
Em maio de 2011, Miguel Torres Junior, presidente da Miguel Torres Chile, comandou um almoço no Laguiole, oferecendo uma vertical de Manso de Velasco. Mas o assunto que dominou sua apresentação, foi a lançamento de um espumante rosé que o deixava visivelmente entusiasmado. Elaborado com a improvável casta País, mereceu tantos elogios do produtor que deixou todos os participantes bastante curiosos com o novo espumante. Deixando-se levar pelo momento, o simpático Miguel prometeu enviar uma garrafa a cada convidado.
Acontece que, àquela época, esse rótulo ainda não estava em nosso mercado, o que quase levou o diretor da importadora Devinum à loucura, pois teve de contrariar seu chefe, declarando que não poderia cumprir a promessa. Ouvia-se no ar o silêncio da inquietação...
Mas espanhol que se preza, respeita o fio de bigode. Eu já havia perdido as esperanças de provar esse vinho quando, mais de um ano depois, tive a alegria de ver a palavra dada ser cumprida e recebi o tão esperado espumante.
Muito embora a grande maioria dos enófilos nem ao menos conheça a casta País, ela é nada menos do que a segunda casta mais plantada no Chile (atrás apenas da Cabernet Sauvignon), com impressionantes 15.000 hectares (13% da área vinícola daquele país). Como então ela é uma ilustre desconhecida?
É fácil de entender. Originária de Castilla-La Mancha e chamada de Listán Prieto, essa uva foi levada pelos espanhóis para suas colônias americanas, chegando ao México em 1540, tendo sido a primeira variedade vitis vinifera de nosso continente. A uva foi bastante difundida por diversas regiões e atualmente é conhecida como Misión, no México; Mission, na California; Criolla Chica, na Argentina; e Negra Corriente, no Peru. E na metade do século XVI, chegou ao Chile, onde atualmente é conhecida simplesmente como País.
É uma casta vigorosa, altamente produtiva e muito resistente à seca, e daí seu sucesso na estreita nação andina. Devido a essas características, sempre foi utilizada para a elaboração de vinhos rosés de baixa qualidade, o que faz entender o seu anonimato em terras brasileiras.
O melhor espumante chileno |
O entusiasmo de Miguel justificava-se pelo resgate de uma uva tão tradicional, tanto para a Espanha, sua terra natal, quanto para o Chile, sua pátria emprestada. Atualmente, não é difícil encontrar nos vales chilenos, vinhedos de País com 200, 300 anos, o que, combinado com um bom tratamento das vinhas, reduzindo dramaticamente a natural produtividade, constitui-se em um patrimônio vitícola inestimável.

E a aposta da Miguel Torres foi bem recebida e bem recompensada. Por mais estranho que possa parecer, um espumante rosé, elaborado com uma casta distante das tradicionais, ser escolhido como o melhor do Chile, foi exatamente isso o que aconteceu este ano, para surpresa geral, quando o Santa Digna Estelado Rosé arrebatou o prêmio de Melhor espumante na edição 2012 do Wines of Chile Awards.
É um belíssimo vinho. Pelo lado de fora, a garrafa tem um formato especial, lembrando aqueles utilizados pelos Proseccos - o que deve ser uma associação indesejada - e, contrariando aquilo que é um virtual padrão do mercado, não tem uma cápsula para esconder a rolha e a grade (foto à direita). Não deve ser economia, mas sim alguma mensagem subliminar que eu não captei... A rotulagem abusa das cores rosadas, um tanto apelativas, mais parecendo um vinho da Xuxa ou da Hello Kitty.
A cor do vinho, no entanto, é muito mais elegante, um rosa claro, com nuances salmonadas, muito bonita de se ver. As borbulhas são pequenininhas e abundantes, congruentes com a utilização do método tradicional para a elaboração do espumante. No nariz, aromas de morangos, rosas e toques de avelãs, prenunciando o ponto mais alto do vinho que é o paladar seco, com deliciosa acidez, excelente corpo e uma durabilidade marcante.
O preço é que poderia ser um pouco mais simpático. Esse vinho encontra-se à venda na L'Orangerie, em Laranjeiras, por R$83,90. Mas, para conhecer a casta mais antiga das Américas, através de uma bebida deliciosa e com tanto pedigree, vale bem a pena!
Oscar Daudt
29/12/2012 |