
O Vinum Brasilis é atualmente o mais importante evento exclusivo de vinhos brasileiros fora de Bento Gonçalves. Embora identificado como a 5ª edição, ele foi na verdade a 8ª, pois em seus primórdios era batizado com outro nome e só a partir de 2008 é que passou a se chamar com o prestigiado nome atual.
Quando nasceu, em 2005, humildezinho, contou com a participação de apenas 2 vinícolas! Em 2010, quando lá estive pela primeira vez, o número de expositores saltou para 19. E agora, em 2012, como certidão com firma reconhecida de sua importância, foram 32 as vinícolas representadas. E isso sem contar com o estande dos "garagistas", que apresentava os rótulos de vários pequenos empreendimentos.
A história por trás desse sucesso é animadora. Apesar do respeitável porte da mostra, a iniciativa é de um homem só, o incansável Petrus Elesbão, que se dedica de corpo e alma para que tudo aconteça com uma organização germânica. E o mais impressionante é que tudo é feito sem visar lucro e apenas por amor à camiseta do vinho nacional. Um assombro!
A relação completa dos expositores marca bem a magnitude desta edição. Vejam só quem estava por lá: Antônio Dias, Aurora, Camponogara, Casa Valduga, Cave Geisse, Club des Sommeliers, Dal Pizzol, Dezem, Domno, Don Bonifácio, Don Giovanni, Don Guerino, Don Laurindo, Fabian, Gran Legado, Hermann, Kranz, Lídio Carraro, Luiz Argenta, Maximo Boschi, Miolo, Monte Pascoal, Pericó, Perini, Pizzato, Quinta da Neve, Salton, Sanjo, Santa Augusta, Vallontano, Valmarino e Villa Francioni.
No total, foram mais de 300 rótulos provados por um respeitável público de 2.000 participantes que se dividiram pelos 2 dias do evento.
O melhor estande da feira, montado este ano pela segunda vez, foi sem sombra de dúvidas o de meu amigo Eugênio de Oliveira (foto à direita), do blog Decantando a Vida. Eugênio é um garimpador que gosta de descobrir vinhos insólitos e este ano surpreendeu-nos com rótulos improváveis, dos mais obscuros garagistas.
De Florianópolis, vieram os vinhos da Quinta da Figueira, do enólogo Rogério Gomes. Sem vinhedos, ele compra as uvas em São Joaquim e as vinifica num canto de sua casa, onde montou um pequena vinícola. Seu mais estranho projeto é o Reserva Perpétua, que a cada ano adiciona vinho da nova safra ao vinho da safra anterior, como se fosse um sistema de soleras. No Lote I, eram vinhos de 2009 e 2010. No Lote II, acrescentou vinho de 2011 ao Lote I, tudo junto misturado. No próximo ano, o Lote III, acrescentará uvas de 2012, gerando um vinho com 4 safras e assim por diante... Delírio total!
De Marco Danielle, havia um branco de minúscula produção - 500 garrafas apenas - elaborado com 90% de Arnoison e 10% de Serprino. Meu Deus, que castas são essas? Fiquei louco para conhecê-las, mas ao final descobri o mistério: Arnoison é apenas o nome com que a Chardonnay é conhecida no Loire; a Serprino é um pouco mais controversa, pois embora Eugênio tenha informado que seria um sinônimo de Riesling, o Google me leva a crer que é o nome com que a Prosecco é conhecida no Colli Euganei. E para complicar ainda mais a compreensão do delicioso vinho, o rótulo - que tem cara de contra-rótulo - é impossível de se ler: letrinhas tão pequenas quanto de bula de remédio e impressas em dourado sobre um fundo vermelho, sem contraste nenhum. Sabe-se lá qual foi a intenção do Marco.
E quem já ouviu falar que Goiás produz vinhos? Para mim foi uma grande surpresa saber que em Cocalzinho existe a Vinícola Pireneus, comandada pelo entusiamado enólogo Marcelo de Souza e Silva, que elabora excelentes vinhos, de rótulos elegantes e de castas nem tão comuns no panorama vinícola brasileiro: há o Bandeiras 2010, 100% Barbera, e o Intrépido 2010, 100% Syrah. Belíssima novidade.
De uma das cidades mais tradicionais da viticultura brasileira, Garibaldi, havia dois vinhos com rótulos feinhos, produzidos pelo viticultor Eduardo Zenker: o Inusitado Espumante Nature Branco de Tintas 2011, com o inacreditável corte de Pinot Noir, Malbec, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon e Carménère! Com 10 meses de autólise, era um ótimo exemplar, com bastante estrutura e, segundo Didu Russo, com aromas de caju. O outro vinho, com a miudinha produção de 254 garrafas, era o Benedito 2011, um 100% Carménère que me fez pensar: "Ainda bem que foram tão poucas garrafas..."
