos são leves e refrescantes;
Côte de Brouilly: o outro Cru que pode utilizar castas além da Gamay - Chardonnay, Aligoté, Melon, Pinot Noir e Pinot Gris - mas apenas para aqueles vinhedos que já as possuiam antes da homologação; com uvas plantadas nas encostas do monte Brouilly, seus vinhos são mais concentrados e estruturados;
Fleurie: fazendo jus ao nome, seus vinhos são os mais florais; uma das três melhores denominações;
Juliénas: vinhos mais encorpados e condimentados;
Morgon: vinhos de grande estrutura, profundos e com capacidade de envelhecer até 20 anos, é uma das mais reputadas e conhecidas denominações;
Moulin-à-Vent: considerado como o "Rei dos Beaujolais", seus vinhos concentrados e equilibrados também têm excelente capacidade de envelhecimento;
Régnié: o mais novo dos 10 Crus, seus vinhos são para consumo imediato com grande caráter frutado;
Saint-Amour: com o nome mais romântico e o mais setentrional dos Crus, seus vinhos são os mais leves da região.
A Henry Fessy é uma das mais tradicionais vinícolas de Beaujolais, instalada no coração de Brouilly desde 1888. Com o tempo, foi expandindo seus domínios pela região, adquirindo novas propriedades nos demais Crus e, atualmente, está presente em todas as demais denominações, à exceção de Chiroubles.
Há 4 anos, a Maison Louis Latour, um dos grandes produtores e "négociants" da Borgonha, decidiu investir na região de Beaujolais e comprou a Henry Fessy. E agora, consequentemente, a Inovini, sua importadora no Brasil, está fazendo uma corajosa aposta nesses vinhos. Mas como prudência é sempre recomendável, para testar a receptividade dos consumidores a esses vinhos, inicialmente apenas as 3 principais e mais conhecidas denominações - Morgon, Fleurie e Moulin-à-Vent - estarão à venda por aqui.
Aproveitando a presença do diretor da Louis Latour, Bruno Pépin, no Rio de Janeiro, a Cavist de Ipanema ofereceu um jantar aos cariocas para apresentar os novos vinhos.
Com seu caráter único, bem diferenciado dos tintos a que o mercado está familiarizado, os vinhos foram uma bela surpresa, oferecendo muita qualidade e principalmente revelando seu excelente potencial astronômico. Iniciamos com um Morgon 2010 (R$ 75), que o apresentador definiu como um vinho rico e estruturado, o mais perto de um Borgonha que um Beaujolais pode chegar. Entusiasmado, um jornalista presente o definiu como um verdadeiro Morgonha!.
O Fleurie 2010 (R$ 90) bem merecia o título de "Rainha dos Beaujolais". Com uvas plantadas em altitude mais elevada, com temperaturas mais frias, é um vinho mais elegante, feminino, refinado e floral.
E, finalmente, a grande estrela da noite, o Moulin-à-Vent 2010 (R$ 85), era um vinho mais complexo, profundo, condimentado, com toques defumados e minerais, que fez um bonito escortando a galinha d'Angola preparada por Janine.
Todos os 3 vinhos têm um bom potencial de guarda e fogem da crescente padronização que domina o mercado internacional. Mas, com certeza, será um árdua tarefa a de convencer os potenciais compradores de que, apesar de compartilharem a origem, os Crus de Beaujolais não têm nada a ver com os simplórios Beaujolais Nouveaux. Só o tempo dirá...
Oscar Daudt
14/09/2012 |