
Para o ouvido cartesiano de um engenheiro, a descrição sistematizada de um estilo de vinhos, soa como música. O enólogo Alejandro Galáz, que assina os vinhos da Ramirana, apresentou-me a seguinte equação que define sua produção:
Acidez: mais elevada
PH: mais baixo
Álcool: mais baixo
Fruta: mais elevada
Carvalho: mais baixo
Vocação gastronômica: mais elevada
Inovação: mais elevada
"Nossos vinhos requerem mais horas de enólogo por litro."
Alejandro Galáz | Eu gostei tanto e achei tão simples de entender que me pareceu uma boa ideia se todos os vinhos tivessem essa tabela no contra-rótulo. O que ele esqueceu de incluir em sua fórmula é o componente emocional: salta aos olhos a paixão que o jovem enólogo dedica a seus filhotes!
A Ramirana é o lado boutique da gigante chilena Ventisquero. Enquanto esta elabora cerca de 1,3 milhões de garrafas ao ano, a pequena filial ajuda com apenas 3% desse total. São vinhos de pequenas produções e baixíssimos rendimentos que, segundo a definição de Alejandro, requerem "mais horas de enólogo por litro de vinho". As uvas são provenientes de 2 vales chilenos: as brancas se originam de Lolol, enquanto as tintas são plantadas no Valle de Maipo, mas bem no limite, pertinho da costa.
Alejandro contou-me que a próxima novidade, a ser lançada no início de 2013, forçará o redesenho do mapa vitivinícola chileno: os vinhedos são plantados em Huasco, em pleno deserto de Atacama, cerca de 200km acima do limite norte hoje conhecido, que é o Valle del Elqui. Localizado a 20km da costa, em uma área que já foi fundo do mar na pré-história, com sedimentos calcáreos e com o sal cobrindo de branco o solo (eu vi a foto e é incrível), o enólogo garante que seu vinho terá um caráter mineral bastante peculiar!
O novo vinho será um Sauvignon Blanc com a minúscula produção de 2.000 garrafas. Dessas, apenas 200 chegarão ao Brasil e somente 50 aportarão nas praias cariocas. Portanto, enófilos, correi! Mas o vinho será vendido exclusivamente em um restaurante apenas, que Alejandro preferiu não identificar para manter uma aura de mistério
Contrariando os usos e costumes do Novo Mundo, a Ramirana aposta em vinhos de corte e metade de sua produção é uma mistura de castas, muitas vezes insólita. E o primeiro vinho é um bom exemplo disso: o Ramirana Gran Reserva Sauvignon Blanc Gewürztraminer 2011 faz a perfeita sinergia entre as duas castas, com o caráter floral da Gewürz domando os excessos herbáceos da Sauvignon, para chegar à taça com boa estrutura e deliciosa acidez.
Seguimos com outro branco de corte não tão exótico assim: o Ramirana Reserva Chardonnay Sauvignon Blanc 2010 mistura as duas rainhas brancas em uma mineralidade deliciosa, contrapondo o frescor da Sauvignon com a complexidade e a estrutura da Chardonnay barricada. Deliciosamente estival!
A criatividade do enólogo não tem limites e no primeiro tinto, Ramirana Gran Reserva Syrah Carmenère 2010, mistura duas castas que nunca pensaram em andar de mãos dadas. Eu encarei o corte com um pé atrás, mas fiquei entusiamado com o resultado que, para mim, foi o melhor custo-benefício do almoço. Sua vocação gastronômica o fez dar um "show de bola" - Alejandro gostou dessa expressão - na harmonização com os carrés de cordeiro de Janine Sad.
E ao final, o top, a cerejinha do bolo, foi o filho bem-amado do enólogo, o Ramirana Premium Trinidad Vineyard 2008, corte cirúrgico de 64% Syrah, 23% Cabernet Sauvignon e 13% Carménère. Vinho feito no capricho, passa 14 meses em carvalho da Borgonha (sendo 28% novos) e ainda descansa outros 12 meses em garrafa, para que, ao chegar às mãos dos consumidores mais apressados, já esteja prontinho para consumir; se o comprador for mais paciente, pode esperar uns 10 a 15 anos. Vinho elegante, aveludado e com grande estrutura, é quase interminável.
Oscar Daudt
10/10/2012 |