E havia muitos outros exemplares à margem da grande indústria, mas que perto dos exóticos vinhos acima, mais pareciam normalidades.
Após o primeiro dia da feira, tivemos uma exclusivíssima degustação dos primeiros vinhos elaborados pelo enólogo-fotógrafo Marco Danielle. Graças às mãos abertas de Luiz Cola, do blog Vinhos e Mais Vinhos, do Espírito Santo, que trouxe as garrafas de sua adega pessoal, tivemos a oportunidade de provar exemplares tão raros, experimentais, como os Tormentas 2002 e 2003, 100% Cabernet Sauvignon, que nem chegaram a ser comercializados e dos quais restam raríssimas garrafas, de uma produção artesanal de 285 e 400 garrafas, respectivamente.
A degustação continuou com:
Tormentas Secundo 2004: 100% Cabernet Sauvignon (350 garrafas)
Tormentas Premium 2004: 100% Cabernet Sauvignon (141 garrafas)
Minimus Anima 2005: 70% Cabernet Sauvignon, 30% Alicante Bouschet (1400 garrafas)
Tormentas Premium 2006: Pinot Noir, Tannat, Merlot e Alicante Bouschet (1070 garrafas)
Tormentas Premium 2007: 100% Merlot (720 garrafas)
Minimus Anima 2007: 35% Tannat (colheita tardia), 35% Cabernet Sauvignon, 20% Alicante Bouschet, 10% Merlot (2600 garrafas)
Para combinar com tanta exclusividade, o acontecimento não poderia ter ocorrido em outro lugar que não fosse o restaurante Aquavit (foto à esquerda), do chef dinamarquês Simon Lau, considerado como a melhor cozinha contemporânea da capital. Com uma decoração nórdica, situado às margens do Lago Paranoá e com uma vista deslumbrante de Brasília, o restaurante nos acolheu com um belíssimo jantar na varanda. Um espetáculo!
Outro dos grandes momentos da viagem foi o almoço-degustação organizado por Eugênio de Oliveira no restaurante L'Affaire, do chef gaúcho Marcelo Piucco. Nas taças, uma vertical de Peverella oferecida pelos 3 sócios da Era dos Ventos - Álvaro Escher, Luiz Carlos Zanini e Pedro Hermeto - cobrindo o período de 2002 a 2012. Os mais antenados podem estranhar o período, visto que essa vinícola começou a elaborar vinhos apenas em 2008. Mas eu explico: desde 2002, Álvaro elaborava vinhos dessa casta em Garopaba, Santa Catarina, com a bandeira de Cave do Ouvidor. Com isso, os rótulos foram: Cave do Ouvidor 2002, 2004, 2005 e Era dos Ventos 2008, 2010, 2011, 2012.
Os vinhos mais antigos desfilaram uma paleta de cores impressionante, com vivacidade, belo corpo e delicadeza. O 2005, então, mais parecia um rosé! Já na fase da Era dos Ventos, os vinhos mostraram sua estrutura, com aromas florais e toques apimentados, típicos da casta. O da safra 2010 abusava da mineralidade, levando o blogueiro Luiz Cola a apelidá-lo de Polvorella.
A Peverella (que, em italiano, significa algo como Pimentinha) foi levada para a Serra Gaúcha pela Dreher, por volta de 1920, e logo tornou-se a uva branca mais plantada naquela região, mas foi paulatinamente perdendo espaço para as castas mais valorizadas pelo consumidor. Atualmente, restam apenas poucos vinhedos, muito antigos, ainda conduzidos em latada, de onde a vinícola garimpa suas uvas. Sua origem ainda é controversa, com alguns afirmando que ela seria a Malvasia de Vicenza, outros apostando que ela é a conhecida Verdicchio, do Marche, e mais recentemente outra corrente afirmando que é uma uva do Tirol, chamada mesmo de Peverella. DNA neles!
E alguém já viu um vinho com uma poesia no contra-rótulo? Pois o Era dos Ventos traz, de autoria de Zanini, uma bela poesia, que o autor declamou entre uma taça e outra:
Beber o dia como se fosse noite
Beber a lágrima como se fosse mar
Beber a luz como se fosse alma
Beber tua boca como se não fosse flor
Beber teus olhos como quem não toca as mãos
Beber teus sonhos como quem rouba a lua
Beber dos ventos, confundir o tempo,
Beber da Era a solitária valsa
Beber das terras, as chuvas, e os sóis, entorpecer
Morrer de vinhos, moinhos de mim...
(outrora vez)
Beber o fim.
Oscar Daudt
20/08/2012 |