
O guia Gambero Rosso, na apresentação dos vinhos de Josko, ensina: "Josko Gravner não se discute: ou você o ama ou você o odeia."
E eu pude testemunhar esta afirmativa, em 2011, quando pela primeira vez bebi um vinho do cultuado produtor friulano. Estávamos em um restaurante na Itália e tanto nossa mesa, quanto nossos amigos da mesa ao lado, pedimos um Gravner Ribolla Anfora 2002. Enquanto nós nos desmanchávamos em suspiros quase orgásmicos, a outra mesa rejeitava o vinho, classificando-o como defeituoso e, para nossa alegria, nos presenteou com a garrafa. E olha que eles não eram principiantes, muito pelo contrário, mas sim um grupo acostumado a beber apenas do bom e do melhor.
Eu fico feliz por pertencer ao grupo do "ame-o", pois poucos vinhos me trazem tanta satisfação em beber quanto as revolucionárias obras de Josko. Se é que pode se chamar de revolucionária uma volta ao passado.
E aproveitando a única tarde que tínhamos livre no Friuli, lá fomos nós conhecer o recluso produtor.
Em contraste com os marqueses e as baronesas que assinam os grandes vinhos do mundo, Josko é uma figura peculiar: um camponês de voz pausada, roupas surradas e unhas sujas de terra, é de uma simplicidade comovente. Ele nos embarcou em um jipe velho e desconfortável para sacolejarmos em direção a seus vinhedos.
No primeiro vinhedo, sem que houvesse nenhum sinal indicativo, já estávamos na Eslovênia. Eu fiquei intrigado em saber que Josko plantava uvas no país vizinho e perguntei se ele produzia vinhos por lá também. Minha pergunta foi respondida indiretamente: "Essa área aqui já foi Áustria, Iugoslávia, Itália e agora é Eslovênia, sem nunca ter saído do lugar", esclareceu o produtor revelando a desimportância das fronteiras e dos limites.
Mais uma parada, desta vez de volta à Itália, e Josko nos apresenta os vinhedos que plantou há 7 anos com a casta Rkatsiteli, uva originária da Geórgia, uma das mais antigas variedades conhecidas, e que tem como características fundamentais uma casca bem grossa e uma acidez pronunciada, parecendo ter sido talhada sob encomenda para ele. O vinho ainda não existe, mas é só esperarmos mais uns 7 anos e já poderemos provar essa novidade milenar.
"Eu faço os vinhos para mim. O que sobra eu vendo."
Josko Gravner |
Em 1987, Josko foi à Califórnia para conhecer a vanguarda da vinicultura. Provou mais de 1.000 vinhos e ficou decepcionado com a homogeneização. A viagem foi um marco em sua vida e, a partir daí, em lugar de perseguir o futuro, decidiu descobrir o passado, indo em busca das origens do vinho em nossa civilização. Mas foi apenas no ano 2000, que o produtor conseguiu visitar a República da Geórgia, já que naqueles tempos a região vivia envolvida nas guerras de dissolução da União Soviética.
E lá ele descobriu sua vocação ao encontrar as castas brancas sendo vinificadas em ânforas com longos períodos de maceração das cascas. Ao provar os vinhos, a decisão foi tomada. E a partir daí, toda a sua produção passou a ser feitas em ânforas.
Sua cave é inacreditável! Apenas uma salinha subterrânea vazia, com chão de cascalhos, de onde afloram as bocas das ânforas enterradas. Durante nossa visita, as uvas estavam chegando e elas eram desengaçadas no andar de cima e jogadas diretamente nas ânforas. Lá serão deixadas por 7 longos meses para a fermentação e a maceração das cascas. Ao final desse período, as uvas são prensadas e levadas a grandes tonéis inertes de madeira, onde repousam de 7 a 10 anos!
Não há, praticamente, intervenção: não há clarificação, não há filtragem, não há controle de temperatura, as leveduras são indígenas e os vinhos só ficam lá quietinhos repousando pelos longos períodos que a paciência do produtor estabelece. "Só acrescento um pouco de enxôfre, como os romanos já faziam há 2000 anos, se não, não há vinho", explica o produtor. Todos os seus esforços se concentram na produção das melhores frutas. Ele afirma que "as ânforas amplificam as características das uvas: se são boas, as ânforas melhoram o vinho; se são ruins, o vinho fica pior." Josko define seus métodos de plantio como muito simples: ele tenta fazer um ambiente ecologicamente equilibrado com a presença natural da flora e da fauna. E embora não se rotule como biodinâmico, ele se guia pelas fases da lua: "Cada tarefa tem uma fase lunar própria para ser executada".
E o surpreendente Josko explica, com a simplicidade de um "contadino": "Eu faço os vinhos para mim, do jeito que eu gosto. O que sobra eu vendo."
Após passarmos toda a tarde com o produtor, aprendendo sua filosofia e seus métodos, a noite já caía quando fomos começar a prova dos vinhos. Se beber só um vinho Gravner já é um privilégio, imaginem degustar nada menos do que 11 vinhos diretamente das barricas! É o sonho de qualquer apreciador. Um após o outro, Josko nos ofereceu:
Breg 2010 (Sauvignon, Pinot Grigio, Riesling Itálico e Chardonnay)
Ribolla 2010
Breg 2011
Breg 2008
Ribolla 2007
Sauvignon Reserva 2011
Ribolla Reserva 2011
Pignolo 2011 (vinho doce)
Rujno 2008 (90% de Merlot e 10% Cabernet)
Pignolo 2008 (vinho seco)
Ribolla Botrytis 2010 (vinho doce)
Os vinhos brancos são de cor belíssima, tânicos, profundos, sedosos, minerais... Mas descrever esses vinhos e suas sensações é um exercício de futilidade. São vinhos absolutos e não merecem ser reduzidos a palavras. Eles são o que são. Só experimentando...
Deslumbrado com as cores, referi-me a eles como vinhos laranjas, o nome que o mercado escolheu para caracterizá-los. Josko me corrigiu, dizendo que batizar assim seus vinhos era impróprio, já que laranja era uma cor opaca, e que preferia que eles fossem comparados à luminosidade e à transparência do âmbar. E tinha toda a razão.
Para provar esses vinhos, não é necessário viajar ao Friuli, pois há dois deles disponíveis em nosso mercado, trazidos pela Decanter: o Ribolla Gialla 2005 e o Breg 2005.
Mas o preço é bem salgado: R$375 cada garrafa. Em lugar de reclamar, porém, saibam que o preço não está bom, mas está melhorando. Eugênio de Oliveira, do Decantando a Vida, me contou que antes de entrarem na carteira da Decanter, esses vinhos eram trazidos pela Zahil e custavam sabem quanto? R$545,60!
Oscar Daudt
06/11/2012 |