
Ser filho de pai famoso é sempre um conflito para os jovens: uns se aproveitam, não sem culpa, do nome do pai para abrir as portas; outros, com mais idealismo, preferem decretar a independência e construir suas vidas longe das asas do pai. Este último foi o caso do jovem enólogo Aurelio Montes Junior que, com esse nome, nem conseguia esconder sua ilustre ascendência. Foi trabalhar na Europa, na Austrália e até mesmo na concorrência direta a seu pai, em plenas terras chilenas. Mas com o passar dos anos e a sabedoria que esses trazem, deu-se conta de que a associação com seu progenitor era o melhor caminho. Associação, ma non troppo! Trabalhar com o pai, sim; junto a ele, não...
A oportunidade surgiu quando a chilena Viña Montes decidiu abrir uma unidade em Mendoza, na Argentina. E lá se foi Aurelio, o filho, tomar conta da enologia da Kaiken.
O nome da nova vinícola não poderia ser melhor escolhido: Kaiken é um ganso selvagem (foto ao lado) que voa muito alto e é uma das poucas aves que conseguem atravessar a Cordilheira dos Andes, indo do Chile para a Argentina e vice-versa. Não é uma ave migratória: ela simplesmente viaja de um lado para outro quanto lhe dá na veneta. Aurelio, o filho, que fixou residência na Argentina, sente-se mais ou menos assim, a cada vez que cruza a Cordilheira para visitar a família.
"E por que a Argentina?", perguntei. O jovem enólogo contou que, há 10 anos, quando a vinícola foi instalada, Mendoza ainda tinha muito caminho pela frente, concentrada que estava na elaboração quase que exclusiva de Malbecs e nada mais. E foi esse o desafio que Aurelio, o pai, decidiu enfrentar após considerar inúmeras outras alternativas mundo afora. Bem, o tempo passou, mas pouca coisa mudou por lá e a dependência de nossos hermanos com a Malbec não dá mostras de esmorecer.
Com isso o inquieto Aurelio, o filho, pesquisa novas castas para desenvolver naquele deserto, mas por enquanto, no mercado mesmo, a Kaiken só tem Malbec e Cabernet Sauvignon. Mas contou-nos o enólogo, cheio de entusiasmo, que em dois meses estará lançando um Torrontés plantado em Salta, que parece ser a nova meca para essa casta, que lá consegue elaborar vinhos mais elegantes e não excessivamente perfumados.
Atualmente, a bodega tem uma respeitável produção de 2 milhões de garrafas por ano e impressiona saber que 95% dela é destinada à exportação, com Estados Unidos e Canadá nos 2 primeiros lugares na classificação de compradores.
A linha de vinhos da Kaiken começa com o Reserva (que é o vinho básico, apesar do nome) e que custa, aqui nos trópicos, 44 reais. Há o Malbec e o Cabernet Sauvignon, mas no almoço oferecido pela Importadora Vinci, no Alloro, essa linha não foi apresentada.
A gama seguinte é a dos Ultra - novamente Malbec e Cabernet Sauvignon. São vinhos de entusiasmar e custam cerca de 86 reais. Os exemplares provados no almoço eram ambos da safra 2009, que foi um ano mais frio do que o usual e resultou em vinhos mais elegantes e de excelente estrutura tânica o que, segundo o enólogo, vai permitir que possam ser guardados por pelo menos 15 anos. No entanto, resistir quem há-de?
Aurelio, o filho, contou-nos que o Ultra Cabernet Sauvignon é elabora com um corte de dois vinhedos: um moderno, em Uco, e outro em Vistalba, vetusto, com 80 anos, ainda plantado em latada. O resultado é um vinho de extrema complexidade, harmônico e suculento. Um espetáculo!
Porém, a seguir, como se estivéssemos nas Olimpíadas, a linha dá um salto com vara para o novo ícone da vinícola: o Kaiken Mai 2007! Salto de qualidade, mas também um assustador salto de preço, pois o vinho está sendo vendido por 317 reais, quase 4 vezes mais do que a linha Ultra! 100% Malbec, é um corte de 3 vinhedos: 40% vêm de Uco, 20% de Agrelo e 40% são provenientes de um vinhedo em Vistalba de 102 anos(!), cujas videiras não têm mais do que 50cm de altura.
Mas por melhor que o vinho seja, o preço é um complicador, e eu perguntei ao produtor e à representante da importadora como eles pretendiam vender esse vinho a um preço assim tão seletivo. Eles concordaram que é um rótulo ainda desconhecido no mercado - essa é a primeira safra - e apostam que o público-alvo serão os colecionadores e os conhecedores abonados. Mas que terá de ser feito um trabalho de formiguinha, tentando dar visibilidade a um vinho que mais parece um Jeep Cherokee em nosso mercado. Quem viver, verá!
E para colocar o enólogo em cheque, ao final fiz uma pergunta bem capciosa: "Quem produz o melhor vinho, Chile ou Argentina?" Concordo que foi uma maldade e Aurelio, o filho, ficou alguns momentos cristalizado, para depois sair pela tangente e elogiar as peculiaridades de cada uma das nacionalidades, sem responder diretamente a minha pergunta.
Oscar Daudt
14/08/2012 